A língua é minha pátria
lucianaportinho 30/11/2012 18:46
A língua portuguesa roubou a cena da 7ª Bienal do Livro de Campos no entardecer de ontem. Pela terceira vez em Campos, o professor Pasquale Cipro Neto dividiu o palco com a articulista da Folha da Manhã, a colega de profissão Regina Tonelli. Na mesa “Morrendo pela boca: o português nosso de cada dia”, mediada pelo diretor de literatura da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, o também professor Alcir Alves, foi feito um diagnóstico cuidadoso da saúde de nosso idioma no dia a dia da vida do brasileiro. Apontando inúmeras contradições no ensino da língua materna na escola, Pasquale classifica a situação atual brasileira como bizarra. “A gramática para muitos virou a besta negra que oprime, reprime, limita. Saímos de um péssimo ensino de português que se apoiava na ‘gramatiquice’. Era uma postura extrema de ensinar a gramática desvinculada do texto, ‘aquele porre’. Fomos parar no outro extremo, o de banir a gramática da sala de aula. É preciso dar funcionalidade à gramática. Ridicularizam com a gramática, mas, na hora da avaliação, como nos vestibulares, exigem o domínio dela”, disse. Para Pasquale, vivemos no Brasil uma esquizofrenia. O discurso vai para um lado e a prática vai para o outro. Ele identifica um erro brutal ao fazer o que chama de “uma caça às bruxas com a norma culta”. “Ao invés de vilã, a norma culta é libertária, possibilita ao sujeito o pleno entendimento de qualquer texto, de qualquer contrato ou legislação”. Ele cita o pensamento do educador brasileiro, reconhecido no mundo inteiro, Paulo Freire: “O conhecimento do mundo precede o da palavra”. Complementando a linha de raciocínio exposta, Regina Tonelli constata a praticidade das diversas linguagens que fogem do formal como as usadas em e-mails e redes sociais. Segundo Regina, elas produzem efeito ao estabelecer a comunicação. No entanto, essas formas mais simples devem ficar restritas às mídias. “A criança, o jovem tendem a repetir e aplicar esta linguagem coloquial em outros meios. É paradoxal, ‘o internetês ajuda não ajudando’. É preciso saber separar e usar também a forma padrão da língua”, frisou Regina. Assim como Regina, Pasquale defende o domínio de mais de um código. Ele cria a imagem da “língua como um grande guarda roupa, melhor se recheado com um maior número de variedades”. O professor é irônico quando se refere ao momento atual, “Vamos mal, obrigado. Quem lê não entende o quê lê. Quando ouve, não ouve. As pessoas não estão sendo levadas a pensar, a raciocinar. De um modo geral, não entendem nada. As famílias pouco conversam seriamente sobre assuntos sérios. Não dá para formar um país, aonde programas como “Big Brother” e a “Fazenda” dominam a audiência. Eu me sinto um trouxa”, desabafa. Ao final do debate, o controverso acordo ortográfico vem à tona, na fala efusiva de Pasquale: “Conseguimos derrubar o acordo que passaria a definitivamente vigorar no país em janeiro de 2013. O texto do acordo é um lixo, é ambíguo, uma aula de analfabetismo. A ministra da Casa Civil nos garantiu que a presidente Dilma assinará, na semana que vem o adiamento para 2016. Agora vamos trabalhar na reforma da reforma ortográfica. Sinto-me vitorioso”, afirmou o professor, com apoio de grande parte do público. Luciana Portinho
* Publicada na capa da Folha Dois, hoje, 30 de novembro de 2012.
(Fotografia de  Afonso Aguiar)

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