Um mar de lama...
bethlandim 16/11/2015 09:49

Assistimos incrédulos ao mar de lama que cobriu e soterrou a cidade de Bento Rodrigues, matando crianças, adultos, jovens, meio ambiente, mas acima de tudo sonhos de várias famílias. Aliás, mar de lama tem sido uma constante em nosso país... Chafurdadas nele, parece que não conseguimos respirar ar puro, nos valores mais límpidos e preciosos como humanidade, honestidade, solidariedade, respeito a res publica, respeito ao humano... Esta bolha escura e pesada não é destino! Não faz parte das nossas escolhas! Mas voltando ao acidente acontecido em Mariana, que traz em si, além do grande desastre humanitário, um grande desastre ecológico, não apenas naquela cidade, mas em toda a região até o final da foz do Rio Doce.

Na tarde de quinta-feira, dia 5 de novembro, o rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, que tem cerca de 600 moradores, em 200 imóveis, na Região Central de Minas Gerais. O diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ferro (Metabase), afirma que entre 15 e 16 pessoas teriam morrido e 45 estão desaparecidas, mas ainda não há números oficiais de vítimas. Um dos sobreviventes da tragédia, Andrew Oliveira, que trabalha como sinaleiro na empresa Integral, uma terceirizada da Samarco, disse que, na hora do almoço, houve “um abalo”, mas os empregados continuaram trabalhando normalmente. "Começou a praticamente ter um terremoto", disse sobre o momento que as barragens se romperam. Mais de 200 pessoas da Guarda Municipal, dos bombeiros, das polícias Civil e Militar, da Defesa Civil e da mineradora trabalham nas buscas. O secretário de Defesa Social de Mariana disse que a situação no local é muito grave e há riscos de mais desmoronamentos. A orientação para os moradores que deixam Bento Rodrigues é que sigam para o distrito de Camargos, que é mais alto e mais seguro.

O diretor-presidente da empresa diz que o rompimento foi identificado e, imediatamente, foi acionado o plano de ação emergencial de barragens para priorizar o atendimento das pessoas que trabalham no local ou que vivem próximo às barragens. Diz ainda que outras localidades podem ter sido atingidas pelo mar de lama, a estimativa é de 2 mil pessoas afetadas. Será que estamos em um país tão fragilizado que nem a mais simples legislação ambiental é respeitada? Quantas barragens teremos que transpor para colocar nos trilhos essa desordem humana que nos assola? É incomensurável a dor dessas pessoas, que de uma hora para outra, perderam suas famílias, sua casa, seu chão...

Esse tsunami de lama, não atinge somente aqueles que ali moram, ou as cidades afetadas. Deve atingir a todos nós, como um ponto de pergunta. Que país queremos viver? Que país queremos deixar para nossas gerações? Que valores estamos incutindo no coração de nossas crianças e jovens?

Mariana (MG) - Antonio Geraldo dos Santos, morador da área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Antônio Geraldo dos Santos, 32 anos, conseguiu salvar também a casa onde morava em Bento Rodrigues, mas acha que vai precisar retomar a vida em outro lugar. Ele, 7 irmãos e 2 sobrinhos saíram ilesos do local. “Como a comunidade é pequena, todo mundo se conhece. As pessoas que estão desaparecidas não são parentes, mas é como se fossem. A gente cresceu conhecendo todas elas.” Para Antônio, o rompimento das barragens não acabou apenas com a casa de centenas de pessoas. “Agora, temos que começar do novo. Não sei como a gente vai conseguir. Só vai cair a ficha mesmo daqui uns três dias. Agora, a gente está no susto, na emoção, no sofrimento. Mas daqui alguns dias, a vida vai voltar ao normal e é aí que a gente vai descobrir o dano maior.” Não é a primeira vez que um desastre deste porte acontece, o que nos envergonha ainda mais e nos mostra que nada mudou. Precisamos nos posicionar, sermos atuantes diariamente para que possamos construir um país transparente, livre de rejeitos e lama tóxica, um país em que a educação e o trabalho sejam pilares do crescimento, um país em que ser honesto, seja obrigação, seja natural, um país que respire solidariedade.

Mariana (MG) - Marcos Eufrásio, morador da área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais (Antonio Cruz/Agência Brasil)

O pedreiro Marcos Eufrásio Messias, 38 anos, morava com a mãe, os irmãos e 2 sobrinhos em Bento Rodrigues desde que nasceu. Criava galinha, pato e codorna. Tinha, como ele mesmo conta, a vida feita. Mas perdeu tudo depois que duas barragens na região se romperam e a lama destruiu o povoado. “Eu tinha casa bem aqui no centro”, contou, apontando para um revirado de lama e sujeira. “Conseguimos sair a tempo, mas perdi tudo. Só conseguimos salvar a vida. De resto, não sobrou nada.”... Temos informação de que a falta de água potável é demasiadamente gritante naquela região, uma vez que o abastecimento foi interrompido. Os bombeiros estão recebendo doações para encaminhar.

“Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. "... como nos diz Cora Coralina.

E falando em solidariedade, mesmo de longe, “pois longe é um lugar que não existe”, podemos ajudar e sermos solidários...

E que possamos, daqui para frente, respirar ar puro... e ao invés de lama termos transparência em tudo.

Com afeto,

Beth Landim

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