Das coisas findas, muito mais que lindas
Aluysio Abreu Barbosa 01/12/2016 19:36
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Cristo/Divulgação
“Mas as coisas findas / muito mais que lindas / essas ficarão”. Eram os últimos versos do poema “Memória”, de Carlos Drummond de Andrade (1902/87), pintados na parede de uma varanda que o mar levou em Atafona, mas não da memória de quem viu.
O homem ainda jovem pensava naqueles versos impressos junto à foz do Paraíba do Sul, quando subiu o rio e a serra, num feriado de semana santa, até um morro nos arredores de Cambuci, onde conheceu Edil, negro esguio, elegante e gentilíssimo. Sem nunca antes tê-lo visto, ele o recebeu com uma delicadeza que não faria feio a nenhuma rainha da Inglaterra.
De fato, o visitante ocasional nunca vira tanto acolhimento e asseio como naquela cabana humilde de pau a pique. Em seu interior, panelas, frigideiras e bule areados à exaustão brilhavam à espera de qualquer convidado para uma caneca de café quente e um dedo de prosa.
No desabrir generoso dos solitários, Edil falou das coisas da vida e do mundo, prenhe de doçura e sabedoria. Morreu alguns anos depois, ao cumprir sua própria Paixão. E, findo, ficou na memória e nos versos de quem salvou naquele momento singelo de fé restituída no homem.
 
sexta-feira santa
(p/ edil)
mijo espumando
pedra de índio
negro no sítio
com café na garrafa
e panela areada
à espera de alguém
sítio no morro
que já foi do índio
hoje do quase branco
que cerca o barranco
barranco da pedra
morro da santa
bife na mesa
não na panela areada
do negro do morro
que o rio contorna
no curso da mente
onde coisas pequenas
para quem sabe que acaba
duram pra sempre
 
cambuci, 11/04/98

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