O QUE É... INTERPRETAÇÃO
Max Gehringer*
[caption id="attachment_4207" align="aligncenter" width="500" caption="René Magritte, pintor surrealista belga, 1898/1967. "Golconda, 1953"."]
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É captar indícios e os transformar em verdades corporativas.
Por que a gente diz que um artista "interpreta" uma melodia ou uma peça de teatro? Porque
ele está transformando em um desempenho audível ou visível o que o autor da peça
supostamente estava imaginando quando a compôs. É por isso que uma partitura pode variar
uma barbaridade quando executada por dois músicos diferentes: cada um deles está
"interpretando" o que, em sua percepção pessoal, passava pela cabeça de quem a criou. A
mesma coisa acontece na vida prática: não raramente, uma versão de alguém para um fato
acaba se tornando "a verdadeira", mesmo quando o autor ou causador do fato insiste em
desmenti-la. Esse fenômeno está na própria origem do verbo "interpretar": ele se originou do
latim e do sânscrito, e significa "espalhar (algo) dentro de um grupo". Se esse algo é ou não
"a verdade", aí já é outra história.
E por falar em vida prática, uma das figuras mais inocentes - e, ao mesmo tempo, mais
nocivas - na fauna das organizações é o intérprete corporativo. Ele é uma espécie de
despachante de rumores que age por conta própria. O intérprete tem uma função normal
dentro da empresa, como todos os seus colegas têm. Mas o que o diferencia dos demais é o
fato de ter delegado a si mesmo uma missão adicional: a de manter a empresa informada
sobre o que realmente está acontecendo. E o problema aí é esse realmente, porque o intérprete
não tem acesso às informações, apenas capta indícios e os transforma em fatos consumados.
Daí o intérprete corporativo ser um inocente, já que não se beneficia pessoalmente das coisas
que fica espalhando. Mas é, ao mesmo tempo, altamente nocivo, já que suas versões podem
causar estragos consideráveis.
Intérpretes corporativos existem em todas as empresas. Eu nunca trabalhei em uma que não
tivesse, pelo menos, um deles. Eles são muito convincentes, iniciam suas frases com um
"Você já soube?" - e aí contam histórias mirabolantes sobre os bastidores da empresa. E
como eles sabem de tanta coisa? "Sei de fonte limpa", afirmam. Ah...
Então, o intérprete corporativo estava no sanitário da empresa, lavando as mãos. Aí, no último banheirinho, toca
um celular. "Alô", alguém atende lá dentro, e o intérprete imediatamente reconhece aquela
voz. É o doutor Nelson, o gerente. O intérprete ainda não sabe, mas está no lugar certo na
hora certa: do outro lado da linha está o big boss do doutor Nelson, querendo saber por que os
resultados andam tão ruins. O intérprete não sabe quem está falando nem qual é o assunto,
mas não lhe será difícil deduzir. E ele ouve atentamente a conversa (ou melhor, escuta
somente as respostas que o Nelson vai dando):
- É, está difícil...
-- Estou tentando, não é falta de esforço.
- Está acabando com meu humor...
- Olha, eu acho que essa situação não vai se resolver, é um problema crônico.
Aí, o intérprete sai de fininho do sanitário, encontra um grupinho no corredor e pergunta:
- Vocês sabem por que o doutor Nelson anda tão mal-humorado ultimamente?
Opa, aquilo era uma revelação e tanto, principalmente após o intérprete afirmar que ouviu
tudo da boca do próprio. O pessoal então se cala para ouvir. E o intérprete olha para os lados,
pede sigilo absoluto, curva-se para a frente e sussurra:
- Prisão de ventre. E das crônicas!
*Max Gehringer, é administrador de empresas e autor de livros sobre gestão empresarial e carreiras. Foi colunista das revistas Você S.A., Exame e Vip. Hoje escreve para a revista Época e Época Negócios.