Carnavalesco tardio
05/03/2017 10:42
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 05 de março de 2017
Carnavalesco tardio
Arthur Soffiati
 
Minhas duas tentativas de ser carnavalesco foram desastrosas. Da primeira, não lembro. Tenho dela apenas uma foto. Minha mãe e minha tia me fantasiaram de turco. Dizem que fiquei lindo. Jogaram-me num baile de carnaval em Campinas. Contam que eu fiquei emburrado num canto do salão. Contaram-me também que moças bonitas jogavam confete em mim e mexiam comigo. Minha reação era a de jogar o confete de volta na cara delas.
Na segunda, eu tinha 22 anos. Minha primeira namorada queria ir a um baile carnavalesco. Por dentro recusei, mas por fora consenti simulando alegria. Quando a gente está apaixonado, faz coisas de que até Deus duvida. Na festa, uma moça graciosamente fantasiada aproximou-se de mim e fez mesuras com um leque. Entendi que se tratava de um convite para dançar. Sem hábito de frequentar festas carnavalescas, entendi que deveria retribuir com gentileza o seu convite. Ensaiei uns passos de mestre-sala com ela. O tempo fechou. Minha namorada me pegou pelo braço e me arrastou. Do lado de fora, ela me disse que a moça tinha sido muito assanhada e eu também. Não adiantaram minhas justificativas. No dia seguinte, saí pelas ruas da cidade com meu ex-futuro cunhado, tocando tamborim. Apenas os dois numa demonstração pública ridícula.
Em 2016, pensei: completo 70 anos em 2017. Não custa uma nova tentativa. Quem sabe não passo a gostar de carnaval? Passei o ano juntando dinheiro. Comprei passagens aéreas com antecedência, nos momentos de promoção. O carnaval chegou. Comecei por São Paulo. A cada ano, o carnaval se torna mais sofisticado na cidade que não pode parar. Mas só fiquei assistindo ao desfile de escolas de samba e ao show da onipresente Ivete Sangalo.
Aqueci-me em São Paulo para começar a pular no Rio de Janeiro. Tentei brincar no Cordão do Bola Preta. Para tanto, dei propina ao diretor do bloco. Estava tudo certo para eu participar do Bola, clube outrora muito frequentado pelos meus tios maternos. Quando ensaiei os primeiros passos, Leandra Leal, rainha do bloco, foi desleal comigo. Não me deixou entrar. Desesperado, procurei a Banda de Ipanema. Entrei e levei um soco. Caído no chão, o cara que me bateu disse que o soco não era pra mim, quem mandou eu ficar na frente.
Procurei o Bloco da Facilita, quero dizer da Favorita. Assim que me viu, Juliana Paes me barrou. “Estou cansada de sofrer assédio sexual, ainda mais de velho safado!”, ela exclamou. Corri para o “Bloco das Mulheres Rodadas”. Elas me impuseram uma prova: rodar um bambolê e demonstrar que eu também rodo. Meus problemas lombares não me permitiram. “Não posso perder esse carnaval”, pensei, e fiz uma tentativa no “Bloco Mulheres de Chico”. Fui barrado. Elas disseram que, de homem, só entrava o próprio Chico. Perguntaram-me se, ao menos, eu era parente dele. Falei da minha admiração pelo músico. Tudo inútil.
Já que eu estava no Largo do Machado, tentei o bloco “Balança meu Catete”. Tive de passar por um teste. Examinaram meu Catete e concluíram que era muito pequeno. Aleguei minhas relações afetivas com o bairro, invoquei Machado de Assis. Tudo embalde, como diria o mestre da literatura. Tentei o “Carvalho em pé”. Resposta: “seu carvalho está deitado. Aqui, não, violão”. Busquei os blocos “Confraria do peru sadio”, “Picada de primeira”, “Balanço do pinto”, “Se me der eu como”, “Peru pelado”, “Perereca vadia”, “Perereca sem dono”, “Banda das quengas”, “Broxadão” etc. Podem pensar que é mentira minha, mas esses blocos existem. Todos eles me recusaram por motivo de idade.
Enfim, acabei na Visconde de Sapucaí vendo o desfile. Mais uma vez, me encontrei com Ivete Sangalo e quase fui atingido por um carro alegórico desgovernado. Rumei para Salvador. Tentei brincar, mas fui brincado. Tirei um pé do chão e não pude mais voltar ao solo. Tirei o segundo e fiquei no alto ao balanço dos pulos. Parecia até trem da Central. Só pude ver a Ivete em cima de um trio elétrico. Quando consegui sair da multidão enfurecida, eu estava exausto e suado. Com o suor alheio. Rumei para Pernambuco. O “Galo da madrugada” já havia passado. Ensaie alguns passos de frevo. Meu corpo ficou cheio de distensão muscular. Só pude participar de uma roda de Ciranda, com mulheres idosas. O que salvou minha passagem por Pernambuco foi a apresentação da Ivete Sangalo.
Não me dei por vencido e rumei para Fortaleza, última cidade do meu roteiro. Não entendi nada do que as pessoas falavam. Todos me detestaram. Perguntei a mim mesmo o que eu fazia ali. Por que não fui para Natal brincar no bloco dos Cão, cujos participantes se lambuzam na lama de manguezal?... Familiar para mim, em Fortaleza, só a apresentação da Ivete Sangalo. Decepcionado, voltei para Olinda tentando brincar no “Bacalhau com batata”. Acabei num restaurante comendo bacalhau com batata. De vota à casa, desisti finalmente de ser carnavalesco. Agora estou internado numa clínica, de onde escrevo esta página triste. Os médicos me proibiram de fazer nova tentativa de ser folião.

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    Aristides Soffiati

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