Vitor Menezes[/caption]
Confesso que fiquei surpreso quando recebi o convite para exibir e comentar o documentário “Forró em Cambaíba” no Cineclube Goitacá. Vinha acompanhando a excelente lista de clássicos que o projeto reunia e me perguntei: o que poderia fazer uma modesta produção local neste lugar dedicado a um cinema de altíssimo nível?
Foi então que me dei conta de que tanto o Cineclube quanto a ousadia quase irresponsável de fazer um longa metragem têm o mesmo embrião: a recusa em acreditar que não é possível ter uma vida cultural em uma cidade com cerca de 500 mil almas. Um cineclube é um manifesto de resistência. Fazer um filme em Campos, também. Este é o ponto de convergência que tornou possível o generoso convite.
“Forró em Cambaíba” é um documentário que não nega o seu ponto de vista afinado com os movimentos sociais, especialmente o MST, e busca suprir a carência de registro das lutas populares, notadamente em regiões marcadas pelo conservadorismo. Campos, que tem o sindicato de trabalhadores rurais mais antigo do Brasil, ainda possui uma dívida com a história dos que se insurgiram contra todas as formas de autoritarismo e servidão.
Adaptando o lema sem terra, trata-se então, no Cineclube e em outras frentes culturais, de assistir, discutir e produzir.
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Antonio Roberto Kapi[/caption]
Desde quando fui convidado a integrar a equipe de apresentadores/debatedores, do então Cineclube José Amado Henriques que tenho curtido o alento de vivenciar experiências cinematográficas diversas, que só contribuíram para o meu crescimento enquanto ser humano e artista. Apesar de ter paixão pela sétima arte, não gosto de assistir filmes em telas de TV. E mesmo em telas grandes a oportunidade de ver bons filmes é rara em nossa taba. Durante muito tempo o Zé Amado, depois o Cinema no Palácio e o atual Cineclube Goitacá me amenizaram a sede de assistir a bons filmes.
Nesta retomada do Cineclube Goitacá, apresentarei o intrigante “Um passaporte húngaro”, em que a diretora Sandra Kogut é também a sua personagem principal e, pasmem, não aparece em nenhum momento do filme. Afinal, neste mundo globalizado, quem não possui um passaporte não existe. A história é narrada sob a sua ótica, mas ela não aparece em nenhum momento do emaranhado burocrático em que a narrativa se tece.
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Marcelo Sampaio[/caption]
Quando soube que seria recriado um cineclube em Campos fiquei bastante animado, pois além dos cinemas existentes na cidade, para mim salas de projeção, quase não saírem de uma programação basicamente comercial, são muito raros por aqui os espaços para o debate de idéias em alto nível intelectual. Desde que assisti ao primeiro filme no Cineclube Goitacá, tive certeza que ir ao Oráculo nas noites de quarta-feira se tornaria um dos meus mais prazerosos hábitos. E o meu prazer foi maior ainda quando tive a oportunidade de apresentar no fim do ano passado “Noel, poeta da Vila”, filme de Ricardo Van Steen sobre o compositor Noel Rosa. Tanto que estou escalado para a primeira mostra de filmes de 2014 na qual apresentarei “O mistério do samba”, documentário de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda, que retrata a história da velha guarda da Portela. Estas duas escolhas têm tudo a ver com as experiências que possuo no samba e no carnaval e com as minhas pesquisas acadêmicas na área da cultura popular.
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Talita Barros[/caption]
O documentário “Opinião Pública”, de Arnaldo Jabor, mostra a vida de pessoas da classe média carioca durante a década de 1960, desnudando seus sonhos e visões de mundo. Construindo-se a partir da voz de um narrador em off, o filme, em alguns trechos, pretende nos mostrar a vida como ela é. Muito além do conteúdo, o documentário me chamou a atenção, ainda no curso de Comunicação Social, em função da ideia de conduzir o espectador a um conhecimento puro da realidade, como se isso fosse possível. Sou jornalista e, por isso, preocupo-me com a construção de um ponto de vista diariamente. Com a apresentação do documentário, saio da pretensa neutralidade, imparcialidade e objetividade jornalística para entrar “em cena” na primeira pessoa do singular, assumindo minhas palavras e meus desvios discursivos. A conversa não nos levará A verdade, mas vamos pluralizar caminhos interpretativos, seguindo as pistas que a linguagem nos deixa.
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Soffiati comandando o de bate após a exibição do filme “Desmundo”, em 6 de novembro de 2013[/caption]
Cineclube em 2013
Fruto da parceria de alguns remanescentes dos cineclubes Zé Amado e Cinema no Palácio com a Oráculo Produções, cuja sala de audiovisual no edifício Medical Center serve de local para as exibições e debates dos filmes, o Cineclube Goitacá iniciou suas atividades com a mostra “Indianismo no Brasil”. Nela foram exibidos os filmes “Hans Staden”, de Luiz Alberto Pereira, em 23/10; “Como era gostoso o meu francês”, de Nelson Pereira dos Santos, em 30/10; “Desmundo”, de Alain Fresnot, em 6/11; “Brincando nos Campos do Senhor”, de Hector Babenco, em 13/11; e “Cannibal Ferox”, em 20/11. A segunda mostra, com o tema “Memória”, foi aberta em 27/11, com o filme “Em busca da memória”, de Petra Seeger; seguido de “Noel – O poeta da Vila”, de Ricardo Van Steen, em 4/12; “Amnésia”, de Christopher Nolan, em 11/12; e “Crepúsculo dos deuses”, de Billy Wilder, fechando o ano em 18/12. Os apresentadores de 2013 foram os professores Aristides Soffiati, Paulo César Moura, Gustavo Soffiati e Marcelo Sampaio; os jornalistas Luciana Portinho e Aluysio Abreu Barbosa; o teatrólogo Antonio Roberto Kapi e o psicanalista Luiz Fernando Sardinha. Antes da exibição de alguns longas, o produtor cultural Antonio Luiz Baldan também apresentou curtas-metragens, como “Recife frio” (em 27/11), “Sambatown” e “No baque” (04/12), “Graffiti dança” (11/12) e “Farol” (18/12). Publicado hoje na edição impressa da Folha.



