CEGUEIRA SOCIAL
bethlandim 29/10/2011 19:30

Eles sabem ler, mas não compreendem. Reconhecem números, mas não conseguem passar das operações básicas: são os analfabetos funcionais, conceito criado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1978, para referir-se a pessoas que, mesmo sabendo ler e escrever, algo simples, não têm as habilidades necessárias para viabilizar o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvimento tecnológico, a ampliação da participação social e política colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A questão não é mais apenas saber se as pessoas conseguem ou não ler e escrever, mas também o que elas são capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que, além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a preocupação com a alfabetização e letramento, ou seja, com as capacidades e usos efetivos da leitura e escrita, nas diferentes esferas da vida social.

A capacidade de utilizar a linguagem escrita para informar-se, expressar-se, documentar, planejar e aprender, cada vez mais, é um dos principais legados da educação básica. A toda a sociedade e, em especial, aos educadores e responsáveis pelas políticas educacionais, interessa saber em que medida os sistemas escolares vêm respondendo às exigências do mundo moderno em relação à alfabetização e, além da escolarização, que condições são necessárias para que todos os adultos tenham oportunidades de continuar a se desenvolver pessoal e profissionalmente.

De acordo com os últimos dados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - INAF, apenas 25% dos brasileiros com mais de 15 anos têm pleno domínio das habilidades de leitura e de escrita. Não é por acaso que o contingente de leitores de livros no Brasil é tão pequeno em relação à população. Apenas 17 milhões de pessoas compraram ao menos um livro no último ano, 10% da população. Como mudar esse cenário? Estudos internacionais indicam que é necessário perceber que a familiaridade com a leitura não é adquirida de forma espontânea. A experiência mostra, segundo o Ministério da Cultura, que as nações avançadas produzem seus leitores em larga escala. Em todas elas, os fatores infra-estruturais envolvidos na vida de geração de leitores revelaram-se os mesmos: estímulo à leitura na família e na escola.

Urge investir na qualidade da educação para extinguir o analfabetismo funcional, pois “vivemos na chamada ‘sociedade do conhecimento’, na qual os neurônios são muito mais importantes do que os músculos”, palavras do empresário Antonio Ermírio de Morais, em artigo na Folha de S. Paulo. E ele ainda enfatiza: “Nenhum país consegue crescer 5% ou 6% ao ano por muito tempo com uma população tão mal preparada.”

Os dados sobre o analfabetismo funcional confirmam que a educação básica é o pilar fundamental para promover a leitura, o acesso à informação, à cultura e à aprendizagem ao longo de toda a vida. Assim, para que tenhamos um Brasil com níveis satisfatórios de participação social e competitividade no mundo globalizado, um primeiro compromisso a ser reafirmado é oferecer um ensino fundamental de qualidade e a oferta flexível e diversificada aos jovens e adultos que não puderam realizá-lo na idade adequada.

É preciso também reconhecer que os resultados da escolarização em termos de aprendizagem ainda são muito insuficientes e que um eixo norteador para a melhoria pedagógica na educação básica deve ser o aprimoramento do trabalho sobre a leitura e a escrita. É preciso superar a visão de que esse é um problema apenas dos professores alfabetizadores e dos professores de português. Grande parte das aprendizagens escolares depende da capacidade de processar informações escritas, verbais e numéricas, relacionando-as com imagens, gráficos etc. Todos os educadores precisam atuar de forma coordenada na promoção dessas habilidades, contando com referências claras quanto a estratégias e estágios de progressão desejáveis ao longo do processo, para que os avanços possam ser monitorados. Com apoio dos gestores, todos os professores devem agir sistemática e intensivamente no sentido de desenvolver, nos alunos, hábitos e procedimentos de leitura para estudo, lazer e informação, assim como proporcionar o acesso e a manipulação das fontes: bibliotecas com bons acervos de livros, revistas, jornais, computadores e internet.

Finalmente, é preciso reconhecer que a promoção da alfabetização não é tarefa só da escola. Os países que já conseguiram garantir o acesso universal à educação básica estão conscientes de que é necessário também que os jovens e adultos encontrem, depois da escolarização, oportunidades e estímulos para continuar aprendendo e desenvolvendo as suas habilidades. Os programas de dinamização de bibliotecas e inclusão digital são fundamentais e devem ser levados a sério pelas políticas públicas, para que os cidadãos tenham acessibilidade ao conhecimento, tornando-se autônomos e independentes, porém responsáveis coletivamente, autores de sua própria história, o que consequentemente traz consigo a liberdade de pensar e se expressar.

Aí sim, como pessoas independentes, poderemos exercer verdadeiramente a nossa democracia, pois habitamos a cidade e a cidade nos habita.

Com afeto,

Beth Landim

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