Crítica de cinema - Em busca de sua essência
*Felipe Fernandes 07/03/2020 08:46 - Atualizado em 24/03/2020 18:16
Divulgação
Dois irmãos: Uma jornada fantástica — A característica mais marcante dos filmes da Pixar é o poder que eles têm de trabalhar conflitos e temáticas adultas em produções repletas de elementos atrativos para o público infantil. O conceito de cinema para toda a família em seu grau máximo.
O novo filme do estúdio, “Dois irmãos: Uma jornada fantástica”, chega sem muito alarde, contando uma história original repleta de elementos e referências para um público mais velho, com forte carga emocional, algumas críticas sociais nas entrelinhas e o esmero técnico que é marca registrada do estúdio.
O filme imagina uma sociedade formada por criaturas mágicas como elfos, centauros, unicórnios, dragões, que abriram mão dos elementos mágicos de sua natureza em prol da tecnologia e do conforto. Basicamente, abriram mão de sua essência com o desenvolvimento da modernidade.
Nessa realidade, o filme narra a história de Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt), dois irmãos adolescentes que perderam o pai muito cedo, mas, no aniversário de 16 anos do caçula, descobrem um presente secreto deixado pelo pai antes de sua morte. Se trata de um cajado mágico que permite a eles trazer de volta seu falecido pai por um único dia. Claro, o encanto não acontece exatamente como eles imaginavam, e os dois irmãos precisam sair em uma jornada para concluir este encanto e conseguir rever o pai.
Ian é o típico protagonista da Pixar, desajeitado, procurando encontrar seu lugar no mundo, que se envolve em uma jornada que vai revelar valores pessoais e/ou já existentes em sua vida. No caso do elfo, a ausência do pai e a completa falta de lembranças com ele trazem um peso diferente, e a oportunidade de ter pequenos momentos para com ele é a premissa perfeita.
O filme é uma grande homenagem ao gênero RPG. Não só pela utilização de seres mágicos, comuns em alguns estilos de jogos, mas ao trazer Barley como uma aficionado pelo estilo de jogo e que acaba funcionando como uma espécie de guru para o irmão mais novo, ao apresentar conceitos dos jogos para desenvolvimento da história e da jornada. Sem falar na relação perdida com a magia por parte daquela sociedade.
Com uma estrutura narrativa de road movie, a jornada dos irmãos lembra o estilo dos games, em que eles precisam vencer um determinado desafio para seguir seu caminho até o próximo desafio na busca do prêmio definitivo. O roteiro do diretor Dan Scalon e seus parceiros consegue estabelecer essa dinâmica sem tornar o filme episódico, elemento importante para uma narrativa nesse estilo, que vai de encontro a algumas das referências do filme.
As referências também são bem variadas. Os elementos de jogos de RPG permeiam grande parte da produção. Nas cenas do pai na van, é impossível não se lembrar da clássica comédia oitentista “Um morto muito louco”. A própria gangue de motoqueiros formada por fadas me remeteu ao clássico som do Black Sabbath “Fairy wear boots”, que trata de uma gangue de motoqueiros que tinham o apelido de fadas. Essa é uma referência que talvez nem exista, mas, como o filme flerta bastante com o rock, talvez não seja uma referência totalmente equivocada.
No aspecto visual, o filme mantém o alto padrão da Pixar, mesmo que não encante como em “Toy Story 4”. É Interessante como o design de produção constrói visualmente aquela sociedade e estabelece paralelos com a nossa sociedade atual (como o surgimento de mazelas diretamente relacionadas à modernização), sem abrir mão de elementos visuais da narrativa. O último ato contém momentos visuais realmente impressionantes em um clímax satisfatório, tanto em sua narrativa quanto em sua carga emocional.
Pensando apenas no protagonista, “Dois irmãos: Uma jornada fantástica” pode ser compreendido como a história de um garoto que está crescendo e sofre um processo natural, onde precisa deixar a magia de sua infância (passado) para trás em prol da vida adulta. Funcionando claro como uma reflexão a essa perda da infância. Essa riqueza de leituras em um filme aparentemente infantil é que faz da Pixar um estúdio único no cinema atual. Sempre usando de temas reflexivos e engrandecedores, sem nunca abrir mão da diversão e do cuidado na criação de universos cada vez mais complexos e ricos em detalhes e nuances.

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