Viagem barulhenta
julia
Há anos faço diariamente o trajeto de ônibus entre São João da Barra, onde moro, e Campos, onde trabalho. Uma hora de ida, uma hora de volta. Invariavelmente pela Campostur, única empresa que detém a concessão da linha intermunicipal. Costumo dizer que já colecionei memórias suficientes para a edição de um livro de crônicas sobre minhas viagens de Campostur, de tantas histórias malucas que acabo presenciando no percurso deste pequeno trecho da BR 356. Algumas divertidas, outras tristes, outras surreais. Mas o destaque fica mesmo com as irritantes. A empresa tem lá suas falhas. Poltronas desconfortáveis, motores barulhentos, carros velhos que vivem quebrando pelo caminho — se bem que já vi sucatas piores nas linhas circulares de Campos —, passageiros em pé, passagem absurdamente cara. Claro que são problemas que a empresa precisa corrigir e o Detro cumprir seu papel de fiscalizar. Só que a conversa aqui é outra: diz respeito à falta de noção de alguns passageiros, que tornam a já desconfortável viagem uma aventura estressante. Eu já ouvi relatos inteiros sobre os mais privados detalhes de uma vida familiar, conjugal, contados por passageiros aos vizinhos de poltrona que acabaram de conhecer. E a um volume de voz que compartilha a intimidade com outras dezenas de desconhecidos. Sabe aquilo de sentir vergonha pelos outros? E as conversas em último volume por telefone, os toques escandalosos dos celulares? Ninguém vai exigir silêncio absoluto, lógico. Mas tem passageiro, sinceramente, que devia ter botão de stop ou pause. Tem gente que estapeia os filhos, grita os amigos pela janela, cisma de armar barraco do nada, talvez só para proporcionar alguma emoção a um dia monótono. O restante dos passageiros que se lasque diante das cenas constrangedoras e barulhentas. Sem contar com o desrespeito de quem viaja sem camisa e de quem ocupa os lugares destinados aos idosos e deficientes. Agora, no quesito irritante, o campeão absoluto é o som. Aliás, não é só irritação como descumprimento da lei. Assim como fumar, não é permitido o uso de aparelhos sonoros nos ônibus. E ponto. Pouco importa se alto ou baixo, se funk ou new age. Mas essa febre de celulares com MP3 está acabando com o sossego de quem gosta de viajar quieto, lendo um livro ou estudando. Às vezes é mais de um e o ônibus inteiro vira uma grande confusão sonora. Motoristas e cobradores nunca advertem. Por incrível que pareça, muitos ônibus têm seus próprios sistemas de som, com caixas distribuídas ao longo do corredor, e o DJ acaba sendo o próprio motorista. A empresa sabe que isso acontece e não faz nada. Sequer treina seus funcionários para que possam assegurar aos passageiros uma viagem tranquila. Já vi um cobrador se recusar a atender ao apelo de um passageiro incomodado com o engraçadinho ao lado que havia esquecido o fone de ouvido em casa — tem um monte que sempre esquece. Transporte coletivo é serviço essencial, tanto que precisa de concessão pública para funcionar. Tem normas a seguir. Por outro lado, educação e respeito são valores que independem da eficácia do trabalho de quem deve fiscalizar. É simples: viver em coletividade significa entender que nossos direitos só podem ser exercidos quando não violam os direitos das outras pessoas. Isso vale para o vizinho de ônibus, de casa, do trabalho. Vale para tudo.

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