Um Soldado Campista na Guerra do Afeganistão
Nino Bellieny 23/06/2016 12:24
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________   " O 56º BI ficou guardado em mim ate hoje." B4128079-7907-4ccd-bcb6-ca724e262628  

 Abeguar Barros da Silva, nascido em Campos dos Goytacazes, ex-soldado do 56º BI, conversa com o capitão R/1  Gildo Henrique de Azeredo.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________ O que levou você a ser um soldado norte-americano?   Vários motivos me levaram a me alistar no exército.  Eu servi no 56º BI e, depois, tem algo que fica, que lhe faz soldado para o resto da vida. Na época, a insurgência no Iraque estava em alta e o alistamento em baixa. Eu estava com a esposa e duas crianças pequenas tentando manter a cabeça acima da água. O exército estava oferecendo um bônus razoável para quem se alistasse e US$S 500,000 para dependentes em caso de morte. Aí pensei mais nos filhos do que em mim. Me alistei sem falar com ninguém. Cheguei a casa e falei para minha esposa. Imagine a cena...  que a acalmou mais foi o seguro de vida. Baada12d-5b0c-49c1-80ba-f07649096a9e Ter servido no 56º BI influenciou a sua decisão? Em que época você saiu do Brasil? Tinha parentes lá?    Sim, o 56º BI ficou guardado em mim ate hoje. Inclusive temos um grupo no WhatsApp e no Facebook da minha turma de 1987. Estamos juntos sempre. Eu mudei para os EUA em 2000. Minha esposa Lisa, americana,  morava comigo em Macaé. Ela deu aulas no IBEU de Campos por uns tempos. Depois de engravidar-se, acho que teve alguma instabilidade nos hormônios e começou a ter depressão e vontade de voltar; daí viemos juntos e começamos tudo do zero, morando num porão emprestado de uma casa velha. Eu não tinha ninguém aqui nos EUA. Batalhamos muito até conseguirmos respirar com um pouco de alívio. Ba3cdbd4-0f5d-4fa0-95d8-cc53262cff4a Como foi o processo de admissão ao exército norte-americano?   É assim: eles têm escritórios de alistamentos em várias cidades. Chegando lá, um sargento registra os dados em um computador. Depois marca um dia para testes com vários candidatos. É preciso ser cidadão ou ter o Green Card, e passar nos antecedentes criminais - embora na época eles estivessem alistando até gângsters. A prova consiste de inglês, matemática, ciências gerais, psicotécnico e vocacional. O percentual determina o tipo de função que o candidato poderá exercer. Os mais baixos vão para infantaria. Eu me candidatei a Paramédico de Combate, que requer o mínimo de 80% no teste. Depois levam a um local onde são feitos todos os exames físicos com minúcia. Passado isso é assinado um contrato com mais ou menos 50 paginas. O sargento lê cada pagina que é rubricada pelo candidato. Aí eles marcam a data e local do Basic Combat Training - período de internato para treinamentos de combates. No dia do embarque para o treinamento, retorna-se ao escritório e é feito o juramento, de lá para o aeroporto com destino à base de treinamento. Eu fiz o meu em Fort Sill, Estado de Oklahoma. Esse período leva 3 meses com 24 horas na coleira. Acorda-se às 04:30h sem hora para acabar. Tem que passar em todas as provas de combate e aptidão física para graduar. Depois, é rumar para a base onde vai ser feito o AIT - Advanced Individual Training - curso profissionalizante para a função no exército. No meu caso-Combat Medic, foram 4 meses - duas semanas de internato e o resto em regime semiaberto. Só então, formado no curso profissional,  se é oficialmente soldado, sendo apresentado à base e incorporado. B0514283-c4ae-41d1-aacd-2002b3ed8599  Conte sobre a  preparação para o combate no Afeganistão.   Minha primeira mobilização foi para o Iraque em 2008/2009. Logo após me formar, meu nome saiu na lista para viajar. São vários treinamentos, longos e cansativos. Chega a um ponto que você só quer chegar logo na zona de combate para se livrar das instruções. Além delas, muitas matérias em powerpoints, e se pegarem  um cochilando... já sabe... Tem cursos culturais, uso básico da língua local, etc. B79c79948-f348-4857-ad7b-c8be2119c979 Qual fato você considera mais representativo na guerra? Você sentiu medo de morrer? Quanto tempo esteve no país asiático?   Em 2010, fui convocado de novo para o Afeganistão. Fiz todos os treinamentos outra vez. Juntos com os convocados, ele incluem soldados no "banco de reserva", no caso de alguma coisa acontecer com o titular. Meu titular queria ir no meu lugar, falamos com o comandante e ele aprovou a troca. Mais tarde fui convocado mais uma vez para o Afeganistão, 2012/2013. Dessa vez tive que ir. A coisa mais significante foi poder ver lugares históricos onde muitos não podem pisar: a Babilônia, no Iraque; os rios Eufrates e Tigre; falar com gente que vive no deserto; ver as crianças correndo atrás dos comboios; jogar doces para elas. Eu tive bastante medo de morrer lá. Acho que todo mundo tem medo de morrer, ainda mais despedaçado, já que eles usavam mais bombas do que armas convencionais. Mas há um mecanismo da mente que, depois de tanto medo, você vai ficando "meio doido" e não liga mais. Teve vez de eu estar comendo, explosões sacudindo tudo e eu sem largar meu miojo. Cada ordem de mobilização é de 400 dias. Acaba sendo mais porque conseguir voos de um ponto para outro até chegar ao destino desejado é uma penitencia! Esperas intermináveis dormindo no chão.   Hoje você está fora de combate. Há alguma sequela? Está na "reserva remunerada" ou "reformado"?   Hoje estou reformado e recebo pensão pelo sistema de veteranos por problemas de saúde. Tenho PTSD-Post Traumatic Stress Disorder, faco tratamento médico e psiquiátrico no Hospital dos Veteranos. Também caí numa montanha no Afeganistão e quebrei o ombro direito, mas continuei trabalhando sem parar. Bati a cabeça numa capotagem de veiculo HMMV. Tenho problemas de memória. Vivo mais em casa cuidando das coisas - galinhas, jardim, tocando guitarra, ajudando as crianças. Fiz faculdade de enfermagem também (civil) e trabalho quando posso ou quero, cuidando de pacientes em suas casas. Não consigo lidar bem com as pessoas: muita gente junta, falatório, barulhos súbitos, gente se aproximar de mim sem eu esperar. Eu xingo alto, mando soco, já tive problema com a polícia. Assim, eu vivo mais quieto na minha. Também não posso ingerir bebidas alcoólicas. Tomo vários medicamentos, mas somente a Cannabis Sativa me faz sentir bem. Ha um projeto da administração de veteranos para prover a C..S.  para os veteranos com problemas desse tipo.
HUmmHMMV
  Seus filhos falam português?    Minha esposa, Lisa, é americana. Minha filha de 14 anos, Marysol, nós adotamos no Brasil. Perdemos o primeiro filho. Depois tivemos Carter, de 12 anos. Não pude ensiná-los a falar Português infelizmente. Quando eram pequenos, eu estava trabalhando direto, viajando pelo exército - o que, somando tudo, dá mais de três anos de ausência. E escola aqui é o dia inteiro. Quando chegam a casa, tem o dever. Eles têm muitas ocupações e também vontade própria,não querem aprender o meu idioma natal. Fora da escola, só querem vídeogames, snapchat, instagram, Hip Hop, e muita preguiça.  Com o Português, ficam frustrados por que não conseguem reproduzir certos sons, como os do r, nh, lh,  til. Onde vivíamos não havia brasileiros. Levei 15 anos para encontrar algum brasileiro. E também "santo de casa não faz milagres". Se ensino alguma coisa, entra por um ouvido e sai por outro. Quando minha mãe ou pai vem aqui, eles usam app de tradutor com voz pelo celular.   O estilo de vida nos Estados Unidos é bem diferente do de nosso país. Você se adaptou facilmente? Quais fatores positivos e negativos você destacaria?     Quanto a viver aqui e adaptação acontece assim: você precisa trabalhar, estudar, sobreviver; então é como entrar em piloto automático. Você faz o que tem que fazer e acaba com a mente tão ocupada que não dá muito para olhar para trás. Me lembro sempre de uma cadência que meu sargento puxava no 56º BI: "Não, não, não posso parar; se paro eu penso, se penso eu choro." Outra frase do 56º BI que dita minha atitude, estava escrita na frente do rancho dos soldados: "Cumprir a missão não importa o sacrifício!" Assim, eu tento não parar para pensar muito além das minhas obrigações. Quando tenho tempo, me dedico ao estudo da Doutrina Espírita em casa, leio sempre os livros de AlanKardec, e isso me dá forças para continuar mais um dia. Em geral fui bem recebido e aceito pelas pessoas. Não tenho muitos amigos porque não tenho muita vontade de interagir com as pessoas. De uma forma geral, os americanos não se intrometem na vida dos outros. O que muitas pessoas não gostam sobre estrangeiros é a mesma coisa de que não gostam nos próprios americanos: não gostam de pessoas que não trabalham e geram gastos aos contribuintes. Mas tratam com cortesia mesmo assim. O que eu gosto mais daqui é a ausência da burocracia brasileira. Você tira carteira de motorista em 1 hora. Ano passado contei no relógio 1 minuto e 52 segundos para renovar a licença do meu carro. Não há filas. Você paga todas suas contas online ou enviando cheque pelo correio. Também não precisa ir ao correio, não precisa entrar em banco, a não ser para empréstimos. Faz tudo de dentro do carro. Quando você é o cliente de qualquer empresa, fazem de tudo para agradar. Há restaurantes ou fast foods onde, se você reclamar de qualquer coisinha, eles não te cobram ou dão um desconto. Se você ligar para algum serviço ( internet, tv) e disser que quer cancelar o serviço, eles vão fazer de tudo para você ficar. Ponto negativo eu diria, se você não morar numa metrópole, estranha, pois muitas cidades não tem transportes públicos, serviços de consertos são muito caros, muitas oficinas não consertam os carros e sim trocam tudo, a policia é "um saco" - dão multas "adoidado" para preencher quotas, tudo parece ser mais longe para ir a pé, os bares param de vender bebidas  à 1 ou 2h, há lugares que não vendem bebidas aos domingos, custo dos serviços de saúde: 24 horas num hospital = valor da sua casa, se não tiver seguro medico. Mas pelo menos o voto é facultativo! Band Pensa em voltar ao Brasil?    Já faz 10 anos que não vou ao Brasil. Em parte devido ao serviço militar e em outra, porque mesmo sendo naturalizado americano, para o Brasil eu não deixo de ser brasileiro e eu e meus filhos (pelo fato do pai ser brasileiro) somos obrigados a viajar com passaporte daí. É quando o "bicho pega". Conseguir passar pela ditadura burocrática do serviço publico brasileiro. Está sempre faltando um carimbo em alguma coisa. Tentamos ir em 2012, mas faltou o carimbaço. Serviço publico brasileiro é assim: uma senhora nos seu 60 anos com óculos de leitura olha pra você com o olhar por cima das lentes e diz:"Olha moco, não vai dar pra fazer não! O senhor vai ter que ir lá na... Requerer uma segunda via, depois levar lá no... pra autenticar e reconhecer firma. Aí o senhor vai no banco, paga a taxa e volta aqui com os comprovantes, pega a senha e aguarda a chamada. Abrimos às 9h, paramos as 11h para almoço. Voltamos às 13h e fechamos as 15h de terça a quinta feira."" Quero voltar a viver no Brasil por que tenho grandes amigos, gosto da liberdade, da comida. Somos farofeiros mas é difícil arranjar farofa aqui. Minha esposa quer morar no Brasil quando se aposentar e as crianças estiverem independentes. Eu gostaria de voltar, mas quero ter condição de fazer alguma coisa para melhorar a vida das pessoas mais carentes. Ainda não sei o que poderia ser. Deus me levará aonde Ele achar que eu preciso estar! Bandd Gostaria de dizer mais alguma coisa?   Havia um rapaz que trabalhava no acampamento. Quando terminássemos ele ficaria desempregado  - e o Talibã mata qualquer um que colabor. Elimina o cara e a família. Ele estava desesperado porque o exército americano não o ajudou a sair do pais. Eu disse que poderia ajudá-los a ir para o Brasil. Meu irmão fez uma carta para o consulado brasileiro no Paquistão, dizendo que ele se responsabilizaria pelo camarada. O nome dele é Asif Arsalan. Com o visto, foi para o Brasil, onde meus pais deram abrigo. Depois pediu asilo para toda família e conseguiu: além dele, eram 7 : pai, mãe, irmãos e irmãs. O Brasil vai dar conta de acabar com as tradições deles. Fiquei sabendo que já estão bebendo cerveja, comendo camarão, carne de porco, a mãe e as meninas já não usam mais véu. Isso me deixou muito feliz, poder ter ajudado.

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