Incorporação da região norte fluminense à modernidade (III)
Arthur Soffiati
Pero e Gil de Gois não deixaram nenhum relato desse aranhol de ecossistemas hídricos. A umidade era tanta que a vegetação não adquiria porte arbóreo, com raras exceções, como a tabebuia, por exemplo. Apenas nos pontos mais altos e nas restingas, formavam-se matas. Nos estuários, os manguezais formavam bosques expressivos, como no caso de todos os rios da área baixa: Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul, Iguaçu e Macaé, entre eles, pequenos córregos também formavam estuários favoráveis ao desenvolvimento de manguezais.
Não contamos com documentação robusta para demonstrar que pescadores de Cabo Frio chegaram em 1622, instalando-se na atual praia de Atafona e fundando posteriormente a vila de São João da Praia, depois São João da Barra. Eles teriam iniciado a colonização contínua da região dez anos antes dos sete capitães, que empreenderam expedições em 1632, 33 e 34 para tomar posse efetiva de terras requeridas à Coroa Portuguesa como sesmarias, a fim de criar gado para atender à cidade do Rio de Janeiro. A colonização pelo gado e logo a seguir pela agricultura foi rápida. Em 50 anos, Campos já se destacava como polo significativo da colonização e da globalização europeias.
O século XVII coloca uma opção de desenvolvimento econômico para os colonos estrangeiros. Os grupos indígenas que viviam no futuro norte fluminense sustentavam-se com uma economia de subsistência baseada na coleta, na pesca e na caça, com uma agricultura rudimentar e complementar. O mais completo estudo sobre o modo de vida dos povos nativos da região foi redigido pelas arqueólogas Tania Andrade Lima e Regina Coeli Pinheiro da Silva sobre o arquipélago de Santana, defronte a foz do rio Macaé (Zoo-arqueologia: alguns resultados para a pré-história da ilha de Santana. Revista de Arqueologia 2(2). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1984).
A pesca seria um caminho a seguir? Hoje, existem países com forte economia pesqueira. Podemos mencionar Dinamarca, Japão e Taiwan. Inseridos num contexto capitalista, a pesca, nesses países, visa o mercado. Trata-se de uma atividade industrial sobre organismos aquáticos. Tendo a extração um caráter de progressão geométrica sobre animais que se reproduzem em progressão aritmética, o resultado é a extinção de espécies. Além do mais, nesses países, a pesca é praticada no mar, não em águas interiores.
Como seria a baixada dos Goytacazes se, em vez da agropecuária, a colonização fosse promovida pela pesca? É de se esperar que não fosse praticada nos moldes da economia de subsistência dos povos nativos, mas em moldes de uma economia de mercado. Isso significa que a atividade pesqueira exigiria transformações no sistema hídrico original, a introdução de espécies exóticas e o extrativismo acima de seus limites. De certa forma, a pesca interior e marítima praticada no norte fluminense ainda não pode ser considerada industrial. Mesmo assim, produz danos aos ecossistemas e à fauna extraída, com desrespeito aos períodos defesos e tantas irregularidades mais. A pesca que se pratica nas lagoas, rios e mares, aqui, não é exemplo de uma atividade ecologicamente sustentável.
Além do mais, no século XVII, este dilema não se colocava aos colonizadores. Certamente, os sete capitães, seus descendentes, jesuítas, beneditinos e Assecas não estavam imbuídos de motivações ambientais. O interesse de todos era o ganho fácil e rápido. Não era de peixes que careciam o Rio de Janeiro e a Europa. A planície do Rio de Janeiro não tem área grande e foi ocupada pela agroindústria açucareira, com campos plantados e engenhos. Aconteceu no Rio de Janeiro o que aconteceu com o Brasil litorâneo: o gado foi empurrado para o interior para que a cana fosse cultivada na zona costeira. No Rio de Janeiro, o gado foi expulso para o norte fluminense.
Para a criação de gado numa zona extremamente úmida, seria necessário a sua conversão em terras apropriadas para a agropecuária. Como não houvesse tecnologia para grandes obras de drenagem, os colonos se conformaram a plantar e a criar nas terras mais altas, não completamente sujeitas às águas. A umidade foi um fator limitante à agropecuária por séculos. Comparada à que se prática atualmente, ela era pífia. E observe-se que a região não tem peso expressivo na produção nacional. As demandas também não eram tão grandes no século XVII como hoje, em que o mundo está cada vez mais globalizado pelo capitalismo nascido no ocidente.