17 de agosto: o patrimônio histórico e seus muitos significados em uma pequena capela de Cacimbas
Edmundo Siqueira 17/08/2023 22:31 - Atualizado em 17/08/2023 22:45
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O caminho até chegar na pequena igreja é difícil. A estrada esburacada que margeia o rio Paraíba pelo seu lado esquerdo, tem alguns poucos trechos pavimentados — resquícios de um asfaltamento mal executado do início dos anos 2000. Um pouco antes de chegar na igrejinha os buracos diminuem, mas ainda é ruim, onde já pertence ao município de São Francisco de Itabapoana, antigo sertão de São João da Barra.

A construção fica em uma pequena comunidade chamada Cacimbas, que tem as primeiras casas após uma curva acentuada, no caminho da praia de Gargaú. O clima e o solo arenoso já denunciam a proximidade com o mar, assim como faz a pesca, atividade exercida pela maioria dos moradores do local.

Foto: Estefany Barreto
Como aconteceu na maioria esmagadora das comunidades rurais da região, houve forte presença da Igreja Católica em Cacimbas, tendo a primeira capela construída em 1924. Com arquitetura típica da época, de inspiração neogótica, a pequena igreja foi erguida, contendo altar, pia batismal, peças em gesso, bancos, alguns castiçais e vasos ornamentados.


“Na matéria de Patrimônio, perguntei à professora Maria Catharina Prata (IFF/Campos) se poderia realizar o trabalho tendo ela (a capela de Cacimbas) como foco, e ela disse ‘sim’. Desde então, as memórias de infância retornaram; porque a memória tem esse poder, o de trazer vida a lugares já inabitados”, disse Estefany Barreto, aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo do IFF Campos, que viveu a infância na comunidade.

Estefany tenta, há dois anos, mudar a situação de “inabitada” da capela histórica. “A capela foi abandonada em 2008, com a construção de uma igreja maior e permaneceu assim até 2021”, conta. A construção de outro templo religioso foi motivada pelo crescimento da população de Cacimbas e do entorno. Já não suportando a quantidade de fiéis, a antiga capela ficou sem uso, sofrendo com as ações do tempo e do abandono.

Em 2022, a capela passou a ser uma missão pessoal de Estefany. O “Projeto da Capela São Sebastião” nasceu da necessidade de se recuperar a memória da comunidade de Cacimbas e, despertado pelo conhecimento técnico adquirido no IFF, salvar um patrimônio material. A partir disso, um perfil no Instagram foi criado (veja aqui), tendo o progresso do projeto compartilhado com a comunidade e com o público externo, e um canal para doações foi estabelecido.


O envolvimento da comunidade
Mutirão para reerguer a Capela São Sebastião, em Cacimbas, São Francisco de Itabapoana: comunidade se envolveu com o patrimônio.
Mutirão para reerguer a Capela São Sebastião, em Cacimbas, São Francisco de Itabapoana: comunidade se envolveu com o patrimônio. / Foto: Estefany Barreto

Embora o patrimônio falasse da história e das vivências de todos em Cacimbas, Estefany se viu como umas das poucas vozes que queriam salvar a capela. A princípio as plantas, desenhos e intervenções arquitetônicas serviriam para o estudo no IFF, mas a estudante de arquitetura percebeu que poderia envolver toda a comunidade.

“Em 2022, com o risco de desabamento e alguns outros motivos, surgiu o mutirão e consequentemente, a obra”, disse Estefany. Mas as obras, apesar de contar com mão de obra local e voluntária, precisaria de recursos financeiros que a estudante não poderia arcar. “As obras permanecem até hoje, à passos lentos, já que o projeto sobrevive de doações”.

Estefany então não teve dúvidas: o projeto seria algo muito mais importante que a aprovação da matéria de Patrimônio. “Acima de qualquer obstáculo financeiro, é gratificante ver a própria comunidade reviver as memórias de um tempo passado, de sempre receber fotografias de famílias com a Capela de fundo, de saber que muitos se casaram ali, batizaram seus filhos, tiveram a primeira comunhão e que hoje estão juntos conosco nesse resgaste de um lugar de memória”.

A obra na capela tem como foco a estabilização estrutural, e com algumas intervenções em madeiramento, portas e esquadrias, como pontos necessários para a segurança. Tudo que é feito na Capela São Sebastião considera as características originais e plásticas da construção e de seu interior.

A professora do IFF, Catharina Prata, é uma ativista na defesa do patrimônio campista e da região, com extensa formação e atuação na área, e acompanha de perto o trabalho da aluna.

Identidade e patrimônio
Foto mais antiga encontrada da Capela São Sebastião, em Cacimbas, São Francisco de Itabapoana
Foto mais antiga encontrada da Capela São Sebastião, em Cacimbas, São Francisco de Itabapoana / Arquivo

O patrimônio material, no sentido de valorização e proteção, ganha força após a Revolução Francesa, e tem origem etimológica significando herança, passagem de bens para outras gerações — ‘patri’, pater patriae, vindo da Roma Antiga, simbolizando o poder do pai sobre a transferência de bens para seus filhos, antes sendo hegemonicamente exercido pelo homem.

O conceito de “pedra e cal”, que também possui origens bíblicas, possui significado relacionado às palavras “duradouro”, “estável” e “firme”, e relaciona-se também com o patrimônio material, com edificações que construíram não apenas instituições, mas abrigaram vivências coletivas.

Em acepções mais modernas, patrimônio material e imaterial (o que é intangível, que não se pode tocar, não perceptível a olho nu) podem ser definidos conjuntamente como bens culturais, uma vez que não se pode desassociar as imaterialidades que as construções carregam consigo. Uma igreja não se constitui como um patrimônio histórico se não trouxer abrigado em suas paredes as histórias e memórias de um povo.

A formação de uma identidade coletiva, e as potencialidades que a educação patrimonial possui, precisam desses elementos caminhando em conjunto, que devem agir não apenas como manutenção de memória, mas como forma de problematizar e ressignificar passados, para se construir futuros mais promissores.

A Capela de São Sebastião, em Cacimbas, é um exemplo vivo dos significados de patrimônio, que tem o 17 de agosto reconhecido como Dia do Patrimônio Histórico, no Brasil, onde deve ser mais que uma data comemorativa, mas uma data de reflexão e luta.

Foto: Estefany Barreto
“Tenho um sonho pessoal, como coordenadora do projeto, assim como tenho certeza ser o mesmo desejo da comunidade, que é ver boa parte da obra finalizada em 2024, no centenário da Capela. Vê-la realizando celebrações religiosas, como foi construída para realizar, é o que move esse projeto; é essa esperança que mantém viva a força de uma comunidade com tanta história pra contar. A Capela é o que identifica o lugar e as pessoas que nela vivem”, diz Estefany, revelando que a autoidentidade também é um dos conceitos trazidos com bens culturais; de pedra, cal, e imaterialidade.

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