Médico de furadeira - A greve na saúde e uma entrevista com Frederico Paes
10/08/2019 21:05 - Atualizado em 10/08/2019 21:45
Eles pareceram oportunistas. Iniciam um movimento de greve alegando falta de condições de trabalho e corte de gratificações no mesmo momento a que são impostos a um sistema de ponto biométrico. As alterações na rotina, impostas por esse sistema, parece ter incomodado a classe médica. O caso já foi tratado aqui no Blog, logo no início do movimento (confira aqui e aqui).
A furadeira
Foto de rede social
Foto de rede social
Por outro lado, a falta de estrutura é mesmo visível a olho nu. A saúde em Campos apresenta uma condição de calamidade há bastante tempo (o que também atesta contra a credibilidade do movimento nesse momento), atestada por quem precisa usar o Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade. Médicos são obrigados a conviver com falta de material básico para realizar cirurgias e atendimentos de pronto-socorro. Acabam tendo que decidir pela vida do paciente improvisando técnicas e adaptando equipamentos. Circula em rede social a foto de uma furadeira - daquelas de loja de departamento - suja de sangue, supostamente usada em uma cirurgia ortopédica. Fato confirmado veementemente por uma fonte. Além disso, como alegou o próprio presidente do sindicato dos médicos (entrevista aqui no Blog), o fato de terem sido afetados com um corte de metade de seus rendimentos, afeta diretamente a vida do profissional, que se programa financeiramente para usá-lo integralmente. Apesar de terem sido expostos, os médicos exercem uma das profissões mais importantes e desgastantes dentre todas. É preciso reconhecer as peculiaridades desse exercício e entendermos que a falta de condição de trabalho nessa área não afeta somente o profissional, mas a vida de quem dependente dele. E quando opera ou atende sem os instrumentos necessários põe em risco seu próprio profissionalismo e integridade. 
O lado patronal está adorando
Como toda disputa grevista de amplo impacto, a narrativa predominante no imaginário popular vence o jogo. Até o presente momento os médicos perderam algumas batalhas. E tiveram todo espaço midiático e jornalístico para expor seus anseios legítimos (aqui), aqui no Blog inclusive (links acima). Embora a população ainda continue refém de uma saúde precária, tendo a prefeitura grande responsabilidade, a administração municipal em silêncio, deixa os médicos prejudicados por suas próprias fragilidades enquanto classe elitizada, corporativista e ciente das condições que agora reclamam, há algum tempo. Mas é preciso assumir as responsabilidades de ambos os lados e comunicar a população as ações que estão sendo tomadas no sentido de solução. 
Bolha de qualidade
Frederico Paes
Frederico Paes
É possível fazer melhor. A entrevista com Frederico Paes a seguir mostra isso. Paes é diretor presidente do Hospital Plantadores de Cana (HPC) e atualmente também preside o Sindicato dos Hospitais - Sindhnorte. Cita que “o ponto biométrico já deveria ter sido implantado há muito tempo” e que “campos tem 1300 médicos contratados, salvo engano, e em outros municípios que eu conheço tem uma quantidade muito menor de médicos em relação a população". 
O tema da "pejotização", que é a substituição de um modelo de trabalhador com carteira assinada para ser contratado como pessoa jurídica, também foi colocado na entrevista. Paes diz ainda que apesar do desgaste político, inerente ao caso, ele deve ser superado para se buscar uma solução. E questiona:"onde estão esses médicos?". 
Blog - O problema da saúde em Campos é financeiro ou de gestão?
Frederico Paes - Acredito que a saúde em Campos sofre por nossa cidade ser polo regional. Com isso absorvemos muitos pacientes de outros municípios. Itaperuna por exemplo, recebe do SUS um valor absurdamente maior (per capita). Temos um ótimo orçamento. Mas existem correções que precisam ser realizadas. Por exemplo: quanto custa um paciente internado no Ferreira Machado comparado ao custo dos hospitais filantrópicos? Outra coisa: O ponto biométrico que está sendo implantando é necessário! Apesar de todo desgaste para o prefeito.
Blog - Bom ter entrado no assunto. Você acredita que o ponto biométrico foi o principal motivo para a greve? Foi um erro da prefeitura impor o controle de ponto no mesmo período que cortou as gratificações?
Frederico Paes - Em relação as gratificações eu não posso dar opinião porque não conheço. Não sei o porquê foi dada e também porquê foi retirada. Se foi uma questão meramente de contenção financeira, claro que está errado. Tem que rever isso. Em relação ao ponto biométrico, já deveria ter sido feito. Campos hoje, se não me engano, tenho que conferir esse dado, tem 1300 médicos contratados, em outros municípios que eu conheço tem uma quantidade muito menor de médicos em relação a população. A gente precisa saber onde estão esses médicos. Apesar de ser um desgaste político, a gente sabe que existe um corporativismo muito forte, e de ser um remédio amargo, tem que ser feito. É Necessário. Acho que a greve não tem relação com isso apenas. Teve outros motivos. Mas se algum servidor pensou nisso é lamentável. Depõe contra a imagem de toda classe médica. 
Blog - O que foi feito na sua gestão no HPC em relação a jornada de trabalho dos médicos? O HPC enquanto hospital contratualizado recebe verbas do município e do SUS e hoje é tido por muitos como referência de estrutura e qualidade de atendimento. Qual a mágica?
Frederico Paes - Em relação a jornada de trabalho no HPC, apesar de ser um hospital filantrópico, é privado. Temos médicos em regime CLT e outros contratados via pessoa jurídica. Temos médicos de qualidade, temos uma parceria muito boa com a Faculdade de Medicina de Campos (FMC). Isso nos dá uma qualidade muito importante ao nosso quadro de médicos. Assumimos em 2012 e sempre buscando qualidade de atendimento ao público. Esse é nosso norte. Independente de ser SUS, de receber verba, hoje 97% de nossa receita é via SUS e da prefeitura de Campos, mas a qualidade de atendimento que buscamos dar é a melhor. Quem coloca dinheiro para dentro do hospital é o paciente do SUS. E tem que ser bem atendido. Nosso pessoal é treinado para isso. Os recursos que conseguimos do governo federal direcionamos para o atendimento e condição para o profissional médico exercer seu trabalho. Hoje temos mais de 50 leitos de UTI neonatal e 20 leitos de adultos. Quando entramos existiam 10 UTI´s neonatal e 6 de adultos. Hoje somos referência em maternidade de alto risco e UTI neonatal.  
Blog - Enquanto presidente do sindicato dos hospitais, você entende que os médicos deveriam ser contratados via PJ (pejotização) ou por concurso, no caso de hospital público? Como equalizar a questão trabalhista em uma área com tantas caraterísticas próprias de jornada e o tipo de serviço prestado?
Frederico Paes - Com a flexibilização das leis trabalhistas deu uma melhorada. Mas tivemos muitos problemas com o ministério público e ministério de trabalho que não aceitavam. Temos hoje médicos que trabalham com prestação de serviço. Muitos médicos vão ao hospital e não tem trabalho continuado, trabalham por produção, fazem um atendimento específico, não tem carga horária determinada. Esse praticamente são todos por pessoa jurídica. Mas é complexo. Tudo isso que envolve a greve dos médicos e a saúde é um tema amplo que merece ser discutido com bastante calma.  

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    Edmundo Siqueira