Lagoas, plantas, peixes
06/02/2017 16:01
Lagoas, plantas, peixes
Arthur Soffiati
 
Se a Baixada dos Goytacazes, o Pantanal Mato-grossense e a Baixada de Jacarepaguá fossem colonizados por técnicas e tecnologias ocidentais hoje, certamente haveria uma discussão sobre as mais adequadas atividades econômicas a serem praticadas nas áreas. Os cientistas diriam que o melhor caminho para integrar tais ambientes não seria a agropecuária, mas a pesca e o ecoturismo.
Contudo, a ocupação delas processou-se antes da discussão. Eu não havia nascido quando os colonos de origem portuguesa, portanto, de cultura ocidental, chegaram ao Norte Fluminense, no século XVII. Sua intenção era criar gado nas áreas mais altas e secas, muito raras num imenso complexo hídrico em que não se distinguia claramente terra de água, rio de lagoa. Com o avanço da agropecuária, muito dinheiro foi gasto para converter uma extensa área úmida em área seca. Mesmo assim, sem o sucesso esperado.
O mesmo processo se deu no Pantanal Mato-grossense. Devido às grandes dimensões dele, a ocupação do território por atividades rurais teve de ser mais limitada. Como se percebeu que o turismo seria uma grande fonte de renda, entendeu-se por bem reservar áreas úmidas para esse fim.
A Baixada de Jacarepaguá não teve a mesma sorte. Quando prestei serviço militar, em 1967, passei quinze dias acampado naquele paraíso. A paisagem que então usufruí ficou na minha memória e no livro O sertão carioca, de Magalhães Correia. As belas, imensas, limpas e saudáveis lagoas hoje estão excessivamente poluídas. A vegetação de restinga foi quase totalmente erradicada. Naquele terreno frágil, o urbanista Lúcio Costa, ainda embebido na concepção cartesiana de que se pode e deve dominar completamente a natureza, concebeu um plano de urbanização completamente insustentável ecologicamente. Mas ele foi implementado, resultando num desastre urbano atualmente.
Na Baixada dos Goytacazes, muitas lagoas foram drenadas parcial e totalmente sob o pretexto de saneá-la. O motivo real e escamoteado era ganhar dinheiro com a agropecuária. A atividade pesqueira, vocação primeira da planície, sofreu muito. Enquanto as depressões naturais eram enxugadas e comprimidas por diques, a atividade cerâmica abria cavas para a extração de argila. Trata-se também de uma atividade com os dias contados. A argila de superfície não serve por ser muito suja. A de profundidade, além de extração proibida, não é rentável. Desse modo, a baixada fica toda esburacada.
Assim como Barra do Furado volta à baila, a piscicultura e o plantio de árvores também voltam. Eu os saúdo, embora não acredite numa política pública para a recuperação parcial dessas atividades. A criação de peixes para consumo familiar e venda nas cavas deixadas pela indústria cerâmica foi já foi cogitada mais de uma vez. Nunca houve continuidade dos governos municipais no seu aproveitamento como áreas pesqueiras. Talvez nem mesmo experiências incipientes. E parece mesmo irônico esse aproveitamento. Onde havia lagoas, há agora lavouras e pastos. Onde havia pastos, há agora buracos. É tarde para chorar o leite derramado.
Aproveitar as cavas para a criação de peixes é apropriado desde que as espécies sejam nativas da região, hoje infestada por espécies exóticas, como o dourado, a tilápia, a carpa, o bagre africano e até o pirarucu. Se a piscicultura vai ser praticada com espécies exóticas, cumpre que os criadouros fiquem afastados de cursos d’água e de lagoas para não aumentar a infestação. Todo cuidado é pouco. Lembro aqui o caso do ex-vereador Ruço Peixeiro, que me procurou para que eu tomasse providências pela fuga de tilápias que ele criava em tanques nas margens da lagoa Feia. Por ocasião de uma enchente, elas fugiram para a lagoa. Lembro também do deputado João Peixoto quando foi Secretário de Agricultura de Campos e não via nenhum problema em distribuir saquinhos plásticos cheios d’água e com “avelinos”, como diria Ruço, para pequenos produtores rurais. Ele ficou chocado quando denunciado no Ministério Público por essa iniciativa que só tinha a intenção de beneficiar produtores. De boas intenções, o ambiente está cheio de destruição.
Lembro ainda de Garotinho quando foi governador do Estado do Rio de Janeiro (ter memória dói muito), que criou o bíblico programa Multiplicar, também com a finalidade de multiplicar peixes, como Jesus. Só que de forma natural e com espécies exóticas.
Estes equívocos devem ser evitados. Civis e governantes também se comovem muito com o plantio de árvores. Eles acham que estão contribuindo para recuperar a natureza que ajudaram a destruir. Então, não sabem distinguir espécies nativas de um ecossistema de espécies exóticas, ou seja, de outros ecossistemas. Não sabem como plantar, não se preocupam em cuidar das mudas até que as plantas cresçam por conta própria. O resultado é zero. As mudas são abandonadas como bebês recém-nascidos e morrem. No seu primeiro mandato como prefeito de Campos, Garotinho disse ter plantado vinte mil mudas num só dia. Nunca vi uma que tenha crescido. Se alguém viu, me avise, por favor. Devemos, pois, saber o que plantar, onde plantar, como plantar e como cuidar.
Enfim, políticas públicas municipais de reflorestamento e piscicultura devem nortear-se pelos seguintes princípios:
A- Reflorestamento
1- Buscar apoio técnico de órgãos governamentais especializados no tema;
2- Promover debates com especialistas antes de iniciar a implementação da política de reflorestamento;
3- Certamente que, após os debates, áreas e espécies adequadas estarão selecionadas;
4- Prioridade para margens de rios e lagoas;
5- Prioridade para espécies frutíferas.
B- Piscicultura
1- Debates com especialistas para definir locais e espécies a serem usadas na piscicultura;
2- Orientação técnica em todas as fases de execução da política;
3- Atenção para a questão da água;
4- Cuidados devidos para não agravar mais ainda a infestação de rios e lagoas por espécies exóticas aos ecossistemas locais.
Na implementação das duas políticas, voltá-las prioritariamente para minorar os impactos ambientais e atender ao pequeno produtor e ao pescador.

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    Aristides Soffiati

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