O século eixo
29/01/2017 10:45
O século eixo
Arthur Soffiati
 
Dos 13.800 bilhões de anos de história do Universo, destaco os 10 bilhões de anos de história do nosso sistema planetário. Dele, seleciono os 4.500 bilhões de anos de história da Terra, enfocando desse tempo, particularmente, os 3.600 bilhões de anos da vida. Dentro dele, escolho os 7 milhões de anos de história dos hominídeos, família da qual fazemos parte. Mas faço um recorte menor. Fico com a idade do gênero Homo, o nosso gênero, cuja origem está datada até o momento em 2.200 milhões de anos. Afunilando mais ainda meu foco, seleciono os 200 mil anos do Homo sapiens, a nossa espécie. Indo mais adiante no recorte, enfoco os 11 mil anos que chegam até hoje, com o nome de época do Holoceno. Dentro dele, restrinjo-me à civilização ocidental e, nela, distingo o século XV, o século eixo da história econômica, social, política, cultural e cósmica do mundo.
Assim comecei minha palestra num simpósio de ciência política e de sociologia em São Paulo, em 2016. Concluída, a primeira pergunta a mim dirigida foi se realmente eu falava de política e não de ciência. Claro que falo de política, no mínimo de política ambiental. No máximo, de ciência política. O pensamento político do ocidente foi excluindo a natureza de suas reflexões desde Maquiavel. Neste autor, a natureza é apenas uma metáfora. Hobbes não a inclui no grande contrato social. A violência de humanos contra humanos torna-se um monopólio do Estado, mas a violência contra a natureza continua sendo um direito individual. Por sua vez, Rousseau abandona a natureza com melancolia no seu contrato social. Marx e Engels reconhecem a presença da natureza no início de seu pensamento, mas a afastam aos poucos e a excluem. O mesmo sucede com Keynes. Não sem razão, Michel Serres levanta a necessidade de um contrato da humanidade com a natureza. Sem ele, a natureza certamente abalará a humanidade intensamente.
Por que escolher um tempo tão longo para analisar o Brasil e o mundo atual, foi outra pergunta. Resposta: aprendi com Braudel e Toynbee que não se explica o presente sem uma profunda perspectiva temporal. Eu falava de tendências estruturais, não de conjunturas e acontecimentos. Para sociólogos e cientistas políticos, o início da globalização costuma ser situado no fim da União Soviética, em 1991. Na minha ótica, ela começou no século XV e prossegue até os dias atuais, prometendo, por uma ação inercial, continuar por muito tempo mais. Na verdade, a experiência socialista em qualquer país não representa um rompimento com a Modernidade, com a globalização, mas outra via para levá-las adiante. Capitalismo e socialismo são duas faces da mesma moeda, a globalização. Podemos até falar em fases da Modernidade, como fez o recém falecido Zygmunt Bauman em denominar a fase atual como modernidade líquida. Creio até que caminhamos para uma modernidade gasosa.
Perguntaram-me por que a escolha do ocidente e não de outra ou outras civilizações. Porque o processo de expansão do capitalismo pelo mundo começou no ocidente, no século XV, acelerando-se no século XVIII, com a revolução industrial e com o imperialismo. Atualmente, ela se alastra com as relações de comércio e com a cibernética.
Se eu não valorizo os marcos que mencionei no início da palestra? Não é bem uma pergunta esperada de cientistas políticos e de sociólogos. É claro que valorizo. Estudo muito cosmologia, geologia, paleontologia, biologia e história. No máximo, eu poderia levantar a questão de que a constituição da família dos hominídeos e do Homo sapiens já traz um risco embutido: o de desenvolver cultura. A maioria das culturas é suportada bem pela capacidade de resiliência da Terra, mas a cultura ocidental chegou ao ponto de afetar o planeta. Para compreender o momento atual, é preciso recuar às origens do Universo e ao fim dele, embora a humanidade já tenha saído da história quando a Terra morrer. Estabeleço marcos extremos, mas estou preocupado com o momento atual.
Se o século XV assistiu a alguma inovação boa em minha opinião? Trata-se de um século-chave na história da humanidade. Na época atual, com cerca de 11.800 anos, algumas sociedades que viviam da coleta, da pesca e da caça, dominaram a agricultura e a criação de animais. Delas, formaram-se sociedades urbanas, que desenvolveram pequena atividade comercial com acumulação de capital da esfera da circulação. Entre elas, a ocidental, que empregou capital acumulado pelo comércio na esfera da produção. As Cruzadas foram uma tentativa do ocidente em conquistar áreas fornecedoras de matéria prima e produtos, tanto como mercados consumidores. Não deu certo. A expansão marítima do século XV foi a abertura da produção ocidental para outros continentes. Começa então o processo de ocidentalização do mundo, hoje denominado globalização.
No século XV, formaram-se também os Estados nacionais europeus, que acabaram sendo exportados para o mundo, primeiro por imposição, depois assumidos pelas sociedades coloniais, mas ainda ligados de alguma forma ao mundo ocidental. Ainda mais, os conflitos religiosos que desembocaram no grande cisma do ocidente, em 1517, avolumaram-se no século XV. Nenhum desses aspectos me atrai muito. O que me agrada muito é a arte renascentista, que alcançou seu momento de esplendor no século XV.
Sobre a Revolução Industrial, ela não surgiu do nada. No meu entendimento, ela foi promovida pelo capitalismo ocidental para aumentar a produção que atendesse a um mercado já ocidentalizado.
Sobre as perspectivas para o futuro? Vejo que a civilização ocidental globalizada gerou a primeira crise antrópica da história da Terra. Antes, ocorreram crises naturais globais e crises antrópicas locais. Pela primeira vez, enfrentamos uma crise ambiental antrópica e global. São doze seus sintomas principais, que não cabe discutir agora. Ou a humanidade encontra fórmulas para controlá-la ou ela nos engolirá. Temos cerca de um século para acelerá-la ou freá-la. Se tudo começou no século XV, no ocidente, tudo deve acabar no século XXI globalizado. De forma boa ou de forma ruim.

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    Aristides Soffiati

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