EROTISMO CENSURADO
lucianaportinho 19/01/2013 18:46
Por decisão de um juiz de Macaé os livros da trilogia campeã de vendas “Cinquenta tons de cinza”, da escritora britânica E. L. James foram recolhidos das livrarias, na última quinta-feira em Macaé. A medida repercutiu nacionalmente. O juiz Raphael Baddinino da Segunda Vara de Família, da Infância, da Juventude e do Idoso na ordem de serviço expôs suas razões: “Estas e outras publicações consideradas ‘impróprias’ não podem ser expostas nos estabelecimentos sem lacre”. Apesar de a decisão, valer para outros livros, o juiz cita por diversas vezes a trilogia. Em Macaé foram recolhidos 64 volumes — em duas livrarias da cidade, Nobel e Casa do Livro. Os livros foram levados para a 2ª Vara e podem ser solicitados pela livraria e devolvidos no prazo de cinco dias. O artigo 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no qual o juiz se embasou, diz que “revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo”. O magistrado relata que teve a iniciativa de expedir a ordem de serviço depois de verificar pessoalmente, em uma livraria da cidade, que muitas crianças estavam bem próximas das vitrines onde livros com conteúdo erótico estavam expostos. “A ordem de serviço é uma forma de garantir que a lei seja cumprida. Uma criança ou adolescente pode pegar um dos livros em uma prateleira e ter acesso a um conteúdo inapropriado para sua idade. Eles precisam ser protegidos”, afirmou o juiz. No ano de 2012, as mulheres dominaram o mercado editorial com romances tórridos no quesito paixão e apimentados no terreno do sexo, alguns classificaram a trilogia como leitura ‘pornô soft’. A autora E.L.James, no Brasil, vendeu 2,37 milhões de sua trilogia “50 tons de cinza”, editada pela Intrínseca. No mundo bateu os 67 milhões de exemplares vendidos, para um público em sua maioria feminino. A trilogia composta pelos volumes “50 Tons de Cinza”, “50 Tons de Escuridão” e “50 Tons de Liberdade” conta a saga do casal de adulto-jovens: a inexperiente, romântica e curiosa Anastásia Steele e o traumatizado, milionário e sexy Christian Grey. Como em um conto de fadas do século XXI, os dois de histórias tão díspares se percebem à primeira vista, cada um com uma expectativa fantasiosa própria a respeito do outro e de si. No espaço comum da paixão e do sexo, desembocam em uma história de amor de final feliz, não sem antes — pelo caminho sofrido da possessividade e insegurança — soltarem os pedaços de um passado que já não mais opera no novo sentimento presente. Para a professora da Uenf e Doutora em Literatura de Língua Portuguesa Arlete Sendra, a obra é vulgar, mas, as pessoas têm direito de lê-la. “Colocar um lacre só torna a obra mais sedutora. Particularmente, não recomendo a obra a nenhuma faixa etária, no entanto, as pessoas têm direito a ler vulgaridades. Para mim, a decisão do juiz é uma violência”, disse. O pesquisador e articulista da Folha da Manhã, Arthur Aristides Soffiati define a sentença como inócua. “É insustentável. Em todo o Brasil o livro é vendido, sem lacre, em livrarias, rodoviárias, aeroportos. O livro não é uma revista pornô, não é impróprio para menores, a medida é inócua”, opina. Mesmo tom adotou a professora do Instituto Federal Fluminense (IFF) e colaboradora da Folha, Analice Martins, “Não li nenhum dos livros da trilogia, nem tenho interesse em fazê-lo, mas não vejo cabimento numa atitude isolada como essa. O discernimento entre pornografia e erotismo é condição essencial para uma avaliação técnica e estética que possa implicar a convocação do artigo 78 do ECA”, comentou Analice. Embora reconheça a necessidade de haver um cuidado com relação à criança e ao adolescente, o presidente da Academia Campista de Letras, Hélio de Freitas Coelho, considera a medida como uma perigosa manifestação de controle autoritário. “Tanta informação atinge mais diretamente a criança e o jovem e as autoridades não têm o rigor devido. O livro, um best-seller, é menos accessível; na capa não há nada de diferente. Ainda que a motivação seja justa, a atitude é obscura, de controle. É da essência dos impulsos e instintos, a curiosidade em relação à sexualidade e à sensualidade. É diferente da apologia de qualquer ato pornográfico. Um pouco de curiosidade, uma olhadinha em textos literários mais excitantes, faz parte”, frisou Hélio Coelho. Luciana Portinho * Capa da Folha Dois de hoje, 19/01/13  

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