A ilusão do mito
Os requintes de crueldade do crime são únicos, mas o caso Bruno em si é um clássico da série heróis que se tornam vilões. A questão é: quem criou o monstro? Não é o caso, obviamente, de atribuir co-autoria a mais ninguém, exceto, lógico, àqueles que participaram do episódio brutal, mas sim de compreender como a sociedade tem o poder de contribuir para dar vazão a uma psicopatia que andava lá quieta, naturalmente reprimida, e que a idolatria tratou de fazer aflorar.
O problema é que quando alguém faz um trabalho bem feito, e esse trabalho envolve a paixão de milhões de pessoas, como é o caso do futebol, o trabalhador em questão se torna um ser acima do bem e do mal, alguém inquestionável, superior. Do lado de cá, dos simples mortais, alimentamos a vaidade, copiamos moda, chamamos o politicamente incorreto de estilo, irreverência, originalidade.
O sujeito, que antes nem sonhava freqüentar os endereços do luxo, agora pode, todos os dias se quiser. Mas não lhe cobram a conta. Afinal, é o cara. Para ele, a lei é mais branda, as regras sociais são mais flexíveis. E de concessão em concessão vão sendo galgados os degraus da fama e da riqueza, do poder e da adoração.
Então, vez por outra, bate o choque de realidade. E feito novelo de lã o mito se desfaz. Descobrimos da forma mais estúpida que os sinais estavam ali, batendo à porta, mas o perfil do ídolo ofuscava a personalidade do ser humano.
Há muito mais psicopatas do que se possa imaginar cruzando nossos caminhos. O provável é que a maioria nunca chegue a nos barbarizar, porque seus desejos de horror vão esbarrar nos limites impostos aos homens comuns. E uma pessoa só deixa de ser comum quando construímos a celebridade.
Ninguém é obrigado, seja quais forem as circunstâncias, a ser bandido. E não serão a ascensão social rápida, a convivência prematura com a barbárie, que a banaliza, ou a hipocrisia do mundo dos holofotes argumentos para absolver nossos heróis de mentirinha por conta da suposta vitimização pelo sistema. A fama e o sucesso não só cobram caro, como demandam obrigações que não podem ser negociáveis em nome da demagogia.
No fim das contas, famoso ou anônimo, quem mata, seja fútil ou não o motivo, o faz porque em algum momento julgou sua vida e, por conseqüência, seus interesses, mais importantes que os do outro.
Por mais que pareça enfadonho o discurso, ou lugar comum, é preciso desde muito cedo fazer perpetuar os mais caros valores de uma sociedade, nos grandes e pequenos exemplos. Mostrar aos nossos filhos que eles não são menos nem mais. São iguais. Têm deveres iguais. Pertencem a um todo que deve, ou pelo menos deveria, ser homogêneo no quesito responsabilidade. E então, se se tornarem homens prósperos, talentosos, brilhantes, mesmo assim saberão que continuam somente pessoas, e isso já é privilégio bastante.