Baobás são símbolo da resistência negra em Campos
Matheus Berriel 20/03/2020 21:32 - Atualizado em 21/03/2020 09:24
Em 2014, foi realizado um ato de preservação dos baobás no município
Em 2014, foi realizado um ato de preservação dos baobás no município / Wellington Cordeiro
 
"A negra inspiração é poesia. A arte de criar é quem me guia. Floresce de um baobá um sentimento de amor, herança que a mordaça não calou”. O trecho inicial do samba da escola de samba paulista Tom Maior para o Carnaval 2020, intitulado “É coisa de Preto”, tem em Campos demonstração prática desta resistência. Há na cidade espécime classificada como Adansônia Digitata , originária de Angola, onde é conhecida como embondeiro. O fotógrafo e produtor cultural Wellington Cordeiro, que visitou o país africano em 2008, é um dos defensores da preservação dos baobás na planície goitacá, bem como da realização de um levantamento para melhor identificar e enumerar a presença da espécie no município.
Árvore de grande porte, o baobá pode atingir mais de 10 metros de diâmetro, 30 de altura e viver até 6 mil anos, características que o destacam como símbolo de resistência do negro e até mesmo de sua religiosidade, com capacidade de transformar preconceitos.
— Lá em Angola, pude presenciar a importância desta árvore até hoje para a população. Passei por centenas delas espalhadas por todo território — diz Wellington Cordeiro. Sua visita à Angola culminou na implantação do memorial do Complexo Cultural Fazenda Machadinha, em Quissamã, outro município da região onde a árvore se faz presente.
Uma antiga lenda indica que, antes de embarcarem nos navios negreiros, os africanos escravizados, sob chibatadas, eram obrigados a dar dezenas de voltas em torno de um imenso baobá, depositando suas crenças, suas origens, seu território e toda essência. Só então eram batizados com uma identidade cristã-ocidental e enviados para o cativeiro. Por isso, o baobá passou a ser chamado de árvore do esquecimento, por guardar dentro de si a memória dos africanos explorados.
Baobá na Beira-Valão
Baobá na Beira-Valão / Arquivo/Wellington Cordeiro
Fortemente ligada à cultura africana, Campos recebeu sementes de baobás trazidas por escravos. Foi o viveirista florestal Gilberto Vasconcelos quem identificou a árvore no município, num levantamento feito em 2012. O fato ganhou mais divulgação a partir de iniciativa do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Neabi/Uenf), em janeiro de 2014. No mês seguinte, o baobá foi tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Municipal (Coppam) como patrimônio histórico e cultural de Campos.
Wellington Cordeiro recorda que, durante ato de preservação feito pelo Neabi/Uenf, em 19 de março de 2014, um morador identificado como Carlos compareceu ao evento e disse ter plantado em Campos mudas trazidas da Angola no início da década de 1990. Na época do tombamento pelo Coppam, foram localizadas quatro árvores do mesmo período em Campos: uma à Beira-Valão, no Centro da cidade; outra em um sítio no Carvão; uma terceira em uma residência no Jóquei, e ainda uma no Horto Municipal. Contudo, desde então, outros baobás foram encontrados, alguns deles bem desenvolvidos, fazendo da cidade um dos locais de manutenção da cultura africana por meio da árvore. Há duas árvores da espécie em uma fazenda próxima ao rio Urubu, na região do Imbé.
— Desde a época do tombamento, havia a proposta de colocar uma placa com a identificação da árvore, como também de um referencial histórico da presença desta espécime aqui em campos e no Brasil. A Prefeitura, por meio da superintendência de Igualdade Racial, poderia finalmente executar esse projeto. Essa ação seria importante até mesmo turisticamente — sugere Wellington.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS