Arthur Soffiati - Esquimós (final)
* Arthur Soffiati 02/09/2023 08:20 - Atualizado em 02/09/2023 08:21
A cultura Thule, na Groenlândia, integra a cultura geral dos esquimós ou dos inuit, na língua desse povo. Em sua última fase, no século XIII da era cristã, sua cultura material revela contatos frequentes e prolongados com povos escandinavos, que chegaram à América do Norte no século X, bem antes, portanto, que os espanhóis e os portugueses. A oeste, a cultura esquimó manteve contatos com a China e com a Coreia. A leste, com escandinavos, que os chamavam de scraeling.
Como se pode caracterizar a cultura esquimó em seu todo? Sua economia era fundamentalmente paleolítica, com base na coleta, na pesca e na caça. Mas a presença de artefatos cerâmicos poderia situá-la no neolítico. Mais ainda, o desenvolvimento de aldeias do porte de cidades, com casas construídas com pedra e madeira, poderia caracterizá-la como civilização. Daí propormos que os limites entre os três estágios da história humana são sutis e não valem para todas as culturas.
Esses três estágios já foram tratados como uma escala evolutiva. O paleolítico seria o primeiro degrau. O neolítico seria o segundo. As civilizações com base na agropecuária representariam o terceiro. A civilização com economia comercial, indústria e utilizadora de combustíveis fósseis seria o último degrau até agora. Só o ocidente europeu o teria alcançado e efetuado a disseminação dessa civilização pelo mundo, num processo de globalização. Assim, o ocidente europeu teria alcançado o último degrau, consagrando sua superioridade em relação às outras culturas. Essa conquista lhe daria direito a colonizar e explorar outros povos. Essa foi a ideologia desenvolvida pelo mundo ocidental.
Tal concepção caiu por terra nos meios científicos, embora ainda possa resistir nos planos político, militar e popular. Atualmente, é mais acertado caracterizar cada fase mais pelo que ela não tem do que pelo que tem. O paleolítico clássico não tem cerâmica nem agricultura. O neolítico clássico tem agricultura, pastoreio, cerâmica, metalurgia e aldeias, mas desconhece a escrita e as cidades. A civilização tem cidades e sistemas de escrita facultativos, desenvolvendo mais ainda a agricultura, o pastoreio, a cerâmica, a metalurgia, a tecelagem e ainda praticando a coleta, a pesca e a caça em suas margens. Ainda hoje, desenvolvemos atividades paleolíticas na periferia das civilizações.
Na magistral obra “Um estudo da história”, Arnold Joseph Toynbee classificou as civilizações em estagnadas, abortadas e completas. As estagnadas seriam aquelas que nasceram como resposta a um forte estímulo, ao mesmo tempo sendo paralisadas por ele. As abortadas são aquelas em desenvolvimento que acabaram impedidas por outra ou outras. A completas são as que nasceram, cresceram, alcançaram o apogeu e declinaram. Essa visão não parece mais se sustentar. Não podemos dizer, a priori, que toda civilização tem a mesma trajetória a percorrer. Só nos cabe examinar o que aconteceu. Não o que podia ou devia ter acontecido.
No entanto, é bastante intuitivo classificar uma civilização como estagnada porque é possível verificar que ela nasce em resposta a um forte estímulo e, ao mesmo tempo, gasta toda a sua energia em dar a mesma resposta a um desafio constante, como o mito de Sísifo. Este personagem da mitologia grega foi condenado a empurrar uma pedra rampa acima. Perto do topo, ela rolava para a base da rampa, obrigando Sísifo a começar tudo novamente.
No livro “An anthropological study of the origin of the eskimo culture” (Copenhagen: 1916), Hans Peder Steensby escreve: “em certos aspectos, por exemplo no que se refere à organização social, os esquimós demonstram um desenvolvimento um tanto inferior. Mas é discutível se essa característica social inferior se deve a primitivismo ou se resulta das condições naturais em que esse povo vive desde tempos imemoriais. Não é necessário um conhecimento profundo da cultura esquimó para perceber que se trata de uma cultura forçada a dedicar uma enorme parte de suas energias simplesmente ao desenvolvimento dos meios de subsistência”. Trata-se de um livro antigo, mas com aguda percepção da cultura desenvolvida pelos povos do ártico.
O mesmo autor exemplifica: “kayak, umiak (bote de mulher), arpão, dardo para aves com quadro de lançamento, lança de três pontas para fisgar salmões, arco composto reforçado, trenó puxado por cães, raquete para andar na neve, casa construída com blocos de gelo, lâmpadas que queimam óleo de baleia, arpão, capa de verão e trajes de peles”. Toynbee conclui que “O problema de procurar o indispensável para a vida — alimento, vestimenta e refúgio — deixava pouco tempo para pensar em outras coisas”. Mas Toynbee abandou a categoria de civilização estagnada.
Como sugestão de ilustração, indicamos os filmes “Nanook, o esquimó”, documentário dirigido por Robert Flaherty em 1922; “Os lobos nunca choram”, de 1983, dirigido por Carroll Ballard; e o romance de ação “Em terreno selvagem”, de 1994, com direção de Steven Seagal.

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