CIENTISTA POLÍTICO FALA
lucianaportinho 23/06/2013 15:22
Íntegra da entrevista do professor e doutor em ciência política, Hamilton Garcia (Uenf) ao repórter da Folha da Manhã, Bruno Almeida Silva. FM- Esse momento que o Brasil atravessa pode ser entendido como uma revolução? É um movimento anárquico, sem precedentes? Pode ser confundido com terrorismo? HG-Podemos entender as manifestações como fruto do descontentamento popular, em particular das classes médias, em face de um Estado que, em todos os níveis, arrecada quase 40% da riqueza nacional e devolve à sociedade serviços de baixa qualidade, entre eles o transporte público, e uma máquina pública cara e plena de privilégios para apaniguados e cabos eleitorais. As pessoas estão nas ruas porque querem o fim dos privilégios e a solução de seus problemas, que vão da tarifa dos ônibus até a corrupção generalizada. FM-Como ele começou, o que o motivou, o que o difere dos demais movimentos que acontecem, por exemplo, na Grécia e na Turquia? HG-As ruas foram tomadas pela juventude porque elas não se sentem representadas pela superestrutura política vigente, em grande parte predadora do próprio Estado. O nosso tema é a crise do Estado, enquanto na Grécia é o colapso econômico e as medidas ortodoxas para combatê-lo, e na Turquia o avanço islâmico sobre o Estado. Nesses dois últimos casos, o tema do Estado está, por enquanto, atrelado a problemas oriundos quer do capitalismo (desemprego, endividamento, etc.), caso Greco, e da própria sociedade (teocracia islâmica), caso turco. FM- Aonde ele pretende chegar? Quais seus efeitos? Há legitimidade para eles? O que pode levá-los ao sucesso e o que pode os atrapalhar? Os poderes públicos toparão negociar com um movimento sem líderes? HG-No fundo eles querem livrar o Estado do parasitismo hoje dominante, mas não sabem muito bem como fazê-lo. Isto, naturalmente, passa por uma reforma política radical, no espírito do Ficha Limpa, mas muito além dele. Ao que parece, as lideranças do movimento ainda não vislumbraram com clareza esta saída, talvez ainda cegados pela neblina do antipartidarismo, que, paradoxalmente, é uma ideologia muito útil ao próprio sistema que eles combatem. Mesmo assim, eles lograram uma vitória importante em relação às tarifas e as negociações políticas não tiveram papel algum nisso. FM- O fato de até os sindicatos e partidos políticos serem, até certo ponto, rejeitados pela massa popular nas negociações, é bom ou ruim? HG-Até aqui, o movimento não tem tido nenhum caráter negocial e sim impositivo, o que é próprio da crise de Estado que estamos vivendo: de que vale negociar com "representantes" que se acham donos de seus mandatos? Os sindicatos – inclusive a UNE e as UEEs – e os partidos, estão sendo ignorados e hostilizados por não cumprirem seus respectivos papéis de representação dos interesses das bases. Isto naturalmente é ruim, mas os manifestantes não são os culpados disto e sim os dirigentes dessas instituições. FM-Sobre o chamado vandalismo que vem sendo praticado, pode ser entendido mesmo assim? É mesmo necessário? HG-Vândalo em manifestação de média/grande cidade, é como bêbado em comício de interior: difícil não aparecer um… FM-E sobre a organização através do Facebook e rumores de que a Justiça queria tirar o Face do ar, o que dizer? HG-As redes sociais têm sido uma alternativa ao esclerosamento das instituições sociais tradicionais, mas não podem substituí-las, de modo que novas instituições devem surgir a partir destas mobilizações. O que é preciso destacar, é que a transformação de um Estado só pode ocorrer se suas bases de legitimação forem transformadas, pela negociação ou pela imposição. O que esperamos é que estas transformações ocorram negocialmente, mas tais negociações são quase inviáveis na base da dinâmica política atual, onde os políticos, equipados com os recursos públicos, corrompem a vontade do eleitor para se elegerem e, assim, deixam de representá-los. Somente quebraremos este círculo vicioso por meio de um movimento impositivo de largo espectro que consiga arrastar consigo as velhas instituições e os partidos suscetíveis às reformas político-sociais. Hamilton Garcia (Cientista Político, UENF-DR)  

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