Crítica de cinema - Vida e morte de super-heróis
22/01/2019 14:34 - Atualizado em 25/01/2019 19:09
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(Vidro) —
Ao assistir “Vidro”, o mais recente filme de M. Night Shyamalan, lembrei da piada do louco que puxava uma caixa de fósforo com um barbante dizendo para todos que era o seu cachorrinho. Certo dia, um médico perguntou-lhe sobre a saúde do cão e ele respondeu que se tratava de uma caixa de fósforo e não de um cachorro. Os médicos elogiaram sua melhora. Sozinho num canto, o louco disse à caixa de fósforo: “Enganamos todo mundo, totó.”
O diretor indo-americano trabalha como o louco da caixa de fósforo. Em “O sexto sentido” (1999), é mentira que o ator principal está vivo. Ele e nós pensamos que ele vive, mas está morto e se recusa a aceitar essa realidade. Mas em “Corpo fechado” (2000), o filme seguinte, pode parecer mentira que Elijah Price tenha uma superinteligência e David Dunn tenha o superpoder de regeneração física, mas é tudo verdade. Em “Sinais” (2002), acreditamos que, não existem extraterrestres, mas eles existem. Em “A vila” (2004), tem-se a impressão de que a aldeia de pessoas que vivem fora do tempo é uma metáfora, mas é verdade.
Daí em diante, Shyamalan entrou em espiral descendente com “A dama na água”, “Fim dos tempos”, “O último mestre do ar”, “Demônio” e “Depois da Terra”.Ele escancara, nestes filmes, sua faceta infantilizada que, na verdade, sempre esteve presente na sua produção cinematográfica de modo contido. Com “A visita”, ele volta à tona para respirar. Em “Fragmentado” (2016), ele retoma o barbante amarrado na caixa de fósforo. Kevin Wendell Crumb é um homem com 24 personalidades, incluindo mulheres fortes e autoritárias, homens delicados e uma fera super-possante. Mentira? Verdade.
Mateusinho
Mateusinho / Divulgação
Agora, em “Vidro” (2019), ele tenta retomar as rédeas da carruagem que lhe garantiu “Oscares” pelo “Sexto sentido”. Ele reúne Kevin Wendell Crumb (James McAvoy), seu mais recente super-herói, a David Dunn/The Overseer (Bruce Willis) e Elijah Price/Mr Glass (Samuel L. Jackson). Os três acabam num hospital psiquiátrico de segurança máxima sob os cuidados da Drª Ellie Staple (Sarah Paulson), médica especialista num novo distúrbio mental: acreditar que se é um super-herói. Os Estados Unidos são campeões em descobrir novas doenças psiquiátricas. Entra em cena também Casey Cooke (Anya Taylor-Joy), a vítima de Crumb em “Fragmentado”.
Será que agora é tudo verdade? Será que a Drª Steple é uma médica competente e acredita nos distúrbios mentais de seus três pacientes? Não. Ela é uma charlatã com jeito de pertencer a uma seita (Shyamalan adora seitas). Será que os três super-heróis, de fato, sofrem de super-heroísmo? Mentira. Eles são mesmo super-heróis perigosos. A mente brilhante de Glass planeja uma fuga sensacional para os três e uma luta mortal entre Crumb e Dunn numa torre a ser inaugurada no dia da fuga. Será verdade? Não. É tudo mentira. Ele prepara a morte dos três de forma espetacular e espetaculosa. E num clima carregado de sentimentalismo: Crumb nos braços da sua vítima pós-adolescente, Dunn sob os urros de seu filho e Glass sob os olhos amorosos de sua mãe.
Shyamalan gostaria de ser um novo Hitchcock do cinema, como declarou diversas vezes. Conseguiu ou conseguirá? Não. É muito ídolo para pouco talento.

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