Reforço chega depois de quase seis meses
Victor de Azevedo 04/08/2018 18:26 - Atualizado em 07/08/2018 13:50
Divulgação
Quase seis meses depois do início da intervenção federal na Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, Campos recebeu, na semana passada, a sinalização de que a situação crítica da violência no município, especialmente em Guarus, começa a ser vista com outros olhos pelas autoridades de segurança. Um veículo blindado do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro (Bope), do modelo Urutu, cedido pelas Forças Armadas, chega ao 8º Batalhão de Polícia Militar (BPM) para operações de combate à criminalidade nos bairros da margem esquerda do rio Paraíba do Sul. A chegada do “reforço” renova as esperanças dos moradores do subdistrito que convivem diariamente com homicídios, troca de tiros, roubos e um cenário de guerra. Enquanto a ajuda federal não chega, o 8º BPM realizou operações para reduzir os índices de criminalidade que cresceram de forma assustadora em Guarus.
O apoio da intervenção federal era esperado em Campos desde maio deste ano, quando o secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, general Richard Nunes esteve no município e conheceu de perto a realidade da violência. A viatura do Bope será utilizada segundo as necessidades do 8º BPM e o roteiro será feito de forma sigilosa e criteriosa.
Segundo o Comando Militar Leste, a viatura blindada foi levada na última terça-feira (31) para a 2ª Companhia de Infantaria, em Guarus. Outras duas viaturas cedidas pelo Exército Brasileiro ficaram na capital. “O blindado foi transportado por meio de prancha das Forças Armadas, tendo esse apoio logístico sido solicitado pela própria PM, a fim de empregar o veículo em operações policiais naquela região”. Até o fechamento da edição, segundo dados da Folha da Manhã, Campos registrava 142 homicídios no ano.
Violência em Guarus
Violência em Guarus / Antônio Leudo
Para o presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Campos, Ivanildo Cordeiro, a medida é válida, mas ainda é muito pouco para resolver a situação. “A chegada do blindado ajuda, mas é muito pouco em relação ao que o município e a região precisam. Precisamos de uma atenção maior por parte da secretaria de Segurança Pública. Mas devido às dificuldades que eles estão atravessando em todo Estado, pelo menos estão atendendo a solicitação do comandante para fazer um reforço em determinados pontos da cidade que estão com índices altos de criminalidade”, ressaltou.
Antes da chegada do veículo blindado, a secretaria de Segurança Pública destacou que providências foram tomadas para coibir a criminalidade no município, como a priorização do policiamento nas ruas e a reavaliação de licenças por meio de juntas médicas. Já a coordenadoria de Comunicação Social da Polícia Militar informou que a previsão é que o 8º BPM receba ao todo 16 viaturas para reforço na segurança.
O delegado titular da 146ª Delegacia de Polícia (DP), de Guarus, Luís Maurício Armond, aprovou o envio da ajuda e defende uma avaliação das autoridades para o uso. “Toda ajuda é importante pra gente. É um instrumento que vai ser utilizado em toda região e vai fortalecer a segurança como um todo. E é um instrumento de confronto que deve ser utilizado após uma avaliação das autoridades e por isso, nem sempre precisa ser utilizado em Guarus, mas o importante é que chega para auxiliar a todos envolvidos nesta questão”, disse.
Operações buscam reduzir a criminalidade
Enquanto as ações coordenadas com a intervenção federal não acontecem em Campos, o 8º BPM iniciou a operação “Ressonância” em diferentes localidades do município, no início do mês passado. A maioria delas ocorreu no subdistrito de Guarus, principalmente nas áreas de conflito.
Segundo o comandante do 8º BPM, tenente-coronel Fabiano Santos de Souza, as ações planejadas resultaram em uma redução de homicídios na última semana. “Houve uma redução de homicídios na área de conflito nos últimos dias e isso é resultado das ações desenvolvidas na operação Ressonância e, logo após, a operação Servir e Proteger, que está sendo feita em todo município, mas com uma atenção especial em Guarus. E com essas operações mais intensificadas, com certeza, você sente que já houve uma queda no número de homicídios. A mudança no nome da operação foi devido ao modus operandi interno, mas basicamente a forma de atuação é a mesma”, disse.
Desde o início de julho, diversas etapas da operação “Ressonância” foram realizadas envolvendo mais de 100 policiais em cada uma. Em Guarus, a ação foi levada aos parques Eldorado e Novo Eldorado, Prazeres, Santa Rosa, Santa Helena Chatuba do Lebret e bairros vizinhos. Quase duzentos carros foram apreendidos e dezenas de pessoas foram presas. Além do subdistrito, a operação também aconteceu na Tira Gosto, Portelinha, Penha e na Baixada Campista.
As retiradas de barricadas nas comunidades também são ações constantes da Polícia Militar, que buscam eliminar obstáculos que dificultam o policiamento ostensivo nas comunidades.
Mais ocorrências na área da 146ª Delegacia
Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram a explosão da criminalidade em Guarus comparando os primeiros semestres de 2017 e 2018. Enquanto os registros de homicídios dolosos na 134ª Delegacia do Centro caíram de 43 para 32, os registrados na 146ª DP, localizada em Guarus, dispararam de 57 para 94, ocasionando aumento de 65%. Até junho deste ano, a cada dois dias, um homicídio acontecia na região. Os números colocam a Delegacia de Guarus como uma das mais violentas do Estado do Rio de Janeiro, estando a frente de DPslocalizadas na Baixada Fluminense e na capital.
Em julho, segundo dados da Folha da Manhã, dos 18 homicídios registrados em Campos, 13 foram em Guarus. A média foi reduzida, mas os números ainda são preocupantes.
Um comerciante do Parque Prazeres que preferiu não se identificar ressalta que só mantém o estabelecimento aberto porque não tem outra forma de sustentar a família. “É triste, mas o que vou fazer? Quando vim para cá, os casos de violência até existiam, mas não eram como hoje. Muitas vezes estou aqui e tenho que fechar às pressas o comércio porque começa tiroteio”, lamentou.
Delegacia de Guarus
Delegacia de Guarus / Isaías Fernandes
Violência em Guarus só cresce
A violência em Guarus mudou de status após a união entre as facções criminosas Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando Puro (TCP), em Campos, que ocorreu em meados do ano passado. Na ocasião, a fusão foi confirmada pelas Polícias Civil e Militar. Desde então, o que foi tratado como um acordo de paz pelas facções gerou um aumento da violência, principalmente em Guarus. Moradores do subdistrito passaram a conviver com homicídios, roubos e troca de tiros. Escolas chegaram ser fechadas e os casos de violência nos condomínios do Programa Morar Feliz explodiram. O crescimento da criminalidade fez surgir uma área de conflito que inicialmente ficou conhecida como “Faixa de Gaza” e posteriormente “Síria campista”.
A união das facções não deu certo e um personagem teve papel essencial nesta situação: Francio da Conceição Batista, 34 anos, o “Nolita”. Preso após a operação “Caixa de Pandora”, deflagrada pelas Policias Civil e Militar, em março deste ano, Nolita não aceitou a tentativa de unificação da TCP e ADA, que criou a TCA, e iniciou uma disputa sangrenta pelo território do tráfico. Nolita era apontado como chefe do conjunto de casas populares do Parque Santa Rosa, que passou a ser denominado “Canto do Nolita”. O traficante era procurado há tempo pela Polícia e era apontado como o mandante no caso da adolescente torturada. Além disso, até o momento da prisão, foram registradas 55 ocorrências contra ele nas delegacias locais.
Mesmo com a prisão do “Nolita”, o aumento na criminalidade em Guarus não cessou. Escolas chegaram a ser fechadas e milhares de alunos ficaram sem aulas. As autoridades de segurança do município começaram a comparar a situação no subdistrito com a “Faixa de Gaza”. Os números da violência seguiam chamando a atenção e a “Faixa de Gaza” virou “Síria campista”. A área é composta pelos Parques Santa Rosa, Eldorado, Santa Clara, Nova Campos, Novo Eldorado, Prazeres e Bandeirantes, além da Codin e Custodópolis. Coincidência ou não recentemente, em uma audiência pública sobre segurança pública na Câmara de Vereadores, o mapa que representa os bairros localizados dentro da “Faixa de Gaza” aparecia em formato de fuzil.
Para o sociólogo Roberto Dutra, a violência em Guarus tem muito a ver com a fragmentação do crime organizado. “O que explica a violência em Guarus não é o aprofundamento da desigualdade, e sim a dinâmica social e organizacional dos grupos envolvidos nessa violência que é de crime organizado. Precisamos separar o crime comum do crime organizado. No caso de Guarus é uma fragmentação muito grande de poder do crime organizado, ao contrário de áreas como Tira Gosto e Baleeira onde você tem grupos consolidados que pacificam o território. A máfia e o crime organizado sempre tiveram o interesse em pacificar o território. E é economicamente irracional esse banho de sangue em Guarus. O Estado não se faz presente e também um grupo organizado forte não se faz presente — disse.
Homicídio em Guarus
Homicídio em Guarus / Rodrigo Silveira
Falta de planejamento questionado
Duas das áreas mais violentas de Guarus são o Novo Eldorado e o Parque Santa Rosa, ambas localizadas na área de conflito. E nessas duas localidades, foram construídos condomínios do programa habitacional do Morar Feliz, criado no governo Rosinha Garotinho. As constantes ocorrências de violência nestas unidades habitacionais levaram autoridades públicas e especialistas a questionarem a análise social ampla das famílias contempladas, haja vista, que pessoas de diferentes bairros foram levadas para um mesmo local. E junto com elas, pessoas ligadas ao tráfico em áreas dominadas por facções não correspondentes.
Para o sociólogo Roberto Dutra, a falta de planejamento das casas populares ajuda a explicar a situação, mas o caos aconteceria mesmo se elas não estivessem lá. “Sem dúvida a questão das casinhas populares contribuiu para o aumento da violência. O governo não teve planejamento nenhum, misturou grupos rivais. Não que o governo tenha que seguir a lógica do crime organizado, mas ele tem que se antecipar aos problemas. Isso foi todo caos administrativo que Campos teve em administrações anteriores e que ainda não foi superado agora. As casinhas ajudam a explicar, mas a tentativa de diferentes grupos ocuparem aquele território teria acontecido de qualquer maneira”, disse.
Em nota, a Prefeitura de Campos ressaltou que em relação aos critérios para análise do perfil das famílias, a secretaria de Desenvolvimento Humano e Social informa que o trabalho foi realizado em parceria com a Defesa Civil Municipal atendendo critérios como áreas de risco. Ações são desenvolvidas à população que vive em situação de risco social, de forma abrangente, através dos 13 Centros de Referência em Assistência Social (Cras), espalhados pelo município, por territórios. “Estamos concluindo o Centro de Artes e Esportes Unificados, que ficou popularmente chamado de Praça CEU. Em paralelo à conclusão da obra, encontros são realizados periodicamente com moradores das comunidades do entorno para desenvolver o sentimento de “pertencimento” do espaço, localizado em uma região que contempla moradores dos parques Santa Rosa e Eldorado, um espaço que vai reunir esporte, lazer e cultura” informou a secretária Sana Gimenes.
Insegurança chegou a prejudicar educação
A violência desenfreada em Guarus causou reflexos também nas escolas do subdistrito, trazendo prejuízo a milhares de alunos. Por várias vezes, as unidades de ensino foram fechadas por determinação do tráfico. Inclusive, a Escola Municipal Eunícia Ferreira da Silva, no Parque Santa Rosa, foi atingida por estilhaços de bala após uma troca de tiros.
Em março, cerca de três mil alunos de oito escolas dos bairros Parque Eldorado e Codin, em Guarus, ficaram sem aulas. A determinação teria vindo do tráfico que espalhou cartazes colados em postes próximos as unidades ameaçando quem insistisse em assaltar os comércios locais, usar drogas ou traficar perto das escolas, além de desrespeitar crianças, meninas e funcionários das unidades. A ação teria partido da facção Amigos dos Amigos (ADA).
Já em junho, escolas do Parque Santa Rosa também tiveram aulas suspensas devido à troca de tiros na comunidade. A janela da Escola Municipal Eunícia Ferreira da Silva foi atingida por estilhaços de bala, mas ninguém ficou ferido. Mais de 2.600 alunos das escolas Lions I, Eunícia Ferreira da Silva, Ciep 270 Ataíde Dias e a Creche Escola Zumbi dos Palmeiras ficaram sem aulas diante do quadro de violência.
O fechamento das escolas em março foi uma determinação da secretaria municipal de Educação, Cultura e Esporte (Smece). A medida tinha como objetivo proteger a integridade física de funcionários e alunos. A Polícia foi às escolas, conversou com a comunidade escolar e reiterou a importância de comunicar a polícia, antes de tomar alguma atitude. Já em junho, durante a entrada e a saída dos alunos, nos dois turnos, viaturas da Polícia Militar reforçaram a segurança nas unidades do Parque Santa Rosa.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS