Coronavírus e Federalismo: A Nova República.
Marco Alexandre Gonçalves 22/03/2020 12:24 - Atualizado em 22/03/2020 12:26
O novo coronavírus vem afetando de sobremaneira nossas rotinas e hábitos pessoais. No entanto, além de impactar a população, é possível que esta pandemia deixe marcas profundas em nossas instituições.
Em "Por Que As Nações Fracassam?", Daaron Acemoglu e James Robinson atribuem à peste negra a responsabilidade pelos caminhos - radicalmente diferentes - que as então semelhantes monarquias absolutistas das ilhas britânicas e da península ibérica tomaram.
Trata-se de uma contingência histórica com impacto social poderoso, que agravou as pequenas rachaduras que diferiam aqueles povos, e criou um abismo entre eles. Segundo o livro, são nestes momentos que viradas institucionais ocorrem, e novos ciclos se iniciam, para o bem ou para o mal.
É bem verdade que a pandemia que nos afeta não possui a proporção daquela que assolou a Europa, bem como é verdade que nossa medicina se encontra em estado muito mais avançado. Contudo, não se pode negar que estamos diante de um grande impacto social contemporâneo.
Nosso modelo de Estado já vem observando tensões que podem agravar algumas pequenas rachaduras desenvolvidas nos últimos 30 anos, ao ponto de fazer com que elas se tornem rupturas de fato.
Um Federalismo extremamente centralizado, um Presidente da República autoritário e orgulhoso, e Governadores de Estado sendo altamente pressionados a preencherem o vácuo de liderança da União, são os ingredientes da receita que leva ao início de uma grande tensão entre o poder central e os poderes locais.
Nesta semana Wilson Witzel decidiu fechar as fronteiras e isolar o Estado do Rio de Janeiro como medida de contenção do vírus que se espalha. Bolsonaro, por sua vez, editou posteriormente Medida Provisória desautorizando os Governos Locais que pretendessem fazê-lo.
A relação entre Bolsonaro e Witzel irá moldar nosso novo Estado Federal. A situação ganha um tom irônico, porque uma das plataformas do super ministro Bolsonarista Paulo Guedes é o lema "mais Brasil, menos Brasília".
Uma rebelião dos Governadores se ensaia. Ronaldo Caiado, líder de uma antiga família de nossa aristocracia rural, Governador do Estado de Goiás, já desafia abertamente a Medida Provisória editada pelo Presidente da República.
João Dória se desponta como liderança do Estado mais rico do país, subindo o tom numa escalada rápida contra o Governo Federal.
O Nordeste criou um consórcio de vários Governadores que, isolando a União, negociam colaboração com um país estrangeiro, que por sua vez está em conflito com o Bolsonarismo: A República Popular da China.
Como dito, o Governo se elegeu, e mantém o discurso através do Ministério da Economia, com forte apologia à descentralização e autonomia dos Estados.
Bom, o Witzel e outros governadores levaram a sério, e o Bolsonaro não gostou. E é claro que não gostou, pois o discurso quando vira prática esvazia o poder central, que Bolsonaro controla.
Sabemos que Jair Bolsonaro não é o tipo de homem que renuncia ao seu poder momentâneo por uma melhora institucional de longo prazo: Ele não acredita no logo prazo, pois a história se resume a ele.
 No limite veremos uma tensão entre Polícias Federais e Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, com a possibilidade extrema de uma eventual intervenção das forças armadas no conflito. 
Em um cenário menos radical, teremos a humilhação pública imediata do Governador do Rio de Janeiro, com a possibilidade da crise se agravar, e Bolsonaro ser responsabilizado por boicotar as medidas de prevenção tentadas pelo líder fluminense.
Em todos os cenários estamos diante de uma crise federativa sem precedentes na Nova República, que poderá reformular nosso pacto federativo de forma substancial.

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