Sinceras desculpas
Marcos Almeida 03/06/2013 17:32
Este longo e emocionante relato foi postado pelo Adriano na sua página no facebook. Detalha os motivos para o seu "fracasso" nesta ultramaratona. Longo, mas vale a leitura.
"Quero apenas pedir sinceras desculpas à todos que ficaram na expectativa para que eu fizesse um ótimo resultado hoje na Comrades Marathon. Juro que tentei e dei o meu melhor, mas infelizmente não deu para alcançar o resultado desejado de pelo menos chegar entre os 10 primeiros ou finalizar a prova dentro de um tempo digno dentro de tudo o que treinei e gerei de expectativa em vocês, fui derrubado pelas caimbras que começaram a pegar feio com apenas 35km de prova e finalizei em me arrastando em horríveis 6h52min, os segundos ainda não sei.
Digo que a sensação é realmente desanimadora e frustrante, mas a vida e as competições continuam. Para aqueles que realmente estiverem dispostos a ler um texto grande, vou tentar descrever o que vivenciei hoje.
A prova é muito pior do que eu imaginava, o grau de dificuldade dela é insana, nem em sonho imaginei encontrar algo tão dificil e pesado, ela faz a maratona de Foz do Iguaçú parecer plana. Sobe sem parar todos os primeiros 50km (com apenas algumas descidinhas rapidas no meio, porém muito declinadas o que detona a musculatura), incluindo em vários trechos deste inicio, subidas com inclinações piores e mais extensas que a Biologia, na USP. Uma delas teve 4km de extensão com a inclinação da Biologia, e isso depois de já estarmos subindo sem parar durante 25km.
E depois disso, faltando 37km, vem uma seqüência de sobe e desce um pouco mais suave até faltar apenas 18km quando pegamos uma descida enorme e sem fim, para na seqüência enfrentarmos uma pesadíssima subida com quase 3km de extensão, desce novamente bem inclinado para enfrentar a ultima subida pesada da prova, literalmente uma Biologia com quase 2km de extensão, ela termina faltando 7km para o fim. Depois disso tem mais um pouco de sobe e desce e os últimos 3km da prova termina descendo.
Realmente subestimei a prova e ficou claro minha incapacidade de corre-la pensando em vitória, no máximo dá para pensar em chegar entre os 10, isso realmente seria possível se não fossem as caibras que me forçaram a caminhar durante muito tempo, pois o 10° colocado finalizou em 5h51min, já o campeão em absurdos 5h32min e hoje eu senti na pele o que significa tentar correr esta prova para um tempo deste, só para super-homens mesmo.
Já completei um ironman em Porto Seguro com 40°C na cabeça em 1998 e depois de vivenciar esta prova aqui hoje, posso afirmar com toda a certeza, ironman não é nada perto disso. Só quem correu aqui consegue entender o grau de dificuldade e desumanidade desta prova. 9h de ironman foram fichinha perto das 6h de sofrimento aqui.
Sem falar o calor atípico neste ano e um vento contra fortíssimo, normalmente a temperatura fica em torno de 15°C no decorrer da prova, e neste ano largamos já com 20°C às 5h30 da madrugada, e com 2h de prova a temperatura já estava em 30°C. Muita gente quebrou e passou mal, inclusive os favoritos. Para terem uma idéia da dificuldade neste ano, entre os amadores, todos fecharam com tempos em média 1h mais alto do que estão acostumados a fazer no sentido subida. Estava muito difícil correr aqui hoje e para meu azar isto aconteceu justo em minha estréia.
Larguei na elite e de cara passamos o primeiro km para 3'23'', depois o ritmo deu uma estacionada e ficou entre 3'35'' e 3'45'', detalhe, isso subindo. Quando a subida era muito ingrime o ritmo subia para 4'10''. Corri no pelotão principal junto com líderes até o km 25, neste momento, quando a média no meu Garmin ainda marcava 3'45''/km, chegamos na primeira subida realmente pesada da prova, a Fields Hill, uma subida inclinada como a Biologia e com 4km de extensão. Nela um grupo composto por aproximadamente 30 atletas forçaram o ritmo e foram embora e eu junto com o restante do pelotão principal que até aquele momento devia ter uns 60 atletas ficamos . Nesta subida as minhas pernas e minha cabeça pediam pelo amor de Deus para eu andar, mas me mantive firme correndo.
Enquanto eu via o grupo principal indo embora cada vez mais distantes, meu pensamento já era de que eu não podia desanimar, que precisava continuar ali fazendo o meu ritmo e acreditando numa quebra dos atletas que estavam na frente. Passei a correr num buraco, com apenas mais três ou quatro atletas ao meu lado, pois todo o restante do pelotão sofrou de mim também. Ao finalizar esta subida a média no Garmin já havia caído para 3'49''/km. Porém estes 29km iniciais só subindo me detonaram muito mais rápido do que imaginava e senti as pernas já começarem a pesar e o ritmo subir. Cheguei na placa de 52km (com 35km de prova - para quem não sabe, na Comrades as marcações de km são regressivas, a largada é km87 e assim vai regredindo mostrando quando falta), com a média já em 3'52'' e ai veio o pesadelo, comecei a sentir caibras na musculatura posterior da coxa e dai em diante tive que parar várias vezes para relaxar a musculatura e alongar, a musculatura dava espasmos de caibras repentinamente, causando dores insuportáveis e até me fazendo gritar de dor em alguns momentos.
Enquanto isso vários atletas que tinham ficado para trás começaram a me passar. Imaginem esta situação acontecendo com mais 52km de prova pela frente ainda, e com MUITA subida a enfrentar ainda. Fui tentando administrar esta situação dentro do possível e ainda conseguindo manter a média total acumulada abaixo de 4'00''/km, mas faltando 40km de prova entortei de vez, as varias paradas ocasionadas pelas caibras e a retomada seguinte da corrida foi minando a musculatura e estafando ela, cada vez que voltava a correr, voltava mais travado e com novas dores musculares e articulares na região da virilha.
Ao atingir a placa de 34km para o final, ai as caibras vieram de vez, numa intensidade muito forte, me forçando a caminhar muito mais do correr, passei a fechar cada km para 6min ou mais. Isto se manteve até a placa de falta 24km quando nem trotar conseguia mais, as caibras passaram a pegar até mesmo caminhando e eu simplesmente caminhei da placa 25km até a placa 19km, não tinha como correr, quando eu tentava correr a caibra puxava forte me fazendo ficar parado até o musculo relaxar e ela passar, então era preferível continuar caminhando e avançando kms do que conseguir correr apenas 50 metros e ficar quase 20 segundos parado esperando a caibra passar.
Caminhei durante 1 hora, cada km era percorrido em exatos 10 minutos, nunca imaginei passar por isso numa prova. Por varias vezes passou por mim vans que recolhiam atletas desisitentes, e por varias vezes pensei em entrar e desistir de completar a prova, mas eu não podia fazer isso de forma por dois simples motivos, o primeiro por respeito à todos torceram por mim, que acompanharam toda minha preparação nos ultimos meses e ficaram na expectativa ai no Brasil ou mesmo aqui enquanto corriam a prova também. O segundo motivo para honrar a promoção que criei na minha página do face e por respeito à todos que participaram e deram seus palpites, eu precisa premiar dignamente um de vocês. Foi uma semana inteira de auê em cima desta promoção, fazendo uma baita divulgação e recebendo mais de 2 mil palpites, para simplesmente eu desistir e não completar a prova. Não, de forma alguma!!!
Naquele momento coloquei na cabeça que iria até o fim nem que fosse caminhando mesmo. O único desespero que me batia ao começar a fazer contas faltando ainda 22km para o final era que eu ficaria caminhando durante 3 horas e meia para chegar ao final. Enquanto caminhava, em todo posto de abastecimento que eu ia passando (tinha um a cada 1.600m) comia batata cozida com sal e tomava Pepsi e isotonico e isso foi estabilizando meu organismo e a contração muscular. Depois da placa de 19km que percebi um alivio na musculatura, arrisquei e consegui voltar a correr, mantendo média entre 4'15'' e 4'30'' nas descidas e subidas mais leves e de 5'00'' nas subidas mais pesadas. Consegui subir correndo e sem caminhar as duas ultimas e mais temidas, exatamente por estarem no final, a Little Pollys e a Polly Shortts.
Depois da Polly Shortts, quando pegamos um trecho longo de descida inclinada, começou a dar caibras novamente, tive que caminhar mais uma vez por aproximadamente 1 minuto até que veio uma moça oferecer ajuda, passando uma pomada no posterior da minha coxa e então aliviou a caibra e consegui retomar a corrida até o fim.
Ficou claro que errei feio ao tentar ir no ritmo do primeiro pelotão sem conhecer a realidade da prova, mas no meu caso que estava ali pensando na vitória, precisava correr este risco e ver qual que é desta prova. Estava ali no pelotão simplesmente o vencedor de 2011 e vencedor de 2012, sem contar os demais que sempre chegam entre os 5 primeiros e também estavam ali no bloco. Pensei, é aqui que tenho que ficar e tentar ir junto com estes caras, no começo inclusive estava muito fácil correr junto com eles, mas depois de 25km de prova quando eles apertaram o ritmo de verdade, ficou nítida a superioridade destes atletas. Os caras subiram abaixo de 4'00''/km a pior subida de toda a prova. Se eu tivesse segurado um ritmo mais confortável no inicio, acredito que teria fechado a prova abaixo de 6h. Ou se não tivesse acontecido as caibras e eu não tivesse caminhado durante 1h direto e mais as outras vezes espaçadas, também estaria abaixo das 6h, pois só estes 6km caminhando em 1h, correndo demoraria apenas 24 minutos (no ritmo para esta prova que é 4'00''/km), ou seja, já daria para eliminar 36 minutos do meu tempo só aqui.
Se eu volto para esta prova, sinceramente não sei, depois do que passei hoje, neste exato momento digo que esta possibilidade está em 0%. Abri mão de muitas provas no Brasil neste primeiro semestre para concentrar meus treinos para esta prova e chegar aqui e não fazer nem metade do que eu esperava fazer e conquistar.
A única coisa que sei é que para conhecer a realidade desta prova e saber seu real grau de dificuldade somente estando aqui, então uma hora ou outra eu teria de fazer isso e este foi o momento. Eu só ia saber qual que é desta prova vindo pra cá. Agora que sei como é seu verdadeiro grau de dificuldade na pele, poderei pensar melhor se vale a pena mesmo voltar pra cá tentando usar uma estratégia mais conservadora da próxima vez, porque, por não conhecer a prova, dentro da minha realidade, não respeitei o ritmo inicial como deveria. Obrigado à todos e vamos em frente"!!
Adriano Bastos

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    Sobre o autor

    Marcos Almeida

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    Marcos Almeida é assessor esportivo, especialista em Ciência da Musculação e mestre em Ciência da Motricidade Humana.

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