HOJE NA CURVA — ENTERRO DE PEIXE II
Suzy 17/09/2009 00:02
O fato de sermos fruto de uma família de mulheres fortes, apesar de aparentemente frágeis, nos preparou para muitas coisas: aprendemos a amar incondicionalmente, a perdoar (pulei algumas vezes essa aula), a enfrentar a dor, a ter condescendência com quem se acha acima do bem ou do mal, enfim itens mais do que necessários para bem viver ou, pelo menos, para não enfartar antes do tempo. Mas, como já relatei antes, uma coisa que nossa mãe não nos ensinou: lidar com a morte, mesmo que ela insistisse, como sempre faz, em surpreender. Nossa mãe achava que morte não era assunto de criança. Continuou pensando assim, ainda que já estivéssemos adultas. Talvez por sempre enxergar em nós os bebês gordinhos, as crianças risonhas e de tranças. As primeiras mortes que bateram à porta de nossa casa foram a do nosso pai e, sei lá, 20 anos mais tarde, a de nossa tia querida. Não imaginem que a espaço de tempo entre as duas amenizou a dor, o desconforto ou o atordoamento decorrente delas. Vieram de maneira rápida e varreram qualquer estabilidade, tiraram o chão. Quando chegou a vez de nossa mãe, ela chegou lenta. Aos poucos, corroendo, mas, estranhamente, fortalecendo os sentimentos. Dando chance de preparação, dando oportunidade para conversas. Aquelas conversas que sempre ficam para trás (sempre acreditamos que podemos deixar algo para amanhã, não é verdade?). Não estou dizendo que não seja difícil. É e muito, mas você sabe que ela está por perto. Essa “informação”, você usa como quiser. Pode se revoltar, se deprimir, não suportar. Ou se revoltar, deprimir, suportar e aproveitar para beijar os seus. Telefonar para aquela amiga distante, com quem não conversa há tantos anos e que, sempre que encontra na rua, solta a pérola: “Vamos marcar algo qualquer dia”. Algo que não acontece, dia que nunca chega. Com essa difícil estrada, nossa mãe ensinou o que, antes, para ela, era inconcebível. Semana passada, me referi à entrevista do vice-presidente José Alencar que, como milhares de pessoas no mundo todo, luta contra um câncer agressivo e sem mais chances de tratamento. Ele lembrou da oração ensinada por uma professora da infância: “Deus nos livre da morte repentina”, afirmou que aprendeu a ser mais humilde e, ainda, que está preparado para a morte. Hoje, quando escrevo essa crônica, o câncer matou um ídolo dos anos 90, Patrick Swayze, que também lutou valentemente, escreveu suas memórias, teve a família a seu lado, acertou a vida. Enfrentou a morte. Do lado de cá do mundo, vamos vivendo e tentando ensinar o que não aprendemos na teoria, mas sim na prática. A morte é inevitável. A dor e a saudade raramente passam. O que faz diferença é a maneira como enfrentamos tudo isso. E como vivemos nossa vida. Nossa nova geração estará mais preparada. Semana passada, John, o peixinho de Leninha, morreu. Ela chorou, se lamentou e decidiu... enterrá-lo. E lá estava eu, numa manhã ensolarada de domingo, abrindo um buraco no jardim. Joga o bicho, joga a água junto, diz umas palavras em homenagem. Tapa o buraco, planta uma Onze Horas em cima. “Vamos lavar as mãos, mamãe. Estou com fome”. Pronto. O assunto estava encerrado. Ele seria lembrado, com carinho, mas sem uma dor desesperada, arrastada. Acho que, enfim, aprendemos a lição.

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    Suzy Monteiro

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