Aliança: uma história curta, mas gloriosa
Matheus Berriel 02/09/2023 08:35 - Atualizado em 02/09/2023 08:38
Jogadores do Aliança no tricampeonato campista de 1938
Jogadores do Aliança no tricampeonato campista de 1938 / Foto: Reprodução/Viva La Resenha
O extinto Sport Club Aliança esteve em destaque na imprensa nacional nos últimos dias. Tricampeão campista de 1936 a 1938, o clube, ligado à Usina do Queimado, foi um dos participantes do Torneio dos Campeões de 1937, agora polemicamente reconhecido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) como a primeira edição do Campeonato Brasileiro, vencida pelo Atlético Mineiro.
Fundado no dia 24 de abril de 1932, tendo o verde e o branco como suas cores, o Sport Club Aliança resultou da fusão de dois times formados por trabalhadores da Usina do Queimado: o Queimadense Football Club e o Sport Club Vicente Nogueira. Segundo edição de 23 de dezembro de 1932 do “Correio da Manhã”, respeitado jornal do Rio de Janeiro, tal fusão foi patrocinada pelos próprios donos da usina, os irmãos Julião e Ignácio Nogueira, que, para acabar com uma rivalidade existente entre os primeiros times dos trabalhadores, deram a eles um terreno para sediar o campo da nova equipe. Em seu livro “No país do futebol, cidade sem memória”, o escritor Aristides Leo Pardo registra que Laudelino Batista foi o primeiro presidente do clube, tendo como vice Antônio da Silva Sá.
O complexo esportivo do Aliança ficava situado na avenida Nilo Peçanha, onde hoje está instalada a Prefeitura de Campos. Além do campo de futebol, também contava com pista de atletismo e quadras de tênis, vôlei e basquete. No dia 3 de dezembro de 1935, “O Jornal” registrou que Ignácio Nogueira trouxe a Campos, para exibições, os tenistas estrangeiros George Hardy e Jack Tidball, este um estadunidense que seria campeão do Aberto do Canadá no ano seguinte. Áureos tempos, com recursos oriundos da produção de açúcar e álcool.
Quatro anos após a fundação do Aliança, a temporada de 1936 ficou marcada na história do futebol do clube. Em maio, com um time formado por Eiras; Salvador e Tote; Carbono, Lessa e Antônio; Pedro, Vicente, Joaquim, Neneco e Eurico, os aliancistas conquistaram o Torneio Início de Campos. Feito maior ocorreu na conquista do próprio Campeonato Campista, cuja final foi numa série melhor de três contra o Goytacaz, tendo o terceiro jogo ocorrido somente no dia 3 de janeiro de 1937, no campo da Usina do Queimado. Escalado com Eiras; Salvador e Tote; Antônio, Serra e Baú (Carbono); Jorginho, Vicente, Ratinho, Neneco e Rebite, o Aliança venceu por 3 a 0, sendo os gols anotados por Vicente (2x) e Jorginho.
Embora com alguns reforços, como o atacante carioca Jorginho, o elenco aliancista ainda era majoritariamente formado por funcionários da Usina do Queimado, representando cerca de 70%, conforme relatado pelo jornal “A Batalha” em 20 de setembro de 1936. Devido à marcação de jogos para o período da noite, o Aliança chegou a anunciar que deixaria o campeonato, pois muitos dos seus jogadores trabalhavam na moagem em período noturno. Porém, essa medida não prevaleceu, e o clube não apenas continuou na disputa, como chegou ao troféu de forma brilhante.
O inédito título citadino teve dupla importância. Na época, o Campeonato Fluminense era disputado por seleções estaduais, e, como a Seleção Campista foi a campeã de 1936, ficou definido que o clube campeão campista representaria o Rio de Janeiro no Torneio dos Campeões. Este foi realizado em 1937 pela Federação Brasileira de Football (FBF), dissidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), e a missão de ser o representante fluminense coube ao Aliança, treinado por José Damas Ortiz e já presidido por Gumercindo Aquino.
— Nesse emaranhado eterno que vivemos, com ligas, associações, federações, confederações e por aí vai, naquele momento o Aliança foi escolhido, meio que na marra, para representar o velho estado do Rio de Janeiro. Talvez fosse, sim, o melhor time de todo o estado, mas não foi designado como campeão de nada a nível estadual. Era campeão campista, o que é diferente — destaca o jornalista e memorialista Péris Ribeiro, um dos maiores conhecedores do futebol de Campos.
Além do Aliança, também disputaram o inédito Torneio dos Campeões o Atlético, campeão mineiro de 1936; o Fluminense, campeão do então Distrito Federal pela Liga Carioca de Football (enquanto o Vasco venceu o campeonato da Federação Metropolitana de Desportos); a Portuguesa, campeã paulista pela Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) (embora o título da Liga Paulista de Foot-Ball tenha ficado com o Corinthians); o Rio Branco-ES, campeão capixaba; e um selecionado da Liga de Sports da Marinha, inusitadamente convidado.
Foi a própria representação da Liga da Marinha quem enfrentou o Aliança, numa fase preliminar disputada em jogo único, em Campos, no dia 7 de janeiro de 1937. E os marujos surpreenderam, pois avançaram à fase seguinte vencendo o clube campista por 2 a 0, gols de Paranhos e Aldo. Mas o feito dos convidados parou por aí, pois a Liga da Marinha acabou superada na segunda fase pelo Rio Branco-ES, avançando este para um quadrangular com os demais clubes. Ao final de dois turnos, o troféu ficou com o Atlético Mineiro.
Quanto ao Aliança, apesar da frustração no certame interestadual, seguiu comemorando suas façanhas em Campos. Em 1937, foi bicampeão campista, além de ter cedido ao futebol carioca um dos seus grandes jogadores na década seguinte. Titular durante parte daquela campanha, formando uma imponente linha ofensiva com Jorginho, Vicente, Neneco e Rebite, o atacante Lelé foi contratado pelo Madureira. De lá seguiu para o Vasco, em 1943, ficando conhecido no cruzmaltino como o Canhão da Colina. Pelo Vasco, foi bicampeão carioca, em 1945 e 1947, inclusive como artilheiro do primeiro, e também conquistou o Campeonato Sul-Americano de Campeões em 1948, sendo membro importante do inesquecível Expresso da Vitória. Em meio ao sucesso, inclusive virou personagem de um samba, feito pelo também campista Wilson Batista: “Vamos lá, que hoje é de graça no ‘Boteco do José’. Entra homem, entra menino, entra velho, entra mulher. É só dizer que é vascaíno e que é amigo do Lelé”.
Já sem contar com seu famoso atacante, o Aliança ainda conquistou o Torneio Início e o Campeonato Campista de 1938. Ao ser tricampeão campista, repetiu um feito até então alcançado apenas pelo Americano, de 1921 a 1923. Extinto em 1946, 31 anos antes de o Campista deixar de ser disputado pelas grandes agremiações, o clube do Queimado ficaria marcado como o quinto maior campeão, ostentando três títulos. Na lista dos campeões, só está atrás de Americano (27), Goytacaz (20), Rio Branco (8) e Campos Atlético (5). É também o único clube de fora desse quarteto a ter vencido mais de uma edição (o São José, outro campeão, só venceu uma, em 1952).
Autor do blog “Viva La Resenha”, o jornalista e pesquisador Wesley Machado lembra que, em 1945, chegou a ser criado em Campos o União do Queimado, também vinculado à usina e que disputou edições do Campeonato Campista na década de 1950. Este existiu por mais tempo, como amador numa segunda fase, mas sem o mesmo êxito. Na visão de Péris Ribeiro, o fim do Aliança representou grande perda para o esporte local.
— Foi uma coisa estranhíssima, porque o clube tinha um poderio financeiro muito grande por trás, oriundo da super poderosa Usina do Queimado. Esse reconhecimento do Torneio dos Campeões de 37 como Campeonato Brasileiro é mais uma pixotada da CBF. Fica a ressalva de ter servido para se lembrar da história do Aliança, que merece ser bem estudada, pois foi um clube que começou com todo esse poderio, ganhou um tricampeonato campista com grande brilho, mas durou apenas 14 anos — finaliza Péris.

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