Arthur Soffiati - Três estruturas climáticas
* Arthur Soffiati 12/11/2022 09:21 - Atualizado em 12/11/2022 09:21
Arthur Soffiati
Arthur Soffiati / Divulgação
Estamos acompanhando a COP-27 sobre o clima, que se realiza no Egito no início deste novembro. Cabem alguns esclarecimentos para melhor entendermos o que está jogo.
Nos últimos 1.200 anos, a humanidade passou por três momentos climáticos estruturais bem mais registrados nos países que se constituíram no hemisfério norte. Nos Estados Unidos e na União Europeia, o conhecimento das oscilações climáticas estruturais é bem maior que nos países do hemisfério sul. Entre os anos 800 e 1.300, houve um pequeno aquecimento global natural que permitiu o desenvolvimento das forças produtivas. Estudos recentes parecem indicar que o capitalismo não nasceu como resposta a condições ingentes, como Marx escreveu no segundo volume do primeiro livro de “O Capital”, mas aproveitando a cálida estrutura climática que vigorou entre os séculos XI e XIV, como vêm mostrando as pesquisas sobre climatologia (FAGAN, Brian. “O aquecimento global”. São Paulo: Larrousse do Brasil, 2009). Na Europa Ocidental, as temperaturas permitiram a expansão da agropecuária e a instauração da economia de mercado graças ao aumento da produção de excedentes. A população cresceu com o aumento da produção. Áreas até então excluídas da produção, como florestas e pântanos, foram integradas a ela com o desmatamento e o dessecamento.
O segundo momento climático estendeu-se de 1.400 a 1.800 e foi marcado por um resfriamento global conhecido como Pequena Idade do Gelo. A revolução industrial se originou na Inglaterra em condições climáticas frias. Daí em diante, as temperaturas globais começaram a se elevar. Os dois primeiros momentos derivaram de oscilações climáticas naturais. O terceiro se deve à economia ocidental globalizante. Emissões de gases oriundos de desmatamentos e da queima de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo. Até hoje, a maioria da humanidade não se interessa por mudanças climáticas, entendendo que os fenômenos extremos, como chuvas copiosas, ventos destruidores e secas profundas, decorrem da natureza ou da vontade de Deus. Até mesmo na academia, onde não há mais ambiente para explicações metafísicas, a visão antropocêntrica do mundo leva professores e pesquisadores das áreas de ciências humanas a mostrar desinteresse pelo assunto.
Os fenômenos climáticos naturais continuam existindo, mas estão sendo alterados pelas mudanças climáticas antrópicas. Os climatólogos e os meteorologistas estão surpresos com o comportamento de La Ninã. O fenômeno parece não se comportar segundo os modelos científicos. Parece imprevisível. Está ativo a mais tempo do que se esperava. Três anos em atividade. Pelos registros, este comportamento errático só aconteceu duas vezes desde 1950. Não caberia a hipótese de que as mudanças climáticas estão interferindo no fenômeno? Por que analisar o clima global atualmente por uma ótica convencional?
Sabe-se que todo o sul da Europa enfrentou severa seca no verão de 2022. Ela atingiu mesmo a parte central do continente. Os incêndios foram severos na Península Ibérica, deixando terras arrasadas. Mesmo na Galícia, nacionalidade da Espanha bastante chuvosa, houve incêndios devastadores. Desde 2021, o território galego vem acumulando acentuado déficit hídrico. Espera-se chuva no outono, mas não há garantia. Visitei a Galícia em novembro de 2019 e enfrentei chuvas. Agora, estima-se que é preciso chover 700 litros de água por metro quadrado no outono. Pelas previsões, espera-se uma precipitação pluviométrica menos volumosa. A seca pode se tornar crônica, se é que já não se tornou, ou pode chover muito mais do que o esperado. O clima não pode ser controlado por painéis computadorizados, ainda mais com as imprevisibilidades causadas pelo aquecimento global.
É exatamente dos excessos que população, empresários e governos têm reclamado. Ou chove de menos ou chove demais. Na Europa e na China, choveu de menos no verão. No Paquistão, choveu demais. É descabido pensar que o clima está descontrolado. Entendo que a seca da Península Ibérica não depende só da escassez de chuva. De fato, medidas que reduzam a emissão de gases do efeito-estufa são urgentes. Mas, a redução, a estabilização e a reversão das mudanças climáticas serão processos de longo prazo. Tudo indica que elas vão se acentuar, pois as emissões de gases estão aumentando. Assim, restam-nos, a médio e curto prazos, providências aqui na superfície da Terra.
É preciso promover o reflorestamento de pontos críticos, sobretudo em nascentes, pontos de recarga e margens de rios. Há planos nesse sentido na Galícia, mas eles não saem do papel. As cidades precisam passar por mudanças profundas para enfrentar secas e enchentes.
Algo pode ser feito nas cidades da Europa e do Brasil. A enchente de agosto no Paquistão mostrou os limites de mudanças na superfície da Terra, pois grandes áreas ficaram submersas com as chuvas de monção de agosto. Enfim, como os governos lidarão com essas mudanças cumulativas que tendem a se agravar nos próximos anos? Passando o momento mais agudo de chuvas volumosas e de secas destruidoras, tudo é esquecido pelo povo e pelas autoridades até o próximo desastre. Até a próxima conferência de cúpula.

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