Balanço de 2023 dos principais patrimônios públicos de Campos
Edmundo Siqueira 21/12/2023 22:26 - Atualizado em 21/12/2023 22:52
Campos dos Goytacazes é uma cidade histórica. Embora essa possa ser uma afirmação óbvia para alguns, para grande parte dos campistas a história da cidade é desconhecida.


Comemora-se o aniversário de Campos no dia 28 de março, dia em que a cidade foi emancipada, em 1835. Porém, em 1652 já havia, segundo o intelectual campista Júlio Feydit, uma capela de palha onde hoje está a Igreja São Francisco, na rua 13 de maio.
Em janeiro de 1653, foi instalada a primeira Câmara, evento que veio a efetivar a existência legal de Campos, segundo os parâmetros portugueses da época, quando nasce a Vila de São Salvador. Essa instituição não resiste àquele contexto político e uma nova Câmara é estabelecida pelo governador Salvador Corrêa de Sá em 1677 (veja aqui).

Essa história de pelo menos 370 anos deixou em Campos marcas de um passado perverso, mas também deixou riquezas inestimáveis. Algumas delas foram erguidas em madeira, pedra e cimento — os patrimônios históricos materiais.

Cada um dos patrimônios de Campos, alguns com tombamento federal (Iphan), outros no âmbito estadual (Inepac) e também municipal (Coppam), representam parte da cultura e história de um município fundamental para entender o Brasil, construções que podem — e devem — ser instrumentos de educação patrimonial e uso turístico.

Após anos de abandono, alguns desses patrimônios públicos, ou de responsabilidade de entidades, seguem respirando com ajuda de aparelhos, mas com esperança de salvação no decorrer de 2023. São eles:

Solar do Colégio (Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho):

PMCG
Considerado o prédio mais antigo ainda de pé em Campos, o Solar do Colégio tem tombamento federal, pelo Iphan, e foi restaurado nos anos 1990 para abrigar a Escola Brasileira de Cinema — um dos projetos de Darcy Ribeiro para a Uenf —, mas que não foi à frente. Com sua descontinuação, o Solar ficou novamente abandonado até o início dos anos 2000, quando uma lei de autoria do vereador Edson Batista criava o Arquivo Público Municipal, instituição que seria instalada no prédio.


Mantido com poucos recursos e uma equipe tão apaixonada quanto reduzida, o Solar do Colégio e o Arquivo, simbioticamente, mantiveram-se em condições razoáveis de preservação, porém sem condições adequadas de abrigar o vasto e importante acervo que abrigam, de valor nacional. Durante o governo Rafael Diniz o Arquivo sofreu com cortes de pessoal e até de energia, colocando ainda mais em risco os documentos.

Em outubro de 2021, foi anunciado pelo Blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa, (veja aqui) que um acordo entre Alerj, Uenf e prefeitura de Campos colocaria R$ 20 milhões à disposição do Arquivo e do Solar para seu restauro e adaptação física e tecnológica para tratar devidamente o seu acervo.
Porém, um injustificável atraso por parte da Uenf fez com que os recursos começassem a ser aplicados somente em agosto deste ano (veja aqui), onde foi contratada, através de edital público, a empresa Technische Engenharia e Consultoria para auxiliar na confecção do Termo de Referência e licitação da sobrecobertura metálica, que já foi autorizada pelo Iphan.

A expectativa da equipe do Arquivo, liderada pela historiadora Rafaela Machado, era que a licitação para a sobrecobertura — que é o início do restauro do prédio e um ponto emergencial — acontecesse ainda em dezembro, mas entraves burocráticos estenderam o prazo para janeiro de 2024. Em paralelo, será feita a licitação do projeto de restauro completo do Solar.

Solar dos Airizes

Foto: Genilson Pessanha
Sem passar despercebido por qualquer pessoa que passe pela BR 356 (Rodovia Campos – São João da Barra), o casarão construído no início do século XIX, de arquitetura típica do período colonial, está em estado avançado de deterioração.


O Solar dos Airizes não traz apenas significado arquitetônico. O local foi residência do escritor campista Alberto Lamego, onde abrigou sua pinacoteca, uma biblioteca repleta de obras raras trazidas da Europa e um extenso acervo documental.

O Airizes foi considerado a “meca da intelectualidade” do Brasil, que atraía diversos artistas, escritores e pensadores importantes do país, pelo acervo recolhido por Lamego. Uma dessas personalidades foi Mário de Andrade, um dos fundadores do modernismo. O local recebeu também o Imperador Dom Pedro II, em 1883.

Aos poucos, e percebendo o descaso de Campos com aquele patrimônio material e imaterial, Lamego vendeu a coleção de pinturas para o Museu Antônio Parreiras, em Niterói, onde se encontra até hoje, e o acervo para a USP, em São Paulo.

Após seu tempo de glória, o Solar dos Airizes está em ruínas. Com paredes caídas, parte da fachada e do interior já não existindo, várias portas e janelas em estado precário e o forro de madeira tendo desabado em várias partes do Solar, o estado é de ruína (veja aqui). A icônica capela que o Airizes abriga também está em estado de deterioração. Ambos, prédio e capela, são tombados pelo Iphan desde 1940.

Após algumas tentativas de venda do Solar pelos herdeiros de Lamego e de sua esposa (filha do comendador Cláudio de Couto e Souza, construtor do prédio), uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que transitou em julgado 2020, condenou o município de Campos em restaurar o Solar de forma emergencial. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal (veja aqui matéria deste espaço que divulgou em primeira mão a decisão) .

A decisão, que não cabe mais recurso, segue sem ser cumprida pela prefeitura. Sequer intervenções emergenciais de escoramento, por exemplo, foram empreendidas pelo município.

Em julho deste ano, foi assinado um protocolo de intenções entre o município e a empresa Ferroport (veja aqui), que opera o terminal de exportação de minério de ferro no Porto do Açu. A parceria prevê a captação de recursos junto ao Ministério da Cultura, assim como os valores disponíveis para uso na Lei Rouanet pela Ferroport nos próximos anos.

Apesar da promessa, ainda nada de concreto foi feito no Solar dos Airizes, que segue em estado crítico.

Mercado Municipal

Reprodução
O Mercado Municipal em Campos já existiu em, ao menos, três lugares distintos. O local que está hoje, desde 1921, foi justificado pela proximidade com o canal Campos-Macaé e com o rio Paraíba, para a chegada e o escoamento de mercadorias.


Porém, as condições desse entorno sofreram transformações significativas desde então, e a proximidade com o Canal deixou de ser importante. Além disso, as instalações como a feira e o camelódromo acabaram por esmagar e esconder o belo prédio do Mercado, que possui dois pavimentos térreos iguais, separados por uma torre com um relógio no topo, inspirada no mercado de Nice, na Riviera Francesa.

A feira recebeu em 1981, durante o governo Raul Linhares, uma enorme estrutura de perfis de aço que sustentam uma cobertura em alumínio. Cerca de 10 anos depois, a outra estrutura do entorno viria a esconder o que restou do prédio: nascia o Shopping Popular Michel Haddad.

Como está, o prédio centenário se mantém sem cumprir nenhum papel turístico ou de educação patrimonial, e a feira de legumes e peixe necessita de intervenções e adaptações para poder atender aos consumidores adequadamente.

Uma vez que o camelódromo foi reformado recentemente, a prefeitura propôs, através da Secretaria de Agricultura, liderada por Almy Junior, que a feira fosse transferida para a praça da República, localizada atrás da Rodoviária Roberto Silveira.

Segundo o prefeito Wladimir Garotinho e Almy, a decisão já foi tomada, e o edital para a licitação da nova feira já estaria pronto. A ideia é construir a “Nova Feira de Campos”, ou o “Complexo Municipal dos Feirantes” antes de remover os permissionários do local atual, que somente aconteceria após a obra finalizada (veja aqui proposta de parte da academia campista).

Sem a feira, o prédio centenário do Mercado seria visível e possibilitaria a instalação de um boulevard em sua frente. Além da ida da feira para a praça da República, há a proposta de ligação pela rua Barão do Amazonas da atual feira para a nova, a deixando apenas para comércios e pedestres.

Museu Olavo Cardoso

Foto: Rodrigo Silveira
Inaugurado em 2006, o Museu Olavo Cardoso está fechado desde 2014. O prédio, construído no final do século XIX, foi deixado em testamento para a municipalidade com o objetivo de ser utilizado com fins memorialistas. A construção histórica está localizada na avenida Sete de Setembro, na área central da cidade.


Em estado de abandono há anos, o prédio perdeu sua varanda recentemente, e no final do governo Rafael Diniz teve parte de seu acervo subtraído por uma ação criminosa, onde também foram furtados mobiliários (veja aqui).

O MOC carece de medidas emergenciais, e além da recuperação das estruturas danificadas, receber restauração dos elementos arquitetônicos originais, modernização de sistemas elétricos e hidráulicos e outras medidas de preservação histórica. Uma das exigências para a doação do prédio pelo usineiro que batizou o Museu, foi o uso cultural do espaço, que necessita de entendimentos com o setor.

Na última sexta-feira (01), foi enviado um projeto à apreciação da Câmara de Vereadores (veja aqui), visando revitalizar o MOC. Com investimentos orçados em R$ 2,6 milhões, está previsto, além da restauração, a ida para um dos anexos do Olavo, a Escola Legislativa (antiga Emugle).

Segundo a Secretaria de Comunicação, o envio foi fruto de entendimento firmado entre Wladimir e o presidente do Legislativo, Marquinho Bacellar, nos tempos de pacificação.

Solar da Baronesa

Foto: Rodrigo Silveira
Localizado na área rural de Campos, na BR-356, rodovia Campos-Itaperuna, o Solar da Baronesa é outro exemplo de patrimônio subutilizado. Nos anos 1970, o prédio foi doado para a Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo antigo proprietário da Usina Sapucaia.


O Solar ficou um tempo aberto ao público e serviu de estada para o presidente da ABL, Austregésilo de Athayde. Após sua morte, em 1993, o Solar se manteve fechado e em deterioração crescente.

Em julho deste ano, representantes da ABL visitaram o local, acompanhados de campistas ligados ao setor cultural. Durante a visita, foi prometido empenho da Academia para restaurar o prédio e lhe dar uso, que seria um centro de guarda e restauro de acervos (veja aqui).
 
Hotel Flávio
 
Foto: Sheila Leal
Embora não seja um patrimônio público, o Hotel Flávio é altamente relevante por sua história e pelos riscos que apresenta desde seu incêndio no ano passado. Os detalhes em relação às providências da prefeitura e os empasses com o herdeiros do prédio, além de posições de historiadores e comerciantes, podem ser conferidos na matéria da Folha da Manhã, de Dora Paes, aqui
 







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