Orquídea de Aço...
bethlandim 03/08/2012 19:46

 

Tive a oportunidade de assistir ao filme “Além da Liberdade” e aproveito este espaço para dividir com vocês o meu encantamento. A primeira imagem do filme já é comovente. Uma menina pequena, sentada no colo do pai, pede que ele lhe conte uma história. “- Posso contar uma de quando a Birmânia era chamada de País do Ouro.” Ela se aconchega. Eles estão num jardim, à sombra de palmeiras, à beira de um lago. “- Era uma vez um lindo país onde havia florestas de ébano e teca por toda a parte. Naquele tempo, tigres vagavam nas selvas e manadas de elefantes caminhavam nas planícies. Havia muita riqueza nesse país. Safiras azuis e rubis vermelhos… Mas essa é uma história triste porque vieram soldados de um país distante e tiraram tudo de nós. Ficamos muito pobres…”, finaliza, levantando a filha e pousando-a na grama do jardim. Colhe uma flor e com ela enfeita o cabelo da menina, que o olha encantada. Vestido em seu uniforme do exército, vira-se e dá um adeus, antes de entrar no carro.

Foi a última vez que ela viu o pai, em Ragum, na Birmânia, onde moravam. Ela tinha dois anos de idade. Assim começa a história verdadeira de Aung San Suu Kyi, que muito cedo perdeu o pai, herói nacional na luta pela independência do país, colonizado pelos ingleses.

No golpe militar de 1962, instalou-se na Birmânia (hoje Mianmar), um governo de generais, conhecido como um dos mais cruéis e repressivos do mundo. Michelle Yeoh faz, com elegância e sobriedade, o papel dessa mulher que vai viver fora de seu país, casa-se na Inglaterra, tem dois filhos e que, por causa da doença de sua mãe, volta e se vê compelida a abraçar a causa de seu povo, vítima da tirania. Ela lidera, então, uma luta de resistência pacifica contra o governo brutal de seu país, discursando em comícios, com sinceridade e firmeza, para uma população que a venera e levanta retratos de seu pai. Carismática, ela defendeu eleições democráticas, enfrentando ameaças terríveis, prisão domiciliar por mais de 15 anos, afastamento do marido (o ótimo David Thewlis) e dos filhos, que ela viu poucas vezes em todos esses anos, impedidos pela não concessão de vistos pelos generais, que queriam forçá-la a deixar o país. Magrinha, voz suave e firme, rosto bonito, franja, cabelos sempre presos num coque baixo, enfeitados com as orquídeas do jardim, usando a saia longa e blusa do traje local, ninguém adivinharia a força e a tenacidade que a distinguiam, não importa o que acontecesse.

A revista Time colocou-a na capa, chamando-a de “Orquídea de Aço” quando em 1991, seus filhos e marido receberam por ela o prêmio Nobel da Paz. Beleza e fragilidade da orquídea são muito mais do que isso. Uma mulher quase sem defeitos. Uma autêntica "orquídea de aço", como a batizou a imprensa, de princípios inquebrantáveis e gestual elegante. É uma heroína da resistência pacífica, baseada nas idéias de Mahatma Gandhi, a quem admira como a nenhum outro líder do mundo. Essa vida é contada em Além da Liberdade pelo diretor Luc Besson, um francês fã de Hollywood conhecido por seus filmes de ação.

Aung San nos mostra a dignidade de quem enfrenta a força bruta sem recorrer às mesmas armas. Aliás, sem recorrer a armas de qualquer espécie, a não ser a inabalável convicção de que idéias certas um dia acabarão por se impor, desde que sejamos corajosos e perseverantes em sua defesa. Gente assim deve ser admirada. É o que mais falta neste mundo violento, imediatista e superficial.

Chamou-me a atenção que Aung San mesmo aprisionada durante 15 anos se manteve livre, pois não há prisão que aprisione nossos pensamentos e nossa liberdade interior. Interessante também foi ver a atitude do marido que nunca exigiu que sua mulher desistisse da causa que eles acreditavam, ao contrário, seu marido e seus filhos foram seu sustento nesses 15 anos de prisão. Inclusive tendo seu marido sofrido um câncer e morrido na Inglaterra, ela abdicou de acompanhar o seu funeral em prol da luta pela liberdade do seu país. Aung San nunca usou armas, mas agregou milhões de pessoas na sua caminhada e sua luta.

Assim como Nelson Mandela que lutou contra a discriminação racial e contra a ditadura, e um dia foi visto como terrorista e hoje é visto como um libertador da África do Sul, lutando por seus direitos e por toda uma nação. Um homem que não mediu esforços para acabar com o preconceito racial e com a "escravidão". Antigamente perseguido e torturado, hoje, Mandela coleciona distinções como Ordem de St. John, recebido pela rainha Isabel II, Medalha presidencial da Liberdade de George W. Bush. Ele é uma das duas únicas pessoas de origem não-indiana a receber o Bharat Ratna, distinção mais alta da Índia, em 1990, sendo a outra pessoa a Madre Teresa de Calcutá. Em 2001 tornou-se cidadão honorário do Canadá e também um dos poucos líderes estrangeiros a receber a Ordem do Canadá. Na maioria das vezes vivemos várias ditaduras e não temos a sensibilidade de enxergar o que e quem verdadeiramente nos liberta. É preciso que se faça história muitas vezes para enxergarmos quem verdadeiramente nos escraviza e impõe “as várias ditaduras” em que vivemos.

Aung San e Mandela são dois exemplos claros de liberdade interior e desprendimento verdadeiro para com o seu povo. Que possamos refletir onde está a nossa liberdade, que ditaduras nos impomos... e que possamos sempre, irmos além da liberdade...

Uma boa semana e um feliz seis de agosto para todos nós!

Com afeto,

Beth Landim

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