Petrobras como alavanca do NF
Aluysio Abreu Barbosa, Arnaldo Neto e Aldir Sales 22/08/2018 22:21 - Atualizado em 26/08/2018 13:12
“Aquecer a economia local e recuperar empregos perdidos, reativando os setores de petróleo e gás, com a reestatização da Petrobras”. É a proposta para Campos, Norte e Noroeste Fluminense do candidato do Psol a presidente e líder do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos. Por definição em sorteio, na presença de representantes dos partidos, a entrevista exclusiva, feita por e-mail, abre hoje a série que a Folha trará nos próximos dias com os candidatos a presidente da República e governador do Rio. Boulos defendeu a função social da propriedade privada e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): “é uma pessoa que tem uma história e uma trajetória que precisam ser respeitadas”.
Folha da Manhã – Sua candidatura pelo Psol nasce da sua liderança no MTST, que afirma logo ao início da sua cartilha de princípios: “o capitalismo é nosso inimigo”. Esse discurso ainda tem vez no mundo de hoje? Como e por quê?
Guilherme Boulos – O capitalismo vende que as “oportunidades são para todos”, enquanto sabemos que a desigualdade é condição vital para sua existência. Hoje, o mundo é muito mais desigual do que no século passado, conforme mostrou a Oxfam (Ong internacional, que atua em mais de 90 países). Um regime econômico em que 5% da população brasileira detêm a mesma fatia de renda de 95% e que 6 brasileiros concentram a mesma riqueza de 100 milhões não pode ser considerado um sistema que deu certo. É o capitalismo do 1%, onde os 99% pagam todas as contas.
Folha – Em que sua ação no comando de invasões em imóveis e terrenos privados nas cidades, ao longo de 16 anos no MTST, o credencia a ser presidente da República? Que garantias a propriedade privada teria em seu governo?
Boulos – A Constituição do Brasil assegura o direito à propriedade, mas afirma que todas precisam cumprir sua função social: ociosas, vazias ou abandonadas estão em condição de ilegalidade. Não sou eu que estou afirmando isso: está em nossa lei. No MTST, lutamos para que tanto a função social da propriedade quanto o direito à moradia, ambos previstos na Constituição, sejam assegurados. Morar virou um privilégio que poucos podem arcar. Quem tem que decidir entre colocar a comida na mesa ou pagar aluguel sabe do que estou falando.
Folha – Em 2017, o senhor foi detido por incitação à violência e desobediência, numa reintegração de posse em São Paulo. E a prisão foi chamada de “política”. Condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, a prisão de Lula mereceu igual classificação. Como fugir da impressão de que prisão de alguém da esquerda, para a esquerda, é sempre “política”?
Boulos – Não compactuamos com injustiças e todos os dias, infelizmente, vemos um Judiciário que toma lado. São diversos os casos de empresários invadindo terrenos públicos para fins privados e só vemos decisões judiciais contra quem ocupa porque não tem acesso à moradia digna. Enquanto prendem Lula, há provas de sobra para incriminar Aécio Neves (PSDB) e Michel Temer (MDB). O processo que condenou Lula é ilegal do começo ao fim e teve como objetivo impedi-lo de concorrer à presidência, onde, até hoje, é o favorito dos eleitores.
Folha – Antes de Lula ser preso, quatro presidenciáveis estiveram juntos no palanque de São Bernardo do Campo: ele, o senhor, Fernando Haddad (PT) e Manuela D’Ávila (PCdoB). Com o primeiro provavelmente fora do páreo, pela Lei da Ficha Limpa que sancionou quando presidente, como espera disputar o mesmo eleitor contra a chapa reserva dos outros dois?
Boulos – Em primeiro lugar, é importante reafirmar nosso apoio à candidatura e repúdio à injustiça cometida. Até a ONU emitiu comunicado pedindo que seus direitos políticos sejam respeitados. Defendemos unidos a democracia contra uma crescente onda de ódio e violência. Mas, a esquerda tem diferentes pontos de vista, incluindo o jeito de fazer política. É por isso que temos mais de uma candidatura desse campo no primeiro turno. É saudável e democrático. E o eleitor pode decidir pela chapa com propostas mais de acordo com seus princípios.
Folha – Sua imagem sempre foi muito ligada à do ex-presidente Lula. E isso foi questionado por setores do Psol, que nasceu das críticas ao comportamento ético e às alianças do PT. A esquerda brasileira um dia vai sair da sombra do lulopetismo?
Boulos – Lula é uma pessoa que tem uma história e uma trajetória que precisam ser respeitadas. O Brasil avançou muito com políticas sociais dos seus governos. Mas, sempre expressei críticas aos governos do PT, que decidiram se aliar a grandes empresários e partidos que hoje, apoiam Temer e a retirada de direitos da população. Essa opção política profundamente equivocada é questionada pelo Psol desde o início e é por isso que entrei no partido.
Folha – No debate da Band, no dia 9, o senhor lembrou matéria da Folha de São Paulo e perguntou a Jair Bolsonaro (PSL): “Quem é a Wal?”. No dia 13, Walderice Santos da Conceição, assessora parlamentar do deputado, foi flagrada vendendo açaí em Angra dos Reis e acabou exonerada. No dia 18, o Globo noticiou que MPF agora pensa em investigar o caso. Qual é o saldo?
Boulos – Walderice foi contratada com dinheiro público pelo mandato para fins privados: como ele mesmo admitiu, ela cuida de uma de suas casas em Angra dos Reis e é responsável por dar comida aos seus cachorros. Por que Bolsonaro não a paga com seu salário de R$ 33 mil ao invés de demiti-la? Esse caso mostra que Bolsonaro não representa uma alternativa. É a velha política que ninguém aguenta mais. Está há décadas no Congresso, já trocou de partido diversas vezes por pura conveniência política, votou na maioria das vezes contra os interesses dos mais pobres e da classe média, e usa o dinheiro público para seus interesses privados.
Folha – No debate da Rede TV, dia 17, o senhor ficou ao lado de Ciro Gomes (PDT), com quem trocou risos e conversas ao pé do ouvido. Considera a candidatura dele de esquerda? Como viu o isolamento que lhe impôs o PT, que deu a cabeça de Marília Arraes ao PSB de Pernambuco? O que achou dele ter definido a insistência do PT com Lula como “viagem lisérgica”?
Boulos – Existem correspondências entre projetos apoiados pela campanha do Ciro e a minha e nos posicionamos de formas parecidas sobre acontecimentos recentes da política brasileira, com o maior deles tendo sido o golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff. Quanto às movimentações ao redor de sua campanha e da do PT, lembramos que nossa proposta para a sociedade brasileira passa longe da lógica de alianças tradicionais e o modo de operação desse sistema político.
Folha – O senhor é formado na USP. Professor dela, o filósofo Pablo Ortellado publicou em 2016 o artigo “É possível falar de corrupção a partir da esquerda?”. Pelo discurso de combate à corrupção e a alguns privilégios do setor público, que o senhor e o candidato do Psol a governador do Rio, Tarcísio Motta, adotaram nos debates, alguma lição foi aprendida? Qual?
Boulos – A corrupção começa com o financiamento privado de campanha eleitoral. Os vencedores vão atender aos interesses de quem lhes financiou e não de quem votou. Nós não fazemos política assim. Ser de esquerda é governar para os 99% da população e não para uma elite minoritária que paga políticos para ser atendida.
Folha – Inegável que um dos graves problemas do Brasil hoje é Segurança Pública. A pauta é um dos principais motivos dos 20% de intenção de Bolsonaro. Qual é seu projeto para a área, sua opinião sobre a intervenção militar no Estado do Rio e o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes?
Boulos – Bolsonaro se aproveita do momento crítico que estamos vivendo para vender saídas fáceis e covardes. Armar o povo é ideia de quem não tem competência para resolver o problema. Isso só traria mais violência, mortes e insegurança para toda a população. É dever do Estado atuar e não se abster dessa responsabilidade, fazendo com que os cidadãos se arrisquem. Segurança pública não se resolve com mais militarização, cadeia e armamento e os números alarmantes comprovam isso. Em 2017, o Brasil gastou quase R$ 85 bilhões, o equivalente a 1,3% do PIB. Mas no mesmo ano registrou 7 mortes por hora, um recorde de violência. No Rio de Janeiro, desde o início da intervenção militar, foram gastos mais de R$ 46 milhões apenas do governo federal. Vamos investir inteligência e prevenção, combatendo o mal na raiz. O governo fluminense gastou só R$ 258 este ano em informações e inteligência, segundo o portal da transparência. Vamos construir um sistema de informação para mapear o dinheiro sujo, desmantelar os esquemas de lavagem de dinheiro e colocar fim ao tráfico de armas. Esse investimento é mais baixo e produz resultados diretos, sobretudo na otimização do trabalho das forças de segurança, que são uma das que mais matam e mais morrem no mundo. Vamos impedir que os fuzis que mataram Marielle Franco e Anderson Gomes cheguem às mãos de outros.
Folha – O senhor já declarou que pretende revogar a reforma trabalhista aprovada pelo governo Michel Temer (MDB). E falou em plebiscito. O que colocar no lugar? E como?
Boulos – Menos direitos não geram mais emprego, como alguns candidatos gostam de propagar. Em 2018, o governo planejou a criação de 1 milhão de empregos formais e a meta já caiu para 20% disso. O número de desempregados só cresce. Para a economia voltar a crescer e gerar empregos, devemos mexer nos privilégios do 1% mais rico que deita e rola enquanto o trabalhador tenta sobreviver de bico em bico. Por isso, faremos a reforma tributária para aliviar a classe baixa e média e para que os ricos comecem a pagar imposto no Brasil.
Folha – Outro dos principais problemas do Brasil é o desemprego. São cerca de 13 milhões, dos quais 3,3 milhões simplesmente desistiram de buscar vaga no mercado de trabalho. Como reverter esse quadro?
Boulos – Nenhum país saiu de crise econômica sem investimento público. Em nosso governo, faremos o “Levanta Brasil”: um programa de investimento público direto que vai gerar 6 milhões de vagas diretas e indiretas em apenas 2 anos. Vamos ajudar as pequenas e médias empresas nesse ciclo com programas de crédito adequados a sua realidade. Serão obras de infraestrutura viária, logística e social, sobretudo nas regiões mais atingidas pela crise ou com carência de infraestrutura. Nosso orçamento virá da revisão de exoneração fiscal bilionária concedida às grandes empresas e de uma reforma tributária progressiva, que tire o peso das costas dos trabalhadores e da classe média e faça quem ganha mais, pagar mais.
Folha – Seu economista, Marco Antonio Rocha, declarou recentemente que “a Previdência não é a fonte do nosso atual problema fiscal e será um problema apenas no médio prazo”. A reforma da Previdência está descartada no seu governo?
Boulos – Conseguimos barrar a reforma da Previdência nas ruas e somos totalmente contra esse modelo que quer que o trabalhador se aposente em seu túmulo. É muito fácil apontar o déficit da Previdência, quando o dinheiro que deveria ir para ela está sendo retirado e direcionado para os mais ricos. Temos R$ 450 bilhões de estoque de dívida de grandes empresas com a Previdência no Brasil. Além disso, hoje, 30% do total da arrecadação por meio da DRU (Desvinculação das Receitas da União) é desviado de sua finalidade original para pagar juros da dívida pública.
Folha – A exploração de petróleo na Bacia de Campos é a principal fonte de orçamento de muitos municípios da região. Qual é a sua posição sobre a possibilidade de privatização da Petrobras? E sobre as privatizações, de modo geral?
Boulos – Privatizar serviços essenciais não faz parte do meu programa. As empresas públicas não têm que dar lucro para acionistas, mas sim universalizar direitos com qualidade para toda a população. Na Petrobras, desde o ano passado, Temer subordinou o preço interno do combustível ao preço do barril de petróleo internacional. Prioriza-se o lucro dos investidores ao bem-estar da população, que vê o preço da gasolina e do botijão subir cada vez mais. Além de vender a preço de banana a participação na exploração de campos da Petrobras, ainda aprovou isenção, durante 20 anos, para multinacionais do petróleo e autorizou a importação de combustível. Esse “presente” dado de mão beijada pode chegar a R$ 1 trilhão.
Folha – Aprovada no Congresso Nacional, a partilha dos royalties do petróleo entre estados e municípios produtores com todos os demais da União está pendurado desde 2013 por uma liminar da ministra Carmem Lúcia, do STF. Qual a sua posição a respeito?
Boulos – Temos que separar duas questões diferentes sobre a partilha dos royalties do petróleo. Em primeiro lugar, defendemos que para os campos do pré-sal seja mantida a proposta original do projeto de lei apresentado no governo Dilma que previa o repasse de 75% dos royalties do pré-sal para educação e 25% para saúde. A segunda questão é sobre a mudança no regime de partilha entre estados e municípios produtores e não produtores e a União. A estimativa é que a arrecadação com os royalties para 2018 alcance cerca de R$ 40 bilhões. É um volume significativo, mas a capacidade de se utilizar os royalties para políticas que tenham efeitos significativos para a população depende de uma certa centralização desses recursos. A mudança da partilha, favorecendo estados e municípios não produtores, ainda que ofereça alguma folga fiscal em um momento de queda de arrecadação de estados e municípios, torna os recursos mais dispersos. Uma outra questão é que entendemos também que os recursos dos royalties devem estar relacionados com a reparação de impactos negativos eventualmente criados pela exploração do petróleo, que incluem além de possíveis acidentes ambientais, o crescimento urbano desordenado e os efeitos sobre a especialização da estrutura econômica da região em uma commodity de alta volatilidade de preços no mercado internacional. Por isso, entendemos que deve se manter maior centralidade sobre a arrecadação destes recursos, mas ao mesmo tempo, os recursos devem ser aplicados em fundos para a diversificação econômica das regiões produtoras, para que não fiquem reféns das receitas do petróleo apenas. E também em políticas voltadas ao desenvolvimento de regiões não produtoras de petróleo.
Folha – Somos um jornal regional. O que Campos, Norte e Noroeste Fluminense devem esperar de Guilherme Boulos presidente?
Boulos – Vamos aquecer a economia local e recuperar empregos perdidos, reativando os setores de petróleo e gás, com a reestatização da Petrobras, e também de infraestrutura, com o programa “Levanta Brasil”. Paralelamente, vamos apoiar com uma linha especial de crédito do BNDES micro, pequenas e médias empresas, além de produtores rurais locais.

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