As ruas da cidade
paulavigneron 26/10/2016 13:48
Vozes ecoavam no Centro.
Naquele dia, havia acabado mais cedo as atividades no trabalho. Era um dia chuvoso, exatamente como gostava. Sentia prazer ao admirar o cenário acinzentado que dominava o ambiente. Resolvera caminhar pelas ruas. Há tempos, não olhava os rostos. Há tempos, não ouvia os tons. Eles dominavam o seu imaginário, mas pareciam cada vez mais afastados de sua realidade.
Andava vagarosamente pelas vias e vielas que se conectavam, tomadas por pés, pernas e passos estranhos e conhecidos.
Às vésperas do Natal, observava as lojas da área central. Roupas, bolsas, sapatos, sacolas de compras, pessoas felizes com suas aquisições. Crianças, adolescentes, adultos e idosos. Todos pareciam estar em perfeita harmonia. Típico clima festivo e fugaz. Entrava em diversos estabelecimentos comerciais. Parava em frente a livrarias. Adorava comprar e ganhar livros. Gostava, também, de DVDs e CDs. Anacrônica. Foi em busca de locais que pudessem vendê-los. Queria apenas ver. Pensava em aproveitar o tempo livre para isso.
Neste ano, tinha outras prioridades. Um ano de surpresas. Desejava presentear os que chegaram há pouco tempo e os que faziam parte da sua história desde o primeiro dia de sua vida. Com os dedos no bolso, movimentando-se à medida que andava, seguia pelas ruas da cidade. Histórias e memórias, suas e de outrem, faziam parte do trajeto. Via-se pequena, de mãos dadas com a mãe, passeando. Branquinha, gordinha e capaz de atrair olhares atentos e curiosos de pessoas que, geralmente, paravam para elogiar, “que lindinha”, e, em seguida, apertar a sua bochecha. A reação da então menina era de chateação. Dizia a todos que o gesto a incomodava. Doía.
Passos à frente. Uma lanchonete, conhecida por vender produtos naturais, era parte do percurso da infância. Comprava, junto à mãe, salgados. Um, ela comia no local. Os outros, distribuídos em pacotes, a garotinha levava para casa, onde se deliciaria nas tardes de chuva e sol; férias e aula; sob cobertores ou dentro da piscina. Caminhava pelas ruas, agora, com os dedos entrelaçados com suas vivências infantis e adolescentes. Por ali, onde fora feliz e triste, também havia se questionado sobre muitas coisas. Certas manhãs e tardes, ela abria mão de alguns minutos do seu dia para colocar o corpo em movimento e abafar os pensamentos incontroláveis.
Fones de ouvido. Músicas no volume máximo. Analisava expressões. Pensava no que carregavam aquelas pessoas. Que verdades seriam as destes homens e mulheres? Era uma tentativa de lançar suas dúvidas e medos para outro plano. Por breves minutos, alcançava o seu intento. Apesar das necessidades de manter-se afastada, o relógio controlava seu tempo. Logo, tinha que retomar a rotina.
Ainda pelas ruas, olhava para trás e se recordava do passado. Hoje, sentia-se alegre por não ser obrigada a se esquivar. Pela primeira vez, estava em paz consigo mesma. Na Praça São Salvador, coração de Campos, continuou a peregrinação por diferentes lojas. Era Natal, pensava, e queria agradar àqueles que amava. Pesquisou preços e presentes, enquanto as ideias se perdiam. Olhava. Procurava. Desejava localizar algo, mas não sabia exatamente o quê. E, agora, não havia importância.
Parou sob o céu acinzentado. Os primeiros sinais de chuva apareciam delicadamente. O coração parecia alentado à medida que as nuvens seguiam seu tradicional fluxo. Era uma das imagens de que mais gostava. Resolvera voltar ao ponto de partida. Mãos nos bolsos e sempre em movimento. Companheiras de devaneios. Retomou o caminho de origem. Ao passar pela praça central, escutou uma voz.
“Moça.”
Mesmo sem especificar a quem se referia, sabia que era ela a chamada.
“Moça.”
Persistente. Não queria olhar para trás, embora soubesse exatamente a localização do som.
Mas será que a voz se dirigia a ela?
“Moça com a blusa da Janis Joplin!”
Não teve mais dúvidas. Usava a camisa, uma das que mais gostava. Não havia outra ao redor. Neste momento, o grito era distante. Distantes, também, eram seus pensamentos. Parte dela ficara presa àquela voz desconhecida que a fez passear interiormente por caminhos alternativos, encontrando possíveis diálogos amigáveis. Ou desconexos. Ou troca de palavras educadas. Ou apenas um aceno.
“Desculpe, moço, pelo mau jeito. Um dia, a gente se esbarra.”

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