Hoje na Curva — Enterro de peixe
Suzy 08/09/2009 23:07
Frutos de uma família de (fortes) mulheres, aprendemos muito cedo coisas importantes e que levamos para a vida toda, como a importância de ser independente, a necessidade de amar e criar bem os filhos e saber cozinhar — confesso que essa última parte demorei a absorver. Mas, frutos de uma família de fortes, santas e lutadoras mulheres, também tivemos, em contraponto, uma proteção excessiva contra sofrimentos. Não que eles não viessem. Pelo contrário, sempre insistiam em estar presentes, mas, principalmente minha mãe, colocava uma capa em torno das filhas e seguia em frente, sempre se preocupando em mostrar o lado bom da vida. E o lado bom, não entendam aí como um carro do ano, uma viagem espetacular, uma roupa de griffe. Definitivamente, este não era o nosso mundo. O nosso lado bom era saber dividir emoções, contarmos sempre com ela, a qualquer hora e em qualquer situação. E rir, rir inclusive dos momentos mais difíceis, de maior carência ou privação. Porém, houve uma coisa que nossa mãe não nos ensinou: foi lidar com a morte, ainda que ela, sorrateira, aparecesse, surpreendentemente, de quando em vez. Já maiores, na adolescência ou fase adulta, seguíamos um código: mamãe falava, vamos visitar fulano porque não sei não. Sabia e era bater e valer. Fulano estava mesmo a caminho do tal descanso eterno. Fruto, também, de uma família de mortes repentinas, que desequilibravam as estruturas, mesmo com a base se mantendo firme, fomos, minha irmã Soraya e eu, aprender, a custa de muita dor, a esperar a morte, quando ela se anunciou em nossa base. E, aí, já não éramos somente nós. A família havia crescido e uma nova geração estava sendo criada. Cada um a seu modo enfrentou esse calvário de dor, sofrimento e, por muitas horas, revolta. Porém, o interessante, é que, quando chegou a hora, estávamos certos da benção que foi cada instante de convivência, a preparação para a única coisa realmente inevitável na nossa existência: morrer. Esta semana, a revista Veja traz uma entrevista com o vice-presidente José Alencar, onde ele fala da morte e do seu difícil percurso até ela. Como milhões de pessoas no mundo inteiro, Alencar trava uma batalha dura contra um câncer e, por ser um homem público, lembra que sua vida não lhe pertence. Por isso, todos acabam sabendo de detalhes que, em geral, ficam escondidos nos hospitais oncológicos ou nas casas dos doentes. Ele fala também da experiência e do aprendizado que tem sido este momento, lembra da professora que, na infância, lhe ensinava uma oração: “Deus nos livre da morte repentina” e diz que aprendeu a ser mais humilde e, ainda, que está preparado para a morte: “Não desisti de lutar...(mas) hoje a morte seria uma benção”. Só quem passou sabe do que ele está falando. Quem diz que imagina, só consegue chegar o pensamento a um milésimo da realidade. Sei que ele vai ganhar essa batalha, não ficando curado porque, no estágio e na forma como este câncer se apresenta, é (quase) impossível. Mas um dia, ele vai driblar a doença e seu corpo dirá: vou descansar. Sairá vitorioso. Já vi esse filme da vida real. (Continua...)

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    Suzy Monteiro

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