BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR
lucianaportinho 09/11/2013 08:05
BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR - UM CAMINHO AO INFERNO Texto de Paulo César Moura Brincar nos campos do Senhor, sob o efeito da ayahuasca, pode ser um caminho ao inferno. Uma forma mágica de se chegar ao abismo de si mesmo e descobrir que toda sua civilização representa a morte do outro. Esse mergulho de profunda sinceridade, que o filme de Hector Babenco - Brincando nos campos do Senhor (1991) -, nos propõe, revela-nos o que há de intransponível entre a cultura dos civilizados e a cultura dos selvagens - a ambição, o abismo e a perdição. O foco do filme é o índio de nossa Amazônia. Ainda que, de algum modo, se pense este personagem, nos dias de hoje, sob os moldes românticos, inseridos em um indianismo idealizante, Babenco nos dá, exatamente, o contrário. Para este diretor, o índio não é pitoresco, é estranho; não é colorido, tem cor de chão, de terra. Além disso, apesar de estranho e barrento, é um mundo assolado por dois problemas históricos: a ambição por suas terras e a ambição por civilizá-los.. Ambos deflagram, por si só, o processo da aculturação indígena - sua morte. Sob o ponto de vista literário, o filme de Babenco não é indianista. Não tem heróis. Não vê o índio idealizado. Por certo, aproxima-se do indigenismo, na medida em que busca pensar os problemas que confrontam as populações indígenas, com o objetivo de pensar sua possível integração à nossa nacionalidade. Não obstante, sua visão é trágica, pois o que nos mostra é o genocídio dos povos indígenas. Neste sentido, podemos afirmar que, em termos de identidade brasileira, nossa máscara é barroca - vazia de Deus na cidade de sua mãe. Este é o abismo - a impossibilidade de conversão. Outra questão interessante do filme é o fato de olharmos a cultura indígena a partir de um relativismo no ponto de vista etnocêntrico da cultura ocidental. Os transes espirituais aparecem, no filme, como canais de interpretação da realidade, como outra forma de se chegar à verdade. O “inimigo” se revela a partir de um ritual ininteligível. E todo esse rito - estranho e barrento - revela o abismo que há entre nós e o mundo indígena. O filme de Babenco, na verdade, não é indigenista, mas neoindigenista, porque ao tratar, sob o ponto de vista antropológico, a cultura dos silvícolas, descobre, ainda, o mágico, o maravilhoso, o mítico. E toda beleza de forma de ser gerada pela mente humana. Seus cantos, suas danças, sua pintura, sua espiritualidade. Sua capacidade de revelar a verdade por uma linguagem pronunciada com o coração quente - com êxtase e simbolismos. O propósito do filme é o de superar a caracterização externa do índio para compreendê-lo dentro de sua realidade, abrindo-se para sua visão de mundo e para os abismos profundos de sua cultura. Inserido na esfera do realismo-maravilhoso, o filme incorpora o mundo civilizado e o mundo selvagem, e a “maravilha” que há neste mundo. Diga-se, dois mundos díspares, paradoxais, abundantes. Não obstante, esses dois mundos são o Brasil. Um Brasil precário, roto, faminto. Um Brasil barroco. Necessitado de ser nomeado, construído. Brasil de silêncios e miséria. Um Brasil em estado de perdição. O filme “Brincando nos campos do Senhor” conta-nos a história de dois aventureiros americanos que chegam à cidade Mãe de Deus, no Estado do Amazonas, por falta de combustível em seu avião. Um desses aventureiros é, curiosamente, um descendente aculturado de índios norte-americanos. O policial que analisa os documentos do avião propõe aos dois americanos, em troca da devolução dos passaportes e da documentação, que eles atirem algumas bombas para “espantar” os índios niarunas, a fim de tirá-los de suas terras. Paralelo a essa intriga, há ainda a questão da chegada da igreja protestante em terras indígenas, no afã de converter e de civilizar o índio. Tomado por uma crise de identidade, Moon, o aventureiro americano de descendência indígena, sob o efeito de um chá alucinante, pilota seu avião até as terras dos niarunas e, quando passa por cima de sua aldeia, ele se atira de paraquedas, saltando sobre aquele lugar. Os índios o tomam como um deus que veio do céu e o chamam de Kisu, o deus do trovão, perigoso e maldoso, do qual eles têm muito medo. Incorporam-no à sua coletividade e o relacionam a outro deus que vem do céu, a partir de um sincretismo entre Kisu e Jesus. Assentado sobre essa trama, entre um falso deus, a presença da igreja e o interesse pelas terras indígenas, o filme costura uma tragédia anunciada há quinhentos anos. O elenco do filme é formado por atores excelentes, como Tom Berenger, John Lithgow, Daryl Hannah, Aidan Quinn, Tom Waits, Katy Bates, Stênio Garcia, José Dumont e Nelson Xavier. Trata-se de uma produção estunidense-brasileira dirigido por Hector Babenco e com roteiro baseado em livro de Peter Matthiessen. É um drama. Com duração de três horas. Vale conferir no Cineclube Goitacá, quarta-feira, dia 13 de novembro, às 19:30h. No edifício Medical Center, na av. 13 de Maio, nº 286, sala 507. Entrada franca. [caption id="attachment_7124" align="alignright" width="300" caption="Ft.Google"][/caption] * Paulo César Moura é professor, contista, poeta e colaborador da Folha da Manhã.

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