Marcas
paulavigneron 11/01/2017 15:22
Não parece, mas tudo que estamos vivendo hoje se transformará em lembranças. Nostalgia. Memórias perdidas em gavetas. Em compartimentos bagunçados. Registros do ontem que formam o amanhã. Trechos de fases que trouxeram bons e maus momentos. Histórias nossas e nossas histórias dos outros. Em todas as partes, rostos, vozes, expressões. Faces. Abraços, sorrisos. Uma palavra que, talvez, ainda ecoe dentro de nós. Um toque. Os nossos traços perdidos por estradas.
Ali, à frente, o professor esbraveja com os alunos de não mais de 14 anos. Todos risonhos, enfadados com as palavras do homem. Estavam no espaço por obrigação. Consideravam-no tedioso. Mas ouviam. E riam das tentativas de ser engraçado. Ou das implicâncias com as meninas e os meninos. Encontravam diariamente novos aspectos ou expressões para risadas a mais.
Em uma manhã de aula, com todos dispersos, ele levantou os braços, estalou os dedos e chamou a atenção da garotada, que não se calava. Enfurecido, reclamou da desobediência e do descaso e bradou:
— Hello, 2007! — os dedos estalavam, e os alunos riam do repentino (quase) acesso de raiva do professor. A expressão virou um bordão entre os estudantes. Naquele momento, a menina, que se sentava constantemente na primeira cadeira, próxima ao quadro, também riu.
E aquela seria mais uma manhã de aula, em uma escola do centro da cidade, na qual permaneceu por quatro anos. Era mais um dia. Mais uma data imperceptível. Sem grandes marcas. Mas a vida assim se faz. Com dias supostamente irrelevantes.
Meses depois, ainda sentada nas cadeiras da frente das salas de aula, experimentou seu primeiro contato com a literatura. Um livro para ser o trabalho do bimestre. A professora de português teve a ideia, que a assustou inicialmente. “Quem vai querer ler o que eu escrevo? E o que vou escrever?” foram perguntas que passaram pela cabeça da adolescente perdida em falas e personagens. E se envergonhou ao entregar o resultado à professora.
Não imaginava, naquele período em que se dedicou ao trabalho, o que aquela memória significaria no futuro. O quanto um simples dia poderia determinar novos caminhos. Mas, na cabeça dela, eram somente mais uns dias. Mais datas imperceptíveis. Sem grandes marcas.
Sentada sob uma árvore, perto de um ponto de ônibus, ela observa o movimento de carros, motos e bicicletas. De diversas direções, é atingida: pelo asfalto, o calor; pelo céu, os raios de sol; pelas lembranças, as histórias que a levaram diretamente à pedra sob a árvore perto do ponto de ônibus. E a certeza de que este, por mais simples que pareça, será mais um momento na marca da memória.

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