Decisão que condenou Garotinho na Chequinho
Aldir Sales 14/09/2017 09:44 - Atualizado em 18/09/2017 14:45
Em uma longa sentença, o juiz Ralph Manhães, da 100ª Zona Eleitoral, explicou ponto a ponto os motivos pelo qual condenou o ex-governador Anthony Garotinho (PR) a 9 anos, 11 meses e 10 dias de prisão por 17.515 crimes de corrupção eleitoral, além de associação criminosa, supressão de documento e coação no curso do processo. O magistrado explicitou que Garotinho é o “comandante” do que ele chamou de “esquema criminoso envolvendo o uso clandestino e irregular do Programa Cheque Cidadão como moeda de troca por votos (...) com o fim de eleger a maior bancada possível de parlamentares junto à Câmara Municipal de Campos”.
Ao justificar a condenação por coação a testemunha, o magistrado lembra de um episódio gravíssimo, quando uma das principais testemunhas do processo, a radialista Beth Megafone relatou ter sido ameaçada por dois homens armados em uma moto. “Convém trazer à baila uma das mais graves formas de atuação do grupo criminoso comandado pelo réu, qual seja, a prática de coação e intimidação de testemunhas, inclusive com emprego de arma de fogo (...). Perseguições e vigílias na residência da referida testemunha foram relatadas e seus depoimentos juntados aos autos, o que é objeto de investigação própria, sendo que existem relatos de que pessoas ligadas ao réu poderiam estar vigiando a senhora Elizabeth”.
Manhães também falou da influência de Garotinho sobre os réus em outras ações correlatas da operação Chequinho e divulgou uma interceptação telefônica feita com autorização judicial em que a vereadora Linda Mara (PTC) diz ao filho que o ex-governador pagou a conta de um hotel no Rio de Janeiro durante o período em que esteve foragida da Justiça após ter a prisão preventiva decretada no ano passado, segundo o juiz.
Em outro ponto da decisão, Ralph destaca o depoimento do ex-secretário de Desenvolvimento Humano e Social, Henrique Oliveira, que disse ter alertado a Garotinho sobre a “suposta ilegalidade no pagamento dos benefícios”. “Que conversou com o secretário municipal de Governo, Anthony Garotinho, sobre o resultado do recadastramento; que advertiu (...) acerca da suposta ilegalidade no pagamento dos benefícios das pessoas recadastradas; que Garotinho disse ao depoente que as pessoas recadastradas haviam assinado uma declaração afirmando a sua própria pobreza e a sua condição de estarem dentro do perfil do programa social; que o depoente disse que não seria possível confiar em autodeclaração e que não poderia pagar esses benefícios”.
Após a prisão preventiva decretada em 16 de novembro do ano passado, Garotinho teve a pena revertida em medidas cautelares pelo Tribunal Superior Eleitoral, como a proibição de pisar em Campos sem autorização prévia. No entanto, o juiz da 100ª ZE afirmou que “somente a custódia cautelar do réu poderá impedir a progressão da escalada da associação criminosa por ele comandada, não restando outra alternativa a este julgador senão a decretação de sua segregação, já que as medidas anteriormente impostas não foram suficientes para obstar a sua prática delituosa”.
Ralph Manhães ainda relatou que “não tem qualquer posicionamento contrário ao réu no que se refere a sua pessoa”, mas que “o princípio da igualdade eleitoral foi banido e a democracia foi ferida de morte, sendo este o bem maior a ser resguardado por uma sociedade justa e que os cidadãos escolhem livremente e de forma independente os seus representantes”. 
Trechos da sentença
“Esquema criminoso”
“As provas produzidas (...) indicam, sem qualquer sombra de dúvida, a existência de um esquema criminoso envolvendo o uso clandestino e irregular do Programa Cheque Cidadão como moeda de troca por votos para um único grupo político nas eleições municipais de 2016, com o fim de eleger a maior bancada possível de parlamentares junto à Câmara Municipal de Campos”.
“Avalanche de crimes”
“O esquema criminoso sob apuração, além de ferir frontalmente a democracia, sangrava os cofres públicos em valor equivalente a R$ 3.600.000,00 por mês”.
“Venda do futuro custeou esquema”
“O empréstimo acima mencionado e conhecido pelos munícipes como “venda do futuro”, profundamente questionado tanto em juízo, através de demandas que tentavam obstaculizar aquele contrato, como pela própria Câmara Municipal, onde houve grande divergência acerca da autorização deste órgão, é que custeou todo o esquema criminoso apontado nesta sentença”.
Garotinho como comandante do “esquema”
“o conjunto probatório (...) é bastante forte ao apontar o réu, não só como um dos autores daquela empreitada criminosa, mas, também, como a pessoa que comandou todo aquele esquema”.
Impossível não saber
“É impensável um esquema desta magnitude ter ocorrido na prefeitura comandada pela sua esposa, tendo o réu como Secretário Municipal de Governo, sem que tenha sido organizado e autorizado pelo mesmo”.
Prejuízo de R$ 11 milhões
“Convém salientar que o esquema criminoso comandado pelo réu causou um prejuízo efetivo aos cofres públicos deste município no montante aproximado de R$ 11.000.000,00 (...). Tal prejuízo só não foi maior em razão da interferência do Judiciário suspendendo aqueles pagamentos, já que o intento do grupo criminoso era lesar os cofres públicos, ao menos, em R$ 25.200.000,00 somente em 2016, haja vista que o réu, em seu depoimento, informou que desejaria pagar o referido ‘benefício social’ até o último dia de gestão de sua esposa”.
Ameaça como tônica
“Primeiramente, vale esclarecer que o termo “ameaça” é uma tônica neste processo, visto que ocorreram vários episódios com narrativas de ameaças sofridas pelas testemunhas, existindo, também, ameaças veladas às autoridades que atuaram no IPF 236/2016 e nesta Ação Penal”.
Arma de fogo
“Convém trazer à baila uma das mais graves formas de atuação do grupo criminoso comandado pelo réu, qual seja, a prática de coação e intimidação de testemunhas, inclusive com emprego de arma de fogo”.
Ignorou cautelares
“O réu ignorou por completo o objetivo das medidas cautelares a ele impostas (pelo Tribunal Superior Eleitoral), eis que passou a atuar negativamente para impedir o julgamento desta ação e também para criar fatos sabidamente falsos com o fim de criar nulidades e proteger os crimes por ele praticados”.
WhatsApp
“Também foi demonstrado, nestes autos, que o réu possui uma grande rede de WhatsApp, com várias linhas de transmissão, nas quais insufla os seus seguidores com ofensa aos delegados, promotores e juízes deste caso”.
Não aceita a lei
“O réu demonstra não aceitar, de forma alguma, se submeter aos ditames da lei e, para tanto, se utiliza de todos os instrumentos possíveis ao seu alcance, mesmo que ilícitos, para a consecução dos seus anseios pessoais”.
Só prisão para evitar avanço da associação
“Somente a custódia cautelar do réu poderá impedir a progressão da escalada da associação criminosa por ele comandada, não restando outra alternativa a este julgador senão a decretação de sua segregação, já que as medidas anteriormente impostas não foram suficientes para obstar a sua prática delituosa”.
Intimidação
“A tentativa do réu em constranger, intimidar e desmoralizar todos aqueles que atuam nas investigações e neste processo, tentando, inclusive, atingir a honra dos familiares da autoridade policial que atuava no caso, além das ofensas desferidas aos juízes e promotores que atuam neste caso, demonstra que as regras do processo e do regime democrático foram ignoradas pelo réu desta ação penal, transbordando no cometimento de outros crimes”.
Interferência
“Várias tentativas não republicanas foram feitas, como demonstram as interceptações telefônicas autorizadas por este juízo, para que se interrompessem as investigações em curso, tendo o réu feito vários contatos com autoridades da República neste sentido, como por exemplo, Ministro da Justiça, Superintendente da Polícia Federal, além da tentativa de contato com o atual mandatário do País”.
Em praça pública
“Os depoimentos colhidos nesta investigação e que estão transcritos abaixo são chocantes no que se refere à forma como ocorreu a distribuição do benefício “cheque cidadão”, eis que se deu de maneira escancarada, inclusive em locais públicos, tais como praças, logradouros públicos, igrejas, bem como durante o período noturno e nos finais de semana”.

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