Mistanásia
bethlandim 04/07/2016 11:19

“Tudo o que nasce deve morrer, passando pela natureza em direção à eternidade.” William Shakespeare...

Vivemos em um mundo de correria e pressa, que as relações humanas estão ficando para segundo ou terceiro plano. Mais do que isso, as relações humanas, perderam a sensibilidade de “olhar” para o sub mundo que grande parte da população hoje está submetida... O abandono nas ruas, o acesso à saúde, a educação, a sobrevivência familiar... Na maioria das vezes nos chocamos pontualmente com casos “gritantes” e nossos olhos deixam passar, o caos que grande parte da população está sofrendo pela miserabilidade dos serviços básicos para a população... Esta morte em massa, muitas vezes invisível, para nós, é sentida por cada um que está à margem da vida... A dignidade humana é a base da vida e dos direitos de todo cidadão...

A pessoa humana tem direito universal à vida digna, o que inclui uma vida com qualidade e saúde. Para tanto foi instituída uma lei universal com fundamento na dignidade da pessoa humana capaz de estabelecer princípios para os Estados Democráticos de Direito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948), que uniu o mundo no sentido de empreender esforços objetivando tornar a dignidade da pessoa humana a espinha dorsal de todas as constituições democráticas.

A Eutanásia Social, conhecida como Mistanásia, a “morte miserável”, que ocorre como consequência da omissão do Poder Público em não investir na saúde, deixando a população sem atendimento de qualidade, ou mesmo sem nenhum atendimento, o que, na maioria das vezes, gera morte prematura, indigna e em péssimas condições sociais, situações em que as pessoas morrem nas extensas filas de espera dos grandes hospitais antes mesmo de receberem a qualidade de “pacientes”. Essa prática tem obrigado os cidadãos a ajuizarem várias ações judiciais com o objetivo de obterem por força de decisão judicial a prestação do serviço de saúde, que, por lei, deveria ser acessível direta e gratuitamente à população.

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Mistanásia vem da etimologia grega mis, que significa infeliz, morte sofrida, antes e fora da hora, sendo provocada de forma lenta, que tem no seu escopo a desigualdade social e econômica. O conceito de mistanásia vem preencher uma lacuna sentida no habitual trio de conceitos “eutanásia, distanásia e ortotanásia” que marcam a reflexão bioética contemporânea. Na literatura bioética, até recentemente, para se falar de morte social causada pela pobreza, violência e desigualdade, utilizava-se o termo “eutanásia social”. Na verdade, o sentido deste vocábulo seria uma morte em paz sem dor ou sofrimento, em nível social. Mas o que acontece na mistanásia é exatamente o contrário em nível social. Aqui, o despedir-se da vida é marcado pelo sofrimento, abandono, indiferença, violência, entre outras formas degradantes de morte. É uma morte infeliz, uma vida abreviada antes do tempo. É a morte de muitos... que antes de sua morte física, praticamente já estão mortos socialmente.

Pela Constituição Federal em seu artigo primeiro, consagra-se o princípio da dignidade da pessoa humana, logo o Poder Público passa a ter o dever de garantir a efetividade desse direito, já que todos os direitos estabelecidos na Constituição sejam efetivados como o direito à vida e à saúde, que são inerentes à dignidade da pessoa humana. O princípio a nortear as discussões nesta seara é a dignidade da pessoa humana, por se constituir o núcleos dos direitos da personalidade, aqueles indispensáveis e inerentes à toda pessoa humana e um dos mais difíceis de conceituar. Não se pode esquecer que a própria Bíblia trata da morte em suas passagens. Morrer é consequência natural de viver. Contudo, a morte ainda é tratada com tabus e medos. O homem não tem a habilidade de tratar com as perdas que lhe são impostas ao correr da vida, e a morte é a maior delas. O luto que a morte traz consigo ainda é visto com temor e inquietude, exercendo um papel social marginal. Discute-se muito a possibilidade da eutanásia, etimologicamente falando “boa morte” e existe desde a antiguidade, com a finalidade de conceder uma morte suave aos que sofrem de enfermidade incurável. Estudiosos da questão não acreditam que o direito à vida possa ser renunciado, posicionando-se contrariamente à prática, que é inadmitida pela legislação brasileira e que, ao longo do tempo, vem alimentando polêmicas com base na legislação, em função dos aspectos médicos, legais, morais, éticos e religiosos. O fenômeno da judicialização da saúde, obriga o judiciário a intervir nas questões em que os cidadãos não conseguem acesso a certos medicamentos ou tratamentos simplesmente requerendo aos órgãos competentes, mas necessitam movimentar a máquina estatal do Judiciário para obtenção de uma sentença.

A vida banalizada, abreviada antes do tempo em nível social, não trata apenas da “morte de alguém”, mas da “morte de muitos”, que antes de sua morte física, praticamente já estão “mortos socialmente”, numa sociedade que descarta as pessoas, principalmente as mais vulneráveis, socialmente falando, como descarta coisas imprestáveis. Que abramos os nossos olhos para que não sejamos coniventes com a mistanásia social. Cada um tem a sua parcela de responsabilidade quando a sociedade entra em falência e começa a morrer...

Com afeto,

Beth Landim

 

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