De Campos a Santos
19/03/2017 10:02
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 19 de março de 2017
De Campos a Santos
Arthur Soffiati
 
Pela televisão, fiquei sabendo que a cidade de Santos, em São Paulo, está no topo quanto a condições apropriadas para idosos. Mais que rapidamente, escrevi ao meu amigo Gilberto Pessanha Ribeiro, nascido em Campos e atualmente residindo em Santos. Gilberto é cartógrafo. Deu aula na UFF em Niterói e foi aprovado num concurso em Santos.
Ele logo me respondeu, dizendo que já sabia das qualidades de Santos. Embora ainda não tenha ingressado na terceira idade, ele já está se preparando para isto na melhor cidade do Brasil. Santos é menor que São Paulo, mas está mais bem estruturada. É maior e bem melhor do que Campos. Minha mulher e eu conversamos muito a respeito da possibilidade de nos transferirmos para Santos e termos uma velhice saudável. Filhos e netos não gostaram da ideia, mas acabaram concordando.
Alugamos nosso apartamento em Campos e fomos morar em Santos, perto do tríplex que se acredita ser de Lula. Nosso apartamento é pequeno e fica de frente para o mar. Vista panorâmica. Depois de acomodados, procurei logo um geriatra. Santos conta com excelente estrutura de saúde. O médico me examinou da cabeça aos pés e diagnosticou que eu estava bastante estragado nos meus setenta anos. Como de hábito, fez as recomendações clássicas: cortar carne vermelha, gordura, sal, açúcar, álcool e cigarro. Respondi-lhe que nunca fumei, bebia só ocasionalmente e tinha uma dieta rigorosa, além de fazer exercícios físicos. Ele se espantou por examinar um corpo tão envelhecido apesar de todos os cuidados que eu tomava.
Perguntei-lhe se eu podia ter vida sexual. “Na sua idade, o senhor ainda pratica sexo?” “De vez em quando”, respondi. “Pois pode cortar também. Sexo exige muito esforço do corpo e acelera o envelhecimento.” Saí do consultório meio abatido, achando que o geriatra era taoísta.
Comprei duas raquetes de frescobol e uma bola. Passei a frequentar a praia. Enxerido, ofereci-me logo a um grupo de idosos para fazer parte dele e jogar. Eu sempre perdia. Se fosse um esporte coletivo, tenho certeza de que seria excluído. Também nos aproximamos de uma senhora viúva que morava no apartamento do andar superior e fazia muito barulho. Ele vivia apenas na companhia de nove cachorros. Tinha 60 anos e passeava diariamente com aquela cachorrada toda. Foi ela que nos convidou a integrar um clube da melhor idade.
Aceitamos. No clube, uma fisioterapeuta e uma assistente social jovens cuidavam dos velhos. “Sorriam e sempre demonstrem felicidade”, elas nos recomendavam com frequência. Confesso que eu me sentia meio infantilizado com elas. As reuniões ocorriam as terças e quintas-feiras. Um velho (desculpe, idoso) era escalado para levar doces ou salgados a cada encontro. Então, todos riam e demonstravam estar felizes. Depois, todos dançavam. Minha mulher adorava. Eu nem tanto. Nunca aprendi a dançar. A vizinha do andar superior se ofereceu para me ensinar. “Sorria, o mundo é lindo”. Ela me pareceu meio assanhada. Rodava muito comigo. De vez em quando, me soltava e dançava sozinha. Sempre sorrindo, notei que ela usava uma dentadura que se deslocava de um lado para outro. “Sorria, a vida é bela”.
Todos demonstravam alegria e felicidade. Todos comiam e dançavam. Tentei puxar assunto com alguns idosos que me pareciam menos sorridentes. Tentei conversar sobre o século XV, modernidade, globalização e temas correlatos. Ninguém me dava ouvidos. Comecei a perceber que, ali, as pessoas nem sabiam direito em que século vivemos. Fui sendo invadido por um tédio que contrastava com a alegria ao meu redor. “Sorria. Demonstre sempre felicidade, seu Soffiati. Aqui, tristeza é proibida”, repreendiam-me as moças.
Nas manhãs, eu jogava frescobol na praia com idosos. Duas vezes por semana, eu frequentava o clube da melhor idade, sorria, transparecia felicidade, comia e tentava dançar. Passei a andar pela cidade nas tardes em que não havia reunião no clube. Comecei a admirar os canais de drenagem concebidos pelo engenheiro campista Saturnino de Brito. Encontrei numa livraria o projeto que ele traçou para Santos. Comecei a escrever artigos. Procurei os jornais da cidade, oferecendo meus escritos. Fui recusado em todos. Mantive meu blog em Campos, mas ninguém se interessava por assuntos relacionados à baixada de santista.
Comecei a sentir saudades de ambientes periféricos e degradados. Fui a Cubatão. Um dia cheguei em casa com as pernas cobertas de lama negra até os joelhos. Minha mulher logo exclamou: “Não acredito, não posso acreditar que você tenha entrado num manguezal!” Contraí estafilococos e tive que tomar Bezentacil.
Deixei o frescobol e abandonei o clube da melhor idade. Passei a perambular pela cidade. Tive uma conversa demorada com minha mulher. No fundo, ela sentia muita saudade dos filhos e netos. Decidimos voltar para Campos. Valeu a experiência, mas, já que estou aposentado, prefiro excursionar pelas áreas degradadas daqui e escrever meus artigos sobre problemas locais. Meus adversários não gostaram muito do meu retorno. Que me aguentem.
 
 

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    Aristides Soffiati

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