As 179 páginas arrancadas da Ao Livro Verde
Edmundo Siqueira 13/11/2023 22:12 - Atualizado em 13/11/2023 22:21
Edmundo Siqueira - Criado por IA

Embora já fosse esperado, o fechamento da livraria Ao Livro Verde arranca algumas páginas da história de Campos de maneira muito sentida. Se cada ano de existência da livraria mais antiga do Brasil em atividade representasse uma folha, o livro de sua história teria 179 páginas. A de número 180, escrita pela metade, trouxe um ponto final longevo e precoce ao mesmo tempo.

As folhas arrancadas serviram de mais combustível em uma fogueira de descaso que Campos mantém acessa com sua própria história, e seu próprio patrimônio.
É possível justificar o fechamento da Ao Livro Verde pelos mesmos motivos que levaram livrarias maiores encerrarem suas atividades, culpar a pandemia ou uma possível má administração, mas se a cidade valorizasse o que tem de melhor não estaríamos lamentando mais um apagamento.

É como se a Confeitaria Colombo fechasse as portas por falta de movimento. Fundada em 1894 (50 anos depois da Ao Livro Verde), a confeitaria mais famosa do Rio tem fila todos os dias — formada por turistas e cariocas. Ou ainda se o Teatro Municipal encerrasse suas atividades e fosse demolido para virar uma agência bancária. Como reagiria a sociedade não apenas do Rio, mas do Brasil?

Sim, o Rio de Janeiro é a capital do Estado, com mais de 6 milhões de habitantes, mas guardadas as devidas proporções, o fechamento da Ao Livro Verde deveria ser igualmente sentido no caso da Colombo fechar. A destruição do Teatro Trianon em Campos deveria causar a mesma revolta que uma simples suposição da derrubada do Teatro Municipal traria.

A livraria mais antiga do país — que estava em atividade até a última sexta-feira (10) — era de Campos. Teve sua longevidade reconhecida pelo Guinness Book, foi visitada por escritores importantes, viu a Lei Áurea ser assinada (chegando a livraria ser palco de reuniões abolicionistas), viveu as duas grandes guerras mundiais, passou por mais de uma pandemia, tudo sem nunca ter fechado, sempre vendendo livros e material de papelaria.

Mas não resistiu mais. Encerrou suas atividades, melancolicamente, em uma sexta-feira modorrenta no abandonado centro histórico de Campos. Parte da sociedade civil se mobilizou, uma exitosa campanha chamada SOS Ao Livro Verde angariou muitos adeptos, arrancou uma Audiência Pública na Câmara de Vereadores, mas não foi o bastante.
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O povo campista não estava lá. Como não esteve quando o Trianon veio ao chão, quando a antiga Santa Casa deu lugar a um estacionamento, quando a varanda do Olavo Cardoso ruiu, quando o Arquivo alagou, quando parte do Airizes se desfez, quando a bela praça São Salvador se transformou em um forno de mármore, quando a Lira de Apolo e o Hotel Flávio foram consumidos pelas chamas, quando…enfim, são exemplos incontáveis.

Desconhecer sua história passou a ser a tônica para a imensa maioria dos campistas; pouco se importar com os apagamentos, uma constante. Sequer comemorar o aniversário da cidade na data certa fazemos. O que faltou? Educação? Políticas públicas culturais? Investimento em turismo? Proatividade da iniciativa privada? Sobrou desleixo.

A cada página arrancada do livro verde histórico e consumida pela fogueira de descaso campista, fizeram com que tantas palavras se apagassem pelo amarronzado do papel queimado, essas que contavam tantas histórias e tantos pertencimentos.

Para quem não sabe de onde veio — e por consequência para onde vai — qualquer lugar serve. Uma cidade só existe por sua coletividade, pela história compartilhada por quem se reconhece como parte de uma urbanidade, de uma sociedade. Patrimônios e instituições representam o conjunto de valores, crenças, comportamentos, tradições, arte, linguagem e normas sociais dessa coletividade.

A Ao Livro Verde não pôde terminar sua página 180. Irá fazer companhia a outros tantos escombros campistas. Não é apenas sintomático: o fechamento da Ao Livro Verde é representativo.
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