VIDA MINADA
lucianaportinho 07/03/2012 07:01
VIDA MINADA Luciana Portinho   Acordara com o pensamento nela. Mulher bonita e severa. Implacável nos saltos. Logo percebeu ao entrar naquele ambiente, penetrava em outro enredo de vida. Haveria de ficar um bom tempo. Espaço formal, limites aparentemente bem definidos. Naquele tempo era tão boba. Só não acreditava em Papai Noel. Andava com o coração exposto, sorriso nos olhos, braços abertos e uma esperança certa. E foi uma convivência turbulenta. Uma escola de pancadas surdas. E mudas. Imperativo sobreviver. Um jardim de belas flores e de bombas espalhadas. Tenso. Quando menos esperava já tinha pisado em uma delas. Os estilhaços atravessavam seus sentimentos, lágrimas corriam. Tempos de choque para quem crescera na displicência brejeira. Ali se sentia num reformatório. Hostil. Naquele lindo jardim as paredes a lhe comprimir a alma eram móveis, todas de natureza invisível. Aquele espaço nunca seria também seu, era todo tomado. Ao se movimentar teria que pedir licença: licença e mais licença. Desse modo fora aceita, afinal pela mão dele foi apresentada como a escolhida, portanto, nenhum questionamento admissível ... pela frente. Assim foram os dias, assim foi erguida uma das fachadas da vida. Dela não se arrependia, em nome de um amor quis ficar. Provaria do amargo como a um antídoto. Naquela manhã distante, já sem o peso da tola disputa, a história retornou em todas as suas letras. Aquela mulher, de modos estúpidos com tantos, fora antes de tudo prisioneira de si mesma. Aí a origem do seu enfezamento constante. Incapaz de se libertar iria gritar, espernear, exigir e culpar o outro. Com tanto do bom ficara atada na ampla cozinha de mármore, presa por corrente imaginária ao fogão. Um fogão sólido: azul e branco com detalhes em prata. Seis potentes bocas. Um fogão que o calor de suas chamas ajudou a retorcer as pequeninas mãos daquela mulher dona de objetos e escrava de si. Com o tempo a família estampada em fotografias se dispersou na dimensão terrestre. Seus protagonistas morreram. Os que vivos permaneceram, vez por outra, assopram cinzas e lambem suas feridas. Hoje o jardim virou mato, sem bomba. A casa permanece ocupada pelo vazio.   [caption id="" align="aligncenter" width="445" caption="Ft. Google"][/caption]

 

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