Proteína capaz de recuperar memória
03/04/2018 16:35 - Atualizado em 05/04/2018 20:46
Complicações neurais desencadeadas por problemas como concussões e por doenças neurodegenerativas desafiam médicos e pacientes devido à escassez de tratamento e à prevenção limitada. Com o objetivo de mudar esse cenário, cientistas dos Estados Unidos trabalham no desenvolvimento de uma droga que tem se mostrado promissora quanto à estimulação cerebral. Análises feitas em ratos renderam resultados positivos, e os pesquisadores também conseguiram observar minuciosamente a ação da molécula no órgão das cobaias. Segundo eles, as informações obtidas poderão ajudar na criação de um composto que servirá de base para uma droga a ser usada contra o Alzheimer e outras enfermidades do tipo. Os achados da pesquisa foram divulgados na última edição da revista Science.
A droga testada — o inibidor de resposta ao estresse integrado (ISRIB) — foi descoberta em 2013, após uma extensa triagem de substâncias capazes de alterar a resposta ao estresse no corpo humano, evitando, dessa forma, o surgimento de problemas cognitivos. “O ISRIB foi isolado num rastreio de uma biblioteca de cerca de 100 mil compostos. Ele foi uma das 28 moléculas em potencial selecionadas pela nossa equipe”, conta Peter Walter, bioquímico da Universidade da Califórnia e principal autor do estudo. Nos testes, o ISRIB não se dissolveu bem em soluções aquosas, e isso fez com que os pesquisadores acreditassem que ele não seria um medicamento viável. Porém, após observações mais minuciosas, a equipe percebeu que a molécula teve ação mil vezes mais potente que muitas das outras opções testadas. Durante análises laboratoriais in vitro, mesmo a pequena quantidade de ISRIB que conseguiu penetrar nas células foi suficiente para provocar uma resposta ao estresse.
Com tantos dados animadores, os cientistas partiram para testes em animais. Em experimentos, observaram que o ISRIB melhorou a aprendizagem e a memória em camundongos e, por meio de uma técnica avançada de análise, a microscopia crioeletrônica, conseguiram perceber em detalhes como esses benefícios ocorreram. Segundo os cientistas, uma ligação do ISRIB a oito componentes da proteína eIF2B foi a responsável pela otimização cognitiva dos ratos.
A molécula, que tem a forma de uma hélice, se posiciona dentro da eIF2B e atua como um grampo, unindo subcomplexos idênticos da proteína. “Vemos que o ISRIB mantém o complexo eIF2B em conjunto, e isso pode ser suficiente para estabilizar a proteína e aumentar a sua atividade”, diz Walter. Em resumo, os pesquisadores mostram que o ISRIB previne a resposta ao estresse celular ao estabilizar a eIF2B. “Podemos ver com resolução quase atômica onde a droga se liga à proteína. É realmente incrível ver uma pequena molécula sob um microscópio”, ressalta Walter.
Para a equipe de cientistas, a ação desencadeada por ISRIB nas cobaias mostra o quanto a molécula tem potencial para se tornar um medicamento contra a neurodegeneração em humanos. “Como o ISRIB aumenta a cognição na aprendizagem espacial, espera-se que ele, ou algum derivado de atuação semelhante, seja útil para aliviar ou retardar algumas das disfunções cognitivas em pacientes com Alzheimer e em pacientes com outros distúrbios neurodegenerativos”, explica Walter. “Eu acredito que o ISRIB poderá ser uma terapia para muitos distúrbios cognitivos.”
Amauri Araújo Godinho, neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), acredita que os resultados da pesquisa americana são positivos para a área médica. “É interessante eles terem observado que essa droga promove o aprendizado e restabelece a memória em ratos que já tinham um tipo de lesão. É uma grande esperança. Se você consegue usar essa droga em um paciente com trauma encefálico, você poderá reduzir as sequelas”, ilustra.
O neurologista aponta outras possíveis aplicações para o medicamento. “Eu até extrapolo um pouco, mas, se pensarmos que essa ação pode ocorrer em qualquer célula nervosa, ela poderia ser usada de forma mais ampla. Temos casos de pacientes, como atletas, que, quando entram em coma, apresentam o que chamamos de catabolismo, que destrói a musculatura. Para evitar isso, usamos anabolizantes. Poderíamos evitar essa perda com essa proteína”, detalha.
Godinho pondera que a pesquisa precisa ter continuidade, a fim de que os efeitos sejam observados com mais cuidado e a eficácia em humanos, avaliada. “Outro ponto que deve ser visto são possíveis efeitos negativos. A expressão de genes responsáveis pela produção de proteínas está ligada ao câncer, é importante ter certeza de que não estamos estimulando o crescimento de um tumor, por exemplo”, sugere. (A.N.)

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