Aqueles que entram pela porta da cozinha
Pexe 17/07/2013 14:25

"No próximo 20 de julho, comemora-se o Dia Internacional da Amizade, também conhecido como o Dia do Amigo. Num mundo onde a competitividade e o individualismo são marcas registradas, é essencial cultivar e valorizar as amizades. Ter uma rede de suporte afetivo e de relações de confiança faz bem a todos nós. Como é bom saber que podemos contar com o apoio incondicional de pessoas que amamos e, , em alguns casos, se tornam mais próximas do que membros da própria família. Como afirma o livro dos Provérbios: "um amigo ama em todo o tempo; um irmão nasce para o tempo da adversidade" (Pv 1717). O mestre Vinícius de Moraes sintetizou bem a importância dos amigos em nossas vidas: " enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que existem. Esta mera condição me encoraja em seguir em frente pela vida... mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre".

Para uma compreensão alargada do valor da amizade, é essencial recorrermos à cultura grega clássica. Por exemplo, a palavra amigo é a tradução de "philos", que em sua origem etmológica significa aquilo que é "caro, dispendioso e valioso". 'Philia' é a expressão grega usada para "amizade". O verbo 'phileo' pode ser traduzido por amar, no sentido de mostrar profunda afeição por alguém. Pela força destas palavras, é possível perceber que, para os gregos,  a amizade era considerada de extremo valor ou, como diríamos hoje, algo que não tem preço quando visto pela ótica do mercado.

Estabelecer e cultivar amizades exige uma atitude preliminar e imprescindível: estar bem consigo mesmo. amar a si próprio é a condição básica para abrir-se a outros relacionamentos. A pessoa que não consegue amar a si mesma terá dificuldades em encontrar amigos ou se fazer amiga de outra pessoa. Amar a si mesmo é buscar o bem-estar (saúde) pessoal no nível físico, mental, espiritual e afetivo. É a época que desenvolve a capacidade de voltar-se para si mesma (introspecção) com visão e sabedoria para conhecer seus limites, seus potenciais, sua carências, suas necessidades e suas contradições. É aquela que procura conhecer a si mesma. A introspecção é um voltar-se para dentro como condição básica para um voltar-se aos outros. É diferente daquela que olha para si mesma com um sentimento egocêntrico (introversão) e não é capaz de conhecer a existência dos outros. Nesse caso, a pessoa se torna um 'philautos', expressão grega que significa egoísta ou amante de si mesmo. Para cultivar amizades mais consistentes e duradouras, devemos ser um " philophron", ou seja, uma pessoa bem disposta e amistosa.

Neste árduo e, ao mesmo tempo prazeroso processo de construção de laços afetivos, é tarefa básica procurar distinguir a amizade de outras relações interpessoais. Há indivíduos que se aproximam de outros com o objetivo de instrumentalizar a pseuda amizade e, desta forma, tirar algum tipo de vantagem. É uma aproximação 'utilitária' que passa pela 'venda' ou barganha de sentimentos e afetos. Hoje, especialmente nas redes sociais, temos outro perigo: os simulacros da amizade que se sustentam nos espaços virtuais. Tem pessoas que se orgulham de ter milhares de "amigos". Não quero aqui fazer apologia contra essas redes, pois sei que cumprem funções importantes, tais como, resgate de antigas amizades, aproximação entre pessoas conhecidas e contato com pensamentos e formas diferentes de entender a vida. Mas, não podemos terceirizar as relações afetivas para os ambientes virtuais.

A amizade genuína é baseada em relações de afeto, confiança e cumplicidade. É quando nos sentimos à vontade na presença do outro. Como dizia Mário Quintana: é quando o silêncio a dois não se torna incômodo". É ser íntimo sem ser invasivo. É estar próximo sem se tornar importuno. É se sentir acolhido em qualquer circunstância. É uma relação iguais, sem subserviência. Recentemente, quando eu e minha esposa, decidimos voltar a morar em Piracicaba/SP, um amigo nos disse: "espero sempre ser contado entre os que são de casa, e que podem entrar pela porta da cozinha". Que possamos continuar tendo amigos que, sem formalidades, estejam conosco ao redor da mesa da cozinha para celebrar o doce sabor da vida e, se for o caso, chorar as nossas dores, perdas e sofrimentos."

Autor do texto: Clovis Pinto de Castro, Gazeta de Piracicaba, 14/07/13

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