Realidade virtual auxilia atletas, via "ginástica" para o cérebro
20/01/2017 20:14 - Atualizado em 20/01/2017 20:22
Marcos Almeida
Imagética/ Luz e Som / Marcos Almeida
Este texto, bem longo (mesmo!), onde o tamanho é diretamente proporcional à sua ótima qualidade, discorre sobre trabalho cognitivo que visa ganho de foco de atenção e boas respostas imediatas para os problemas que surgem em determinada situação esportiva, vem causando no meio do esporte de alto nível. Apesar de algumas incredulidades, fato que somente o tempo e mais estudos podem nos situar melhor, acredito que de fato seja positivo. De qualquer forma, vale a leitura e o conhecimento de mais um instrumento sobre a exploração, cada vez maior, do trabalho cognitivo no esporte. A fonte é a Folha de São Paulo via tradução do New York Times.
As esferas amarelo-limão na tela não se parecem em nada com os linebackers dos quais Matt Ryan, quarterback do Atlanta Falcons, tenta escapar a cada semana. E elas tampouco se parecem com um jogador da Premier League correndo pelo gramado, ou com um disco disparado sobre o gelo em uma partida da National Hockey League (NHL) norte-americana. Se elas se parecem com alguma coisa, é com bolas de tênis com uma cobertura mais rala.
A beleza do design do NeuroTracker –videogame projetado para reforçar a capacidade cognitiva da mesma maneira que exercícios com halteres reforçam os músculos– está supostamente em sua simplicidade. Ao pedir aos seus olhos que acompanhem esferas que saltitam por uma tela tridimensional, atletas podem preparar seus cérebros para funcionar de uma maneira impossível de reproduzir em qualquer outra forma de exercício.
Pelo menos era esse o objetivo de Jocelyn Faubert ao criar o NeuroTracker em seu laboratório de pesquisa optométrica na Universidade de Montreal, em 2009. Sua inspiração foi o Lumosity, um jogo de exercício para o cérebro altamente popular. Mas em vez de direcionar seu produto à geração baby boom, Faubert o desenvolveu para o mundo do esporte.
Faubert define essas capacidades cognitivas subestimadas como "ginástica para o cérebro". Mas até o NeuroTracker, não havia muitos indicadores quanto a uma boa maneira de isolar e reforçar essas capacidades fora do campo de treino.
"O sistema força o usuário a empregar certas redes –redes de memória, redes de atenção, redes de processamento de movimento", disse Faubert sobre o NeuroTracker. "Toda essa demanda simultânea, é isso que você faz na vida real".
Os críticos, no entanto, definem o programa como uma versão digital das poções milagrosas vendidas por trapaceiros. Eles acreditam que as equipes esportivas, desesperadas por qualquer coisa que lhes ofereça vantagem em campo, possam estar comprando uma trapaça.
"Tenho de ser extremamente cético quanto a qualquer programa de treinamento que promova o desenvolvimento dessas funções visuais, perceptuais e cognitivas genéricas", disse A. Mark Williams, diretor do departamento de saúde, cinesiologia e recreação na Universidade do Utah.
Ainda assim, o programa se expandiu e está em uso em 550 centros de treinamento de elite em todo o planeta, que representam uma vasta paisagem esportiva. Ryan, que nesta temporada é o segundo entre os quarterbacks da NFL (National Football League), a liga de futebol americano profissional dos Estados Unidos, em passes e touchdowns, disse que treina com o NeuroTracker pelo menos três vezes por semana.
"Eu o uso o ano inteiro", disse Ryan, que é um dos jogadores na briga pelo prêmio de MVP, ou melhor jogador, da temporada deste ano na NFL.
O Manchester United discretamente investiu US$ 80 mil para instalar um NeuroTracker em seu centro de treinamento. A U. S. Soccer, federação de futebol dos Estados Unidos, usou o programa para testar mais de sete mil jogadores juvenis, a partir de 2014. O mesmo programa é usado por times de hóquei sobre o gelo como o Vancouver Canucks e pela IMG Academy, onde os candidatos a vagas na NFL treinam antes do processo anual de seleção de novos atletas.
Os atletas podem usar o sistema enquanto treinam dribles com uma bola de basquete ou tentam se equilibrar sobre uma prancha móvel. Os resultados do treinamento podem ser divulgados, o que estimula competição entre os jogadores. Usando óculos, é possível praticar em qualquer lugar –no vestiário, em casa, no carro.
"O nosso foi instalado ao lado da sala de exercício", disse Leonard Zaichkowsky, antigo diretor de ciência do esporte do Canucks. "Os caras costumavam tentar entrar de fininho na sala para treinar fora do período estipulado".
À medida que times e jogadores começaram a despertar para o seu potencial, as aplicações do NeuroTracker parecem ter se estendido até o limite da imaginação. O sistema não só pode ser usado por atletas de modalidades tão díspares quanto o taekwondo, patinação de velocidade e rúgbi como também para avaliar concussões; para combater os efeitos do envelhecimento; como assistente para crianças com síndrome de deficiência de atenção; e como exercício de reabilitação para pacientes de derrame.
Streeter Lecka - 24.dez.2016/Getty Images/AFP
Profissionais usam videogame para melhorar cognição e desempenho no esporte
Profissionais usam videogame para melhorar cognição e desempenho no esporte
Estudos independentes reforçam os dados sobre todas essas capacidades. Um deles constatou que o NeuroTracker poderia ser usado por cirurgiões que realizam operações laparoscópicas.
A CogniSens, companhia fabricante do NeuroTracker, começou a vender uma versão em nuvem do programa, ligeiramente modificada e chamada NuTrain, por US$ 229 ao ano para usuários individuais.
"É meio louco", disse Faubert. "Estávamos respondendo a questões, perguntando certas coisas. E agora o sistema se espalhou pelo mundo".
Mas enquanto o NeuroTracker se tornava uma espécie de panaceia para o desempenho esportivo, o número de céticos quanto às suas virtudes também crescia, e alguns deles apontam que um placebo executado cuidadosamente poderia produzir as mesmas avaliações entusiásticas –e conduzir a sofrimento quando o efeito desaparecer, mais tarde.
Os críticos afirmam que é a simplicidade do jogo que permite que os usuários percebam resultados nem sempre reais, ocupando o vazio da mesma maneira que uma pintura minimalista pode inspirar profunda introspecção.
Eles apontam para a falibilidade de uma simulação que se vangloria de benefícios extraordinários para quarterbacks de elite, meio-campistas de futebol e goleiros de hóquei –atletas de esportes distintos e não relacionados. A incredulidade está associada a fissuras na fundação do segmento de jogos para o cérebro, que vem enfrentando crescente escrutínio sobre afirmações que muita gente vê como dúbias, sobre a falta de provas científicas quanto a seus resultados, e sobre práticas de marketing enganosas.
Em sete anos de expansão, o NeuroTracker se tornou o mais bem sucedido jogo de treinamento para o cérebro no esporte. Mas a questão fundamental continua presente, como sempre: ele funciona de verdade?
CORES RELUZENTES, REALIDADES VIRTUAIS
Em uma tarde de outubro, Faubert mostrou a salinha próxima de seu escritório que abriga o NeuroTracker original, um espaço chamado Cave Automatic Virtual Environment, conhecido simplesmente como CAVE (caverna). O nome é apropriado –trata-se de uma sala escura e fria, exceto pelo brilho de uma tela de 2,70 por 2,70 metros na ponta oposta de um sombrio cubículo delimitado por três divisórias.
Faubert, 57, careca, com sobrancelhas espessas e escuras e o cabelo branco que lhe resta cortado bem rente nas laterais da cabeça, é uma daquelas pessoas permanentemente otimistas, repletas de energia carismática. Sua capacidade de destilar conceitos expansivos na forma de explicações resumidas é bastante incomum nos círculos da neurociência. O mesmo vale para suas roupas: jeans, uma jaqueta de camurça, botas pesadas de couro.
Sua abordagem para responder a questões complexas sobre a capacidade única do cérebro humano de lidar com uma mistura de estímulos envolvendo todos os sentidos também é bastante incomum.
Em 2001, quando era um optometrista estudando a ciência da visão, ele investiu US$ 800 mil na construção do CAVE como um ambiente de imersão, que ocuparia todos os sentidos e permitiria avaliar o comportamento real, incorporando espelhos e sistemas gigantes de projeção. Os participantes dos experimentos teriam liberdade para se movimentar, ficar na sala o tempo que quisessem, e para se sentirem como se estivessem em outro lugar –uma forma rudimentar de realidade virtual.
Renaud Philippe - 25.out.2016/The New York Times
Jocelyn Faubert, criador do NeuroTracker
Jocelyn Faubert, criador do NeuroTracker
A pesquisa inicial de Faubert envolvia questões relacionadas à visão periférica, postura ou equilíbrio. Mas ele acrescentou programas derivados, entre os quais um exercício simples envolvendo oito esferas amarelas que tinha por base experimentos sobre o rastreamento de múltiplos objetos conduzidos pelos psicólogos Zenon Pylyshyn e Ron Storm nos anos 80. Com algumas alterações, e óculos 3D, Faubert acreditava que o programa pudesse vir a ter outros usos científicos.
Motivado em parte por sua curiosidade pessoal, Faubert começou a convidar atletas para visitas ao laboratório, e a que tentassem acompanhar o movimento das esferas. Entre os primeiros participantes estavam a esquiadora olímpica Jennifer Heil e o boxeador Jean Pascal. E os dois se provaram altamente capazes de acompanhar o movimento de múltiplos objetos simultaneamente.
Quando Faubert começou a ver a rapidez com que eles melhoravam seu desempenho no jogo, sua curiosidade cresceu. "Essa foi realmente a assinatura, para mim", disse Faubert. "Não o ponto em que eles começam, mas o ponto a que vão".
Oito esferas numeradas saltitam aleatoriamente em torno de um cubo, que o jogador vê por meio de óculos 3D. No começo, quatro das esferas serão vermelhas, indicando que aquelas são as esferas que devem ser acompanhadas. Mas o vermelho só dura um segundo. Logo elas voltam a ser amarelas, e depois se dispersam em meio às curvas, colidindo com o cubo e as demais esferas, como bolas de bilhar dispersadas na mesa depois da tacada inicial.
Depois de oito segundos, uma mensagem pede que você recorde os números das esferas que começaram vermelhas. Não é mais complicado que um daqueles jogos de cartas jogados nas esquinas das grandes cidades, que envolvem descobrir embaixo de qual das três cartas está escondida a moeda. Mas o teste de seguir quatro objetos em rápido movimento é notavelmente rigoroso, desafiando as capacidades visuais e perceptuais, e sistemas cognitivos como a conscientização espacial, concentração e memória funcional.
Faubert eleva a velocidade aos poucos, intensificando os saltos das esferas, tornando mais e mais difícil acompanhar seu movimento. Para cada resposta correta, você avança um nível; quando a resposta é incorreta, você cai: a velocidade se reduz. No final de um teste de oito minutos, você recebe seu placar.
Jean Castonguay, advogado empresarial com histórico no setor de startups, foi informado sobre o programa e viu nele uma oportunidade de negócios. Propôs tirar o programa do laboratório e colocá-lo no mercado. Ele criou a CogniSens, alugou escritórios perto da universidade, identificou clientes e ajudou a criar um nome mais chamativo.
O nome original do NeuroTracker era 3D-MOT, ou rastreamento tridimensional de múltiplos objetos; os jogadores do Manchester United chamavam o programa de "caça-bolas".
A maioria dos clubes prefere não falar sobre seu uso do NeuroTracker –que só tem um porta-voz publicitário pago, Aaron Cook, atleta do taekwondo olímpico–, provavelmente por medo de perder sua vantagem competitiva. Mas o Atlanta Falcons foi uma exceção, permitindo que Ryan respondesse a perguntas sobre o programa.
O quarterback, que já foi diversas vezes ao Pro Bowl (o jogo das estrelas da NFL), visitou pessoalmente o laboratório em junho de 2015 e disse que o NeuroTracker melhorou sua percepção espacial, o tipo de visão de que ele precisa para vasculhar o campo em busca de receptores desmarcados.
"Isso é essencial como quarterback, ser capaz de ver muito rápido as coisas e como elas se relacionam umas às outras ", disse Ryan. "Acho que é exatamente isso que o NeuroTracker ajuda a fazer".
Ele considera o sistema como tão crucial para o seu desempenho quanto os exercícios com peso ou de agilidade.
"Passamos muito tempo trabalhando em nossos corpos", disse Ryan. "Mas é igualmente importante ter a mente trabalhando em alto nível".
O NeuroTracker afirma, de fato, que com um sistema profissional vendido por US$ 6 mil são necessárias apenas 12 sessões de treino de cinco minutos de duração para que atletas comecem a perceber benefícios sustentáveis para seu desempenho em campo.
Renaud Philippe - 25.out.2016/The New York Times
Jocelyn Faubert em frente a uma representação virtual de um Shopping
Jocelyn Faubert em frente a uma representação virtual de um Shopping
"Eles verão a melhora em seu desempenho", disse Castonguay, o principal investidor na companhia.
Os supostos benefícios provaram ser variáveis. Um dos primeiros clientes foi Zaichkowsky, veterano psicólogo do esporte na Universidade de Boston que foi contratado pelo Vancouver Canucks para criar um programa de ciência do esporte em julho de 2010. Ele persuadiu os dirigentes a criar uma sala do NeuroTracker no centro de treinamento do time, a um custo de cerca de US$ 40 mil, na época.
"Conceitual e cientificamente, fazia muito sentido", disse Zaichkowsky, hoje membro do conselho científico da CogniSens.
Matt Fast, golfista profissional, esperava melhorar uma forma diferente de atenção sustentada quando começou a usar o NeuroTracker na tour Web.com, em 2014. Ele sentia que quando jogava o caótico jogo de rastreamento de esferas pela manhã, suas tacadas melhoravam significativamente, mais tarde no dia.
"Tudo mais desaparece exceto aquilo que os olhos têm em foco", disse Fast. "Minhas melhores tacadas aconteciam nos dias em que usava o sistema. Acredito totalmente que funciona".
Há quem tenha se intrigado com o potencial de coleta de dados do NeuroTracker e com sua utilidade como ferramenta para olheiros. Uma dessas pessoas é Jared Micklos, diretor da academia de desenvolvimento da U. S. Soccer. No final de 2014, ele assinou um contrato de três anos com a companhia para testar jogadores juvenis nos períodos de treinamento da academia, em junho e dezembro. Ele disse que os dados estão começando a gerar algumas revelações interessantes sobre a diferença entre as posições.
Agora é possível acompanhar o progresso dos jogadores entre os 14 e os 17 anos, especialmente os que avancem para categorias superiores, como a seleção nacional.
"Existe correlação entre resultados e o desempenho em campo?", disse Micklos. "Os resultados são altos? Se for o caso, então sim, continuar os testes pode fazer sentido".
Caroline Calvé, atleta canadense de snowboard, disse que se não tivesse abandonado as competições no ano passado, continuaria a usar o NeuroTracker. Ela começou a usar o programa e outros produtos de treinamento mental para ganhar mais concentração, uma área que ela disse ter sido um grande problema para o seu desempenho na Olimpíada de Inverno de 2010, em Vancouver.
"O sistema me deu tempo para praticar o meu foco", disse Calvé, acrescentando que "é difícil medir o resultado. É difícil determinar se foi por isso que me saí melhor. Será por que desenvolvi mais controle, repentinamente, ou por que minha confiança aumentou? É difícil distinguir".
Qualquer que tenha sido a motivação, porém, Calvé não tem o que discutir sobre os resultados. Ela saltou da 20ª posição em 2010 para a sexta posição em 2014, no slalom gigante paralelo.
"O fato de que eu estava treinando foco é algo que, sim, sinto ter me ajudado", ela disse.
Renaud Philippe - 25.out.2016/The New York Times
Thomas Romeas usa equipamento da CogniSens
Thomas Romeas usa equipamento da CogniSens
O MITO DA CAVERNA
Quando a Nintendo criou o "Brain Age", em 2005, um videogame de tarefas mentais que nada tem em comum com Mario ou Luigi e determina a velocidade com que os jogadores conseguem completar tarefas de agilidade mental como contagem rápida, memória verbal e Sudoku, o jogo foi anunciado como método para "flexionar os músculos da mente". O produto se baseava em larga medida no trabalho de um renomado neurocientista japonês e vendeu bem.
O resultado foi uma corrida comercial para lançar aplicativos de treinamento cognitivo no mercado geral. Em 2013, o Lumosity, um dos concorrentes de maior sucesso, já contava com 50 milhões de usuários, atraídos pela ideia de que os jogos oferecidos pelo sistema poderiam ajudar na melhora do desempenho profissional ou escolar.
Mas a ideia de que praticar uma tarefa pode melhorar a capacidade para realizar tarefa diferente –conhecida como transferência– é contestada há muito tempo. Em 1906, o psicólogo Edward Thorndyke constatou que treinamento rigoroso ajudava os estudantes a estimar a área de retângulos mas não os ajudava a estimar a área de outras formas geométricas. Mais um século de pesquisa foi dedicado a reformular e redefinir, expandir e restringir, essa linha de raciocínio.
Sir Charles Sherrington, neurofisiologista premiado com o Nobel, também acreditava que "a aquisição de um hábito não é transferível para além de sua aplicação". O seminal estudo de K. Anders Ericsson sobre a especialização –a chamada regra das 10 mil horas– enfatizava treinamento específico para a capacitação em pauta. Isso quer dizer que memorizar uma quantidade extraordinária de números provavelmente não beneficiaria a capacidade de lembrar nomes. Jogar Tetris vai tornar a pessoa um jogador de Tetris melhor, mas não vai ajudá-la no malabarismo.
Com o NeuroTracker, Faubert dedicou algum esforço a refutar essa ideia, mas nem todo mundo se deixou convencer. Williams, da Universidade do Utah, contestou a ideia de que acompanhar objetos que saltitam em uma simulação pode treinar ou quantificar qualquer outra coisa que não a capacidade da pessoa para rastrear objetos saltitantes em uma simulação.
"Jamais vi um jogador de futebol caçando balões bicolores pelo campo", disse Williams. "Não é isso que um jogador de futebol faz".
O que os jogadores de futebol fazem, segundo ele, é ler padrões de jogo, antecipar o que pode acontecer a seguir com base nos movimentos de colegas e adversários, e identificar sequências familiares à medida que elas se desenvolvem. Esse conhecimento "específico", construído ao longo do tempo, promove a efetividade e a eficiência que, na interpretação de Ericksson, são os marcos da especialização.
Williams não está sozinho em seu ceticismo. Em uma resenha abrangente publicada na edição de outubro da revista especializada "Psychological Science in the Public Interest", pesquisadores criticaram as generalizações abrangentes promovidas pelo segmento de "jogos para o cérebro", que movimenta US$ 1,3 bilhão ao ano, quanto à "melhora cognitiva". Os pesquisadores concluíram que as provas de que o software comercial de treinamento do cérebro era capaz de melhorar as capacidades cognitivas fora do laboratório eram "limitadas ou inconsistentes", ao contrário do que as companhias fabricantes descrevem.
Em janeiro de 2016, a Lumos Labs, fabricante do Lumosity, encerrou por acordo um processo movido pela Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos por acusações de publicidade enganosa, concordando em pagar US$ 2 milhões em indenização.
A CogniSens foi uma das 30 empresas que o principal autor do relatório, Daniel Simons, usou para sustentar a análise do estudo, identificando-a como uma das mais de 10 empresas que não mencionavam provas revisadas cientificamente para os seus estudos de intervenção. Castonguay disse ter respondido por e-mail a Simons que sua empresa publicou múltiplos estudos que sustentam o trabalho do NeuroTracker, mas não ofereceu links para o site da empresa.
Peter Cziborra - 7.dez.2016/Reuters
Treino de jogadores do Manchester United; clube usa tecnologia para melhorar cognição dos jogadores
Treino de jogadores do Manchester United; clube usa tecnologia para melhorar cognição dos jogadores
O site agora apresenta 12 estudos e relatórios que sustentam as afirmações da CogniSens.
Um dos estudos é uma pesquisa de Faubert publicada na edição de janeiro da revista especializada "Psychology of Sports and Exercise", que descrevia uma melhora significativa na precisão dos passes dos jogadores do time de futebol da Universidade de Montreal depois de apenas 10 sessões com o NeuroTracker. No entanto, a precisão dos passes no estudo era avaliada pelos treinadores –um método subjetivo de avaliação, mesmo que eles fizessem o possível para ser honestos.
Outro estudo citado frequentemente foi conduzido pelos pesquisadores do Instituto de Fisiologia do Exercício e Bem-Estar da Universidade do Centro da Flórida. Trabalhando com o Orlando Magic, um time da time de basquete profissional dos EUA, eles testaram 12 jogadores usando o NeuroTracker antes da temporada de 2012/2013, e compararam os resultados às suas estatísticas em quadra no final da temporada. A constatação foi de que os jogadores que se saíram melhor no NeuroTracker tiveram números melhores de assistências e bolas roubadas, e entregaram menos a bola aos adversários.
Os autores não mencionaram que, naquela temporada, o Magic tinha um novo treinador, Jaque Vaughn, que adotou um estilo de jogo mais rápido e agressivo do que o de seu predecessor Stan Van Gundy, o que pode ser a causa da alteração estatística.
Castonguay disse que pode ser difícil obter o acesso necessário para estudos que envolvam atletas profissionais. Mas, disse ele, "uma coisa é clara: somos a intervenção cognitiva com mais base em provas concretas que existe no planeta. Ninguém chega perto".
Faubert afirmou em e-mail o que a transferência perceptual-cognitiva é "uma das questões mais difíceis de responder" no esporte, afirmando que é difícil chegar a "um conclusão ampla quanto à eficiência ou ineficiência do treinamento". Ele acrescentou que "nós e outros estamos acumulando provas quanto ao fato de que ele desempenha um papel, mas restam muitas questões científicas".
Rob Gray, professor associado no Laboratório de Percepção e Ação na Universidade Estadual do Arizona e apresentador de um popular podcast sobre assuntos de ciência do esporte, acha que o NeuroTracker remove o contexto esportivo ao ponto de tornar impossível provar o tipo de transferência drástica necessária a permitir que os bons resultados que uma pessoa consegue em casa se traduzam em gols na Premier League.
"Um dos grandes problemas, para mim, é que o movimento do NeuroTracker é completamente aleatório e desestruturado", disse Gray. "O ponto de contemplar uma cena de basquete, se você é um armador, é exatamente que ela é estruturada. Perceber a estrutura específica de um esporte é altamente importante".
Que tantos atletas e equipes esportivas de sucesso, a exemplo de Ryan, acreditem nos resultados do NeuroTracker não surpreende de todo.
"Se você pratica alguma coisa por tempo suficiente, melhora nela", disse Williams. "Se você melhora, isso aumenta sua autoconfiança e autoestima, e você sente estar melhorando. É essencialmente um efeito placebo".
"Aquele pequeno sanduíche"
Alguns defensores do NeuroTracker acham que o verdadeiro problema é que ele pode ter chegado antes da hora.
"Existe enfim uma apreciação da importância da mente, além do corpo, no trabalho de alto desempenho", disse Zaichkowsky, o cientista do esporte. "Jamais tivemos metodologia aceitável para treinar esse aspecto".
Mas é nesse ponto que as opiniões sobre essas metodologias divergem.
Daniel Laby dirige o Centro de Esporte e Desempenho Visual no Colégio da Optometria da Universidade de Nova York. O centro tem uma pequena sala com balas de basquete e vôlei espalhadas pelo chão, perto de um tapete de golfe, Laby define o espaço como "sala de brinquedos".
Kim Raff - 14.jan.2017/Associated Press
Jogadores do Orlando Magic participaram de estudo com o NeuroTracker na temporada 2012/2013
Jogadores do Orlando Magic participaram de estudo com o NeuroTracker na temporada 2012/2013
O trabalho dele, porém, envolve testar o equipamento de treinamento cognitivo criado para o esporte. A sala parece estar encolhendo. Está se tornando cada vez mais difícil distinguir o que é útil, o que parece ter chegado antes da hora, e o que é lixo. Os produtos não param de chegar ao escritório.
"Todos os outros caminhos para buscar vantagens já foram esgotados", diz Laby. "Os times querem uma vantagem. Essa vantagem agora parece associada a essa área da ciência do esporte, e especialmente ao reino da visão cognitiva-neural".
O problema, diz Laby, é que o entendimento desse campo ainda está surgindo.
Faubert fez o mesmo comentário, em seu laboratório, ao falar da intuição que o colocou no caminho do NeuroTracker. A capacidade de processamento mental de um atleta é como "um pequeno sanduíche combinando todas capacidades físicas do atleta e seu conhecimento do jogo", ele disse.
Não existem duas jogadas exatamente iguais. Por conta dessa incerteza, os atletas precisam depender de algo que não foi treinado ou praticado. Pode ser apenas percepção espacial ou concentração. Ou pode ser algo que apenas as oito esferas amarelas são capazes de determinar.
"Essa capacidade parece ser mais importante do que as pessoas compreendem", disse Faubert. "Não sei o quanto é importante. Mas não há como esses atletas de elite serem tão melhores que os outros, mesmo no esporte amador, se isso não for importante. O que significa que essa é uma qualidade essencial. Mas de que maneira?"
Ele deixou a questão no ar. Era quase possível perceber as esferas amarelas se dispersando em sua cabeça.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Marcos Almeida

    [email protected]

    Marcos Almeida é assessor esportivo, especialista em Ciência da Musculação e mestre em Ciência da Motricidade Humana.