RECEITA DE TRAGÉDIA
lucianaportinho 19/10/2013 22:53

Receita de Tragédia

LUCIANA PORTINHO [caption id="attachment_7026" align="aligncenter" width="600" caption="Ft.Google"][/caption]

 

No dia do nosso poetinha, amantes que somos da vida, uma história real e crua não me sai da cabeça. Pensei dela construir personagens fictícios, mas, tão dura que é de tosca crônica não passará. Quem me contou o drama foi uma mulher forte que acorda todos os dias em Campo Grande, zona oeste da capital, as três e 45 horas da matina, para chegar às 7 horas em seu posto de trabalho. Janine é manicure em um cabeleireiro do Posto VI, no Rio de Janeiro. Escuto seu relato, primeiro me transportando à dureza de vida dessa senhora que diariamente se desloca do subúrbio e, para ser pontual, prefere se despencar em três conduções na madrugada e “fugir” da maralha que é o tráfego de gente, ao vir e voltar todos os dias da casa para o emprego, do emprego para casa. Não me perguntem como da história da vida de Janine pulamos para, aí sim, a absoluta desgraça em que vive parcela considerável da população deste meu querido país.  Sei que conversávamos sobre as manifestações, os black bocks, sobre o Cabral, de lá fomos para as UPPs, o Amarildo e finalmente sobre o tráfico na Rocinha. Era hora do almoço, mesmo assim, Janine abriu espaço em sua agenda, quis me atender. De marmita em punho, ela baixinho me disse: “Antes deixava minha comida na copa do salão, mas, perdi a confiança nas meninas depois que Maria (ex-colega, moradora da Rocinha) sem mais nem quê confessou ter tentado assassinar seu ex-companheiro”. Tinha levado mais uma coça dele, o ódio a dominou, decidiu mata-lo. Morreria lentamente com doses mínimas de chumbinho misturadas na janta. O homem um dia baixou hospital, uma gastrite horrorosa o corroía. Lá,  os exames desmascararam o envenenamento. Chegando à casa, sem palavra alguma, ele deu surra ainda maior. Maria pediu ajuda ao comando do tráfico. Comeram o homem na porrada; expulso de casa, na favela proibido de pisar. Obrigado está a pagar o aluguel de Maria até o fim dos dias. Maria estava grávida, terceiro filho que deixou com a mãe no Ceará para criar. Nesta mesma noite, eu e minha prima refletimos sobre a ausência do Estado, os Tribunais e as Leis. Ainda assim sei que do nada, do abaixo do nada, é preciso que brote a poesia.  

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