Rui Barbosa: “Sinto vergonha de mim...”
bethlandim 07/09/2013 20:27

Memória é o nexo vital entre o passado e o presente. É ter história. Toda criação humana tem o selo da história. E este selo reflete sua organização social, cultural, econômica e educacional. Muito se fala em democracia e, por vivermos em uma, isso se torna algo muito comum e natural. Mas essa palavra é simplesmente ignorada. Hoje, há pelo menos 40 ditadores no mundo e quase 2 bilhões de pessoas vivendo sob esse regime. O custo de tanto despotismo é muito alto: milhões de vidas roubadas, desemprego, pobreza e ações de tirania que chocam a todos. Mas não são apenas estas ditaduras que atormentam o mundo. A liberdade de ir e vir, a liberdade de pensar diferente e de ser diferente, a liberdade de discordar... Sentimos-nos muitas vezes, como se estivéssemos com um esparadrapo na boca e nas mãos: Impotentes...

Ser diferente, pensar diferente, focar sua vida em outros valores, discutir idéias e ideais e não pessoas, nos faz pagar um preço muito alto. Muitas vezes, por vivermos em uma democracia, não damos valor a tudo que ela nos proporciona, e esquecemos até de lutar, de discordar, de sermos nós mesmos, por sermos displicentes com a nossa liberdade. O mundo vem acompanhando o que está acontecendo na Síria.

Vidas de crianças, homens e mulheres sendo ceifadas numa matança irracional. O uso da arma química demonstra o grau de monstruosidade e da banalidade da vida para alguns governantes. Na maioria das vezes assistimos a tudo perplexos, impotentes, pensando que não podemos fazer nada. Mas existem algumas formas de fazer: se expressarmos todos os nossos sentimentos para que mobilizemos a comunidade internacional para se pronunciar e dar um basta já estaremos fazendo alguma coisa. A outra forma é iniciarmos a conscientização política dentro de casa. Independência, nascida em um grito uníssono, precisa ser buscada por cada cidadão, nos pequenos gestos que, somados, devem figurar o ícone de uma vontade coletiva.

Num país onde o índice de analfabetismo ainda é relevante e o desemprego continua marcando a história, não há independência. Onde a natureza continua sendo depreciada e a exploração da mão-de-obra ainda existe, não há independência. A independência não existe onde a política não é instrumento de desenvolvimento coletivo e de igualdade. Onde o acesso à saúde, à educação, ao esporte, à cultura não é prática constante, não há independência. Não é preciso estar à frente de um processo político ou ocupar as cadeiras dos gestores para proclamar a independência ou, até mesmo, para abrir fronteiras rumo a ela. A prática desse conceito deve ser iniciada na instituição mais antiga e forte quando o assunto é aprendizado: na família. Nas ações cotidianas, nos exemplos gerados pelos gestos dentro da própria casa, enquanto pais e filhos, podemos praticar a independência.

Podemos exercer a cidadania, entendendo-a com caminho único rumo ao futuro desejado. Em nossa família, quando rompemos os muros do individualismo, mostrando aos nossos filhos que o bem comum deve ser prioridade, estamos sinalizando que o grito coletivo tem o potencial de transformação necessário ao desenvolvimento da nação. Dessa forma, formamos cidadãos conscientes e preparados para repintar o verde e amarelo de nosso país, por vezes, tão desbotado.

Casa de Rui Barbosa - Botafogo - Rio de Janeiro

Por fim, quero deixar com vocês a palavra de Rui Barbosa, um dos intelectuais mais brilhantes do seu tempo, jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, abolicionista, que foi deputado, senador, ministro, jornalista e advogado, fundador da Academia Brasileira de Letras. A palavra de Rui Barbosa que tão se enquadra em nossos dias: “Sinto vergonha de mim, por ter sido educador de parte deste povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade, e por ver este povo já chamado varonil, enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim, por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação com o ‘eu’ feliz a qualquer custo, buscando a tal ‘felicidade’ em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo. Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar meu verbo a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido, a tantos ‘floreios’ para justificar atos criminosos, a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre ‘contestar’, voltar atrás e mudar o futuro. Tenho vergonha de mim, pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer… Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço. Não tenho para onde ir, pois amo este meu chão, vibro ao ouvir o meu Hino...

Como ele bem diz, "Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra, antes se negam, se repulsam mutuamente. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada, pois a liberdade não é um luxo dos tempos de bonança, é o maior elemento da estabilidade".

Que busquemos incessantemente a liberdade não nos esquecendo da essência, da consistência de valores em nossas vidas... Que tenhamos sabedoria para discernir o joio do trigo, sempre... Que ao delegarmos aos homens públicos nossa representatividade, saibamos também exercer a cobrança responsável, os deveres do fazer público sem vingança, mas em prol de todo um povo. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós...

Com afeto,

Beth Landim

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