Um Sonho Um Projeto
Nino Bellieny 31/05/2016 17:48
Por Guilherme Fonseca Cardoso
Quando escolhi o tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso-TCC na faculdade de Arquitetura e Urbanismo, ao optar pela habitação social, já estava definido que o local de implantação do projeto seria minha cidade natal, Porciúncula.
Como cursei a faculdade em Niterói, o mais natural talvez seria escolher um terreno nesta cidade ou no Rio, que poderia, até quem sabe, ganhar mais notoriedade profissional, mas essa nunca foi a preocupação…
Minha intenção foi que o TCC servisse de certa forma ao município, despertando para um problema que afeta uma parcela considerável das famílias porciunculenses e que, com o crescimento populacional tende a se agravar.
(Nota do Editor: Ver imagem 1 na sequência ao final do artigo)
A maioria das cidades do Noroeste Fluminense são afetadas com inundações periódicas. No caso específico de Porciúncula, ao analisarmos a extensão da superfície urbana afetada pelas inundações do rio Carangola devemos, paralelamente, ao observar os componentes do déficit habitacional do município, perceber como são complexas as ações de mitigação dos impactos das inundações sobre a área urbana construída, além da necessidade de políticas públicas habitacionais para a redução do déficit habitacional local, que de acordo com o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) de 2012 trazia 1.500 famílias cadastradas, sendo 1.497 na zona urbana.
( Imagens 2, 3 e 4)
Se considerarmos a média de moradores por unidade habitacional, que no Brasil é de 3,5, podemos concluir que 5.239 porciunculenses compõem o déficit na zona urbana. O PLHIS considera algumas variantes que são: moradia precária, falta de moradia (inclusive casos de coabitação) e ônus excessivo com aluguel. O projeto, implantado em sua integra poderia reduzir o déficit habitacional em até 44,80%, considerando apenas os componentes relacionados diretamente a ausência de moradias ou ou condições precárias de moradia.
(Imagem 5)
 
TERRENO
A escolha do terreno considerou uma área livre de inundações, servida por uma via pavimentada que faz ligação direta com o centro da cidade, preenchendo um vazio urbano.
O terreno é de propriedade particular, mas quem sabe no futuro esta área de terras não é adquirida pelo município numa negociação com os proprietários? A escolha baseou-se em critérios de localização, infraestrutura disponível e baixo/nenhum risco.
(Imagens 6 e 7)
 
EDIFÍCIOS HABITACIONAIS
O projeto é composto por 16 edifícios de três andares, cada. Todos os andares são acessados por rampas com inclinação de acordo com a NBR 9050. São 672 apartamentos de dois quartos (Imagens 8, 9 e 10). Considerando as mudanças no modelo tradicional de família, quando temos casais sem filhos, pessoas sozinhas e moradores de uma mesma unidade habitacional que não pertecem a mesma família, elaborei um layout que permite a flexibilização do número de dormitórios dos apartamentos. Assim, caso seja necessário unidades de um, dois e três dormitórios, isso torna-se possível a partir de uma pequena intervenção no layout sem que isso influencie em modificações nas fachadas ou nas áreas molhadas (banheiro, área de serviço e cozinha), neste caso, o que desencadeariam intervenções e instalações hidrossanitárias. (Imagens 11 e 12)
Todos os ambientes dos apartamentos são acessíveis: sala, quartos, banheiro, cozinha e área de serviço. Tudo foi projetado para permitir que pessoas com deficiência possam viver em segurança, utilizando os cômodos do apartamento sem nenhuma restrição. Até o box do chuveiro foi planejado para abrigar um banco reclinável, muito comum em banheiros utilizados por pessoas com deficiência.
No térreo de cada edifício foi criado um amplo espaço coberto, permitindo assim um espaço para a convivência social e lazer das crianças (ver imagens 13, 14 e 15). A rampa fica localizada na parte central do bloco e em cada extremidade do edifício existe uma circulação vertical que leva a todos os andares através de uma escada. Esses acessos são fechados e externamente revestidos com painéis de azulejos criados especificamente para cada prédio. São 16 painéis de temas distintos que permitem ao morador uma identificação visual do seu prédio (Imagem 16).
O pavimento técnico fica sobre o módulo que abriga a rampa, em cada edificação.
São quatro quadras e em cada uma estão implantados quatro prédios (Imagem 17). No centro dessas grandes quadras foi criado uma ampla área verde, que deverá, conforme o projeto, servir à população como espaço de recreação e lazer, conceito utilizado nas superquadras em Brasília (Imagens 18, 19 e 20).
No térreo dos prédios é possível o acesso de veículos, mas apenas para embarque e desembarque, no caso de um táxi, uma veículo de entrega, uma ambulância ou carro de polícia, por exemplo. A ideia é que os carros fiquem afastados dos espaços destinados ao convívio social dos moradores, que poderão usufruir de amplos espaços verdes (Imagens 21 e 22).
Este projeto também faz uma crítica ao modelo de implantação das unidades habitacionais, sejam unifamiliares ou multifamiliares, cuja distância entre uma casa ou edifício não estabelece um espaço generoso para as áreas verdes (Imagem 23) que permitiriam o plantio de árvores frondosas e frutíferas, contribuindo para a melhoria significativa do bem-estar dos moradores e impactando positivamente na qualidade de vida de todo o  bairro. Hoje em dia, a arborização dos conjuntos habitacionais não é pré-definida. Muitas vezes as pessoas passam a viver nesses conjuntos habitacionais onde ruas inteiras não possuem nenhuma árvore, permanecendo dessa forma por anos, sem nenhuma iniciativa das prefeituras.
A arborização urbana deveria integrar o projeto desde a sua concepção, pois áreas verdes proporcionam vantagens diversas as pessoas, melhorando inclusive a saúde daqueles que vivem no local (Imagem 24).
A acessibilidade também foi tratada como modelo, quando se fez a opção para que 100% das unidades habitacionais fossem acessíveis e não mais um percentual mínimo definido por lei. As mudanças em curso no perfil dos brasileiros, com a forte tendência do envelhecimento da população e a necessidade de se adotar o desenho universal para o máximo de empreendimentos possíveis, sejam eles, públicos ou privados, nos levou a esta decisão de projeto: Todos os apartamentos servirão para todas as pessoas, estejam elas com a mobilidade reduzida momentaneamente ou pessoas com deficiência para o resto da vida (Imagem 25).
Penso que ao adotar este tipo de critério para empreendimentos imobiliários voltados para uma política habitacional de interesse público, não estamos apenas influindo sobre estatísticas do déficit habitacional já diagnosticado, mas também sobre a demanda habitacional, dessa forma, a elevação dos custos de um empreendimento que siga esse modelo, poderia ser compensado ao longo do tempo, na medida em que estamos produzindo moradias que servirão a qualquer pessoa em qualquer fase da vida. Dito isso, reforça-se a tese de que os investimentos na criação de empreendimentos habitacionais acessíveis se tornarão investimentos mais bem aproveitados ao longo dos anos, pois se considerou questões intrínsecas da população.
 
INFRAESTRUTURA
Além das unidades habitacionais, o projeto prevê a implantação de uma escola para uns 300 alunos, com infraestrutura esportiva e amplo espaço para futuras ampliações e área destinada a uma horta para a implantação de um programa social/educativo, em que os estudantes terão aulas de jardinagem e produção de hortaliças.
Há também previsto a construção de um ambulatório com 10 consultórios diferenciados, que poderiam atender tanto a população residente no novo conjunto habitacional quando a população do Bairro Santo Antonio, Cristo Rei e Otávio Avelar (Operário).
Para as reuniões comunitárias criamos um espaço denominado “Parlatório Popular”,que nada mais é do que um espaço aberto, coberto, com banheiros, que poderá servir a comunidade para reuniões da associação de moradores, promoção feiras comerciais, culturais e até eventos musicais. Além disso, o espaço poderá ser utilizado pelo município, para eventos municipais, pois sua implantação sobre ampla praça permite essa flexibilização de uso. ( Imagens 26, 27, 28 e 29)
Além das praças internas e das áreas verdes que contornam os prédios, pensamos também na criação de uma praça com quiosques, quadra poliesportiva e playground, que ficará localizada na divisa dos bairros Cristo e Rei e Santo Antonio, desta forma, a população da rua Silvio Henrique da Cunha, Subida da Jurema (início do segundo acesso ao Bairro Cristo Rei) e os moradores do bairro Otávio Avelar (Operário) também poderia usufruir dessa infraestrutura, podendo ali, inclusive ser estabelecido ponto de táxi e de ônibus, mediante a previsão de linhas regulares para Muriaé MG (ver imagem 27).
VILA OLGA
O nome dado ao projeto, e por consequência ao conjunto habitacional é uma homenagem a Olga Pillo da Fonseca, que na condição de primeira-dama do município, juntamente com outras senhoras, esteve pessoalmente a frente de várias obras sociais, tendo sido a primeira coordenadora da Legião da Boa Vontade - Núcleo Porciúncula, tendo desenvolvido inúmeras campanhas de assistência aos mais pobres. Nunca obteve qualquer tipo de remuneração em suas atividades públicas. Durante essa jornada liderou um grupo que esteve pessoalmente de casa em casa no bairro Cristo Rei, no início dos anos 80, cadastrando todas as famílias, com o intuito de subsidiar dados para a elaboração de um audacioso projeto de requalificação urbana para aquele que é um dos mais antigos e carentes bairros de Porciúncula, atualmente, pelo Censo 2010, com mais 600 moradores. O projeto teria o apoio decisivo do deputado Luiz Fernando Linhares, que sempre articulou junto aos órgãos do governo estadual recursos para a implantação de projetos no município. Linhares viria a falecer em março de 1981, num acidente automobilístico e pouco tempo depois o mandato do prefeito Alaor Braz da Fonseca chegaria ao fim, o que impossibilitou a continuidade das ações empreendidas pela primeira-dama, Olga Pillo.
DEMAIS HOMENAGENS
Além da homenagem a Olga Pillo da Fonseca, denominei antecipadamente prédios, praças e vias:
Os espaço e equipamentos públicos foram assim denominados:
Praça Jan Eggen, Posto de Saúde Enfermeira Nilda Braz, Escola Municipal Professor Geraldo Gonçalves, Parlatório Popular Professor Messias Porto, Praça Salvador José Fernandes.
Os edifícios:
1 - Edifício Teotônio José Bernardino, 2 - Edifício Manoel Rodrigues Lages, 3 - Edifício Cel. Elmano Peres Moreira, 4 - Edifício Ayres dos Santos Teixeira, 5 - Edifício Valério Cardoso Furtado, 6 - Edifício Celso Monteiro, 7 - Edifício Geraldo Furtado, 8 - Edifício Vice-Prefeito José Cruz Reis, 9 - Edifício Dr. Geraldo Novaes de Mello, 10 - Edifício Rubens da Silva Rezende, 11 - Edifício Alcebíades Colly, 12 - Edfício José Cysneiros, 13 - Edifício Dilon Alves Guimarães, 14 - Edifício Vereador João Baptista Ferreira Lopes, 15 - Edifício Adailton Henrique Betta e 16 - Edifício Lindolfo da Silva.
As vias:
Alameda Antonia Schuwartz Tannus, Alameda Sebastião Carlos Valadão, Alameda Adriana Amélia Pinto Coutinho, Alameda Governador Almirante Floriano Faria Lima e Alameda Dr. Breno Coutinho Braz (Imagens 28 e 29).
Reconhecemos que este é um projeto complexo e sua implantação ultrapassa completamente a capacidade financeira e técnica do município. Caberia essencialmente o apoio dos governos Estadual e Federal. Há recursos disponíveis, desde que hajam projetos. Projetos complexos são baseados numa visão de longo prazo.
Muitas vezes, quando não se planeja a longo prazo, gasta-se muito e mal.
A forma como tudo foi pensando, considera, obviamente as condições financeiras do município. Conheço perfeitamente bem a realidade de Porciúncula e dos limites da administração local. Quando lançamos um projeto deste porte, precisamos estabelecer etapas de implantação, para que ele seja implementado gradativamente e para isso, o primeiro passo é sempre a escolha acertada da área, que ao ser adquirida pelo poder público permitirá o desenvolvimento das etapas seguintes, sejam elas em tempos diferentes, estabelecendo metas anuais de execução e previsão de recursos orçamentários e apoio externo.
gu12345eb1622c8-e007-435a-b6b2-fc3c7de66b3978910111213 14 15 16 18 1919 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29
Guilherme Fonseca Cardoso é arquiteto urbanista, especialista em Gestão Pública. Membro da Divisão Técnica de Transporte e Logística - DTRL do Clube de Engenharia, do Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. É articulista do Diário do Rio de Janeiro e do Blog do Nino Bellieny, da Folha da Manhã Online. www.gfc.arq.br

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Nino Bellieny

    [email protected]

    BLOGS - MAIS LIDAS