Mujica: um político sincero
Alexandre Bastos 09/03/2014 13:34

Quem acompanha o mundo político sabe que grande parte dos discursos não passam de teatro. Nesse palco, onde muitos aplausos são comprados, as melhores atuações são premiadas com mandatos eletivos. Tudo é combinado: tristeza, sorrisos, angústia e indignação. Porém, nesse mundo da fantasia, ainda existem alguns atores que abrem mão de seus papéis, tiram a máscara, e falam abertamente com o público. Uma dessas figuras é o presidente do Uruguai, José (Pepe) Mujica. Mesmo discordando de algumas colocações do presidente, é impossível deixar de reconhecer que ele dispensa as formalidades e opina com sinceridade sobre assuntos espinhosos.

Em entrevista ao jornal “O Globo”, publicada hoje (09), ele opina sobre temas polêmicos como aborto, casamento gay e legalização da maconha: “Aborto é velho como o mundo. A mulher na sua solidão inevitavelmente tem de se enfrentar com este problema. Para nós, a legalização do aborto e os métodos de contracepção, o trabalho psicológico, significam uma maneira de perder menos. Aqui a mulher não vai diretamente a uma clínica para fazer aborto, isto era na época em que era clandestino. Passa pelo psicólogo, depois é bem atendida. O casamento homossexual, por favor, também é mais velho que o mundo. Tivemos Júlio César, Alexandre, o Grande... Dizer que é moderno, é mais antigo do que nós todos. É um dado de realidade objetiva, existe. Para nós, não legalizar seria torturar as pessoas inutilmente. Aqui enxergamos a hipocrisia! Em muitos estados dos EUA existe um talonário vendido no comércio para receitas médicas; basta o médico assinar e dizer que você precisa de maconha para uma dorzinha aqui. É hipócrita!”, afirma Mujica, sem medo de perder a popularidade por conta de seus comentários. "Não estou preocupado. É um risco político, mas o mundo não teria mudado se agíssemos só pensando do ponto de vista eleitoral”, completa.

Em relação aos protestos em diversas partes do mundo, ele comentou: “Eu simpatizo com os protestos, mas não levam a lugar nenhum. Para construir, é preciso criar uma mente política, coletiva, de longo prazo, com ideias, disciplina, e com método. As sociedades não mudam por causa de grandes homens, mudam quando os protestos se organizam, têm disciplina e métodos de longo prazo. Temos de revalorizar o papel da política. Estes movimentos de protesto têm a vantagem do novo, e tentam alguma coisa nova porque desconfiam do velho, especialmente dos partidos, porque perderam a confiança neles. Mas as primaveras têm se transformado em inverno porque não sabem aonde ir”, opinou.

Sobre a diferença entre o sonho da juventude e a experiência no poder, ele diz: “Há 40 ou 50 anos, achávamos que chegar ao governo nos permitiria criar uma nova sociedade. Nossa maneira de pensar era ingênua, uma sociedade é muito mais complexa, e o poder é limitado por todos os lados. Limitado pelo peso que têm as corporações existentes na sociedade, limitado pelo direito e a Constituição — um limite que tem de existir. E, sobretudo, toda a política de mudança, a longo prazo, significa mudança de cultura, o mais difícil de mudar numa sociedade. Quando somos jovens, às vezes, não temos paciência para compreender, quando começamos a ser velhos, sobra paciência, mas falta força”.

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