"O CREMERJ não pode prevaricar" - A greve dos médicos - polêmicas, problemas e possíveis soluções
04/08/2019 09:31 - Atualizado em 04/08/2019 20:14
É grave? É greve!
É grave? É greve!
O movimento de greve iniciado pelos médicos (entenda melhor aqui e aqui) expõe as fragilidades do sistema de saúde em Campos. Se confirmada, a greve dos servidores agravará ainda mais esse quadro. A categoria busca melhores condições de trabalho e reclama do corte em gratificações que deveriam ser recebidas por substituições realizadas. Do outro lado da crise, a prefeitura informa que foram contingenciamentos apenas e as substituições seriam pagas até o próximo dia 10. Informa ainda que não existem salários atrasados de servidores no município (nota oficial). A solução para o conflito parece estar longe do fim. Além de questões orçamentárias, o episódio apresenta um embate que parece ser maior em narrativas do que propriamente sobre relações de trabalho ou sindicais. Os médicos expõem a situação grave que se encontra a estrutura de saúde na cidade - essa visível e de amplo conhecimento público - e alegam não terem condições de trabalho, afetando os atendimentos prestados. Mas a gravidade do caso não é recente. O município não oferece atendimentos públicos de qualidade na saúde, dentro do esperado pela população, há bastante tempo. Situação que vem se arrastando por muitos governos e mostra-se de difícil solução pela estrutura local receber pacientes de toda região. Para dar mais tempero nessas narrativas e posições dueladas, aos médicos foi imposto um sistema de ponto biométrico que influencia diretamente na rotina e na práxis da categoria. 
Buscando dar luz as narrativas, o Blog ouviu o Dr. Rogério de Sousa Bicalho Filho, coordenador da seccional em Campos do CREMERJ - Conselho regional de Medicina do Estado do Rio. Rogério inicia a entrevista questionando a cobertura da Folha, pedindo que os médicos também fossem ouvidos. Dispara: "Os médicos estão bastante chateados, pois a folha tem distorcido bastante os fatos e lançado matérias ouvindo apenas um lado. Dando ênfase que os médicos estão se manifestando devido ao ponto biométrico. O que não é verdade". O jornal Folha da Manhã apurou o caso desde o início dando voz aos médicos e ao sindicato. Como sempre é a postura do jornalismo da empresa, abre espaço para ambos os lados se manifestar, ouvindo e apurando os fatos. Em postagem recente do Blog (confira aqui), inclusive, foi exposta a opinião do sindicato, de fonte da área médica e do próprio Rogério. Assim como foi em toda a cobertura da Folha (veja a reportagem). Em nota, a prefeitura respondeu às publicações, que também foi divulgada. A reunião que definiu a greve dos servidores médicos foi fechada à imprensa, impossibilitando apuração e divulgação dos fatos postos naquela oportunidade. A insatisfação da classe médica com a cobertura mostra imaturidade, pois não apresentou qualquer parcialidade ou limitação de espaço; e com as opiniões (um bom exemplo aqui), faz lembrar o saudoso jornalista Paulo Francis, que diz que ficar "chateado" é um erro: "É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. Acho que quem ofende os outros é o jornalismo que não quer contestar coisa alguma".  
Diante do quadro, os operadores da saúde, área vital a todos, deverão chegar a consenso e buscar soluções. Rogério concede entrevista tratando dos pontos polêmicos e traz as ações do Conselho. Ponderado e disposto a solucionar de fato o conflito, oferece algumas dessas soluções. Confira: 
Blog - Rogério, as reportagens da Folha trouxeram grande repercussão ao movimento de greve da classe médica e dos profissionais da saúde de Campos. Qual sua posição sobre a greve? 
Rogério Bicalho - Infelizmente a matéria saiu com alguns equívocos. Os médicos estão bastante chateados, pois ela tem distorcido bastante os fatos e lançado matérias ouvindo apenas um lado. Dando ênfase que os médicos estão se manifestando devido ao ponto biométrico. O que não é verdade. Em relação a greve, a forma que será feita, se vai ter ou não, isso não cabe ao CREMERJ e sim aos sindicato. O sindicato representa o médico em relação aos direitos trabalhistas. O CREMERJ é o fiscal da atuação do médico e de suas condições de trabalho. Na última semana recebemos dezenas de denúncias de falta de condições de trabalho. Essas foram protocoladas e encaminhadas ao departamento de fiscalização (DEFIS). Com certeza vai gerar fiscalização. Todas denúncias serão apuradas. Em relação ao ponto biométrico o CREMERJ não é contra. Todo funcionalismo público ou de empresas privadas devem comprovar sua frequência. O que o CREMERJ não concorda é ser de 6 em 6 horas por motivos técnicos. Isso o secretário já revogou. Já foi aberta uma sindicância para avaliar se isso caracterizou assédio. O secretário terá seu direito constitucional de defesa. As denúncias de falta de equipamentos e insumos que chegaram são bem graves. Coloca a população em risco de morte. O CREMERJ não tem nenhum interesse em fazer a interdição ética das duas maiores emergências do interior do estado. Se a fiscalização indicar fatos graves , daremos o prazo legal para soluções. Tentaremos uma agenda direta com o prefeito.
"Todas denúncias serão apuradas. Em relação ao ponto biométrico o CREMERJ não é contra . Todo funcionalismo público ou de empresas privadas devem comprovar sua frequência"
Blog - A secretaria de saúde alega que os pagamentos foram apenas contingenciados e já teria sido informado à categoria que iria efetuar os pagamentos até o próximo dia 10. Alega ainda que não houve atraso de salários e sim de gratificações. A insatisfação principal dos médicos seria remuneração ou condições de trabalho?
Rogério Bicalho - Como falei, o CREMERJ é fiscal do ato médico e qualquer denúncia que chegue que atrapalhe esse (profissional médico). Como falta de condições de trabalho serão apuradas . Nesses 6 meses que estou a frente da seccional foi a primeira vez que recebi denúncias do HGG HFM e UPHs. Todos médicos que me procuraram reclamaram das péssimas condições de trabalho. Uma coisa importante em relação ao salário. Devido ao salário dos médicos em Campos está defasado. As gratificações representam metade do pagamento. Se corta a gratificação, os médicos ficam sem cumprir com seus compromissos financeiros. O CREMERJ não pode prevaricar, portanto mesmo que ocorra um acordo entre os médicos e a prefeitura, todas denúncias serão apuradas. 
Blog - O senhor citou diversas diversas denúncias recebidas pelo órgão que coordena. Elas sempre ocorreram com essa frequência? A que o senhor atribui essas denúncias, seriam uma forma de pressão da categoria ou as condições nos ambientes de trabalho estarem no limite do aceitável?
Rogério Bicalho - Só estou há 6 meses a frente da seccional. Vários médicos relataram que já fizeram diversas denúncias no passado. Não posso responder pelo passado, pois não sei o que foi feito e se gerou fiscalização. Creio que sim. Mas nesses 6 meses, cem por cento das denúncias foram apuradas, e geraram fiscalização.  Não posso responder pelo denunciante, o por que denunciaram agora. Creio que se as condições de trabalho fossem as ideais e dignas, associado a um diálogo justificando o atraso, a consequência poderia ter sido outra. Agora o médico exercendo uma medicina de guerra, condições insalubres. Ainda recebe uma notícia que receberá metade do pagamento?
Blog - O senhor apresenta uma situação bastante grave. Você acredita que uma interdição e/ou intervenção federal ou estadual ajudaria a situação?
Rogério Bicalho - Interdição aumentaria o caos. Creio que o bom senso das autoridades do Ministério público, defensoria pública, judiciário não deixarão que isso seja necessário. Também confio que o prefeito vai agir para evitar isso. Em relação a intervenção de outras esferas, pessoalmente, acho importante. O HFM e o HGG são sobrecarregados por ter que atender vários municípios vizinhos. Só pra você ter ideia, semana passada dos 30 leitos de CTI do HFM, 11 estavam ocupados por pacientes de outros municípios. Sendo que o Ministério da saúde só habilitou 6 desses 30 leitos. A conta não fecha. Temos 30 leitos. Apenas 6 habilitados e ainda 11 leitos com pacientes de fora. O município arca com essa despesa. Pessoalmente acho que o HFM deveria ser estadual. Porém essa decisão é da gestão e não do CREMERJ, mas se providências urgentes não forem tomadas após a fiscalização o CREMERJ pode sugerir isso. Na capital temos hospitais federais, estaduais  e municipais. Na região Norte do estado só o HFM e HGG. E para piorar: os hospitais estaduais e federais muito raramente cedem vaga pra campos. O que sobrecarrega as unidades municipais.
"A conta não fecha. Temos 30 leitos. Apenas 6 habilitados e ainda 11 leitos com pacientes de fora. O município arca com essa despesa. Pessoalmente acho que o HFM deveria ser estadual"
Blog - Caso o sindicato decida pela manutenção da greve, qual seria a posição mais adequada a prefeitura? Como o CREMERJ pode auxiliar para por fim ao impasse e os médicos terem condições de trabalho satisfatórias?
Panfleto médico
Panfleto médico
Rogério Bicalho - Ótima pergunta. A greve é péssima para os médicos, para o gestor e princialmente para população. A posição mais adequada em qualquer conflito é o diálogo. Acho que uma boa reunião pode resolver isso. O CREMERJ é um órgão técnico. Possuímos várias câmaras técnicas. Estamos de portas abertas para auxiliar o gestor. A fiscalização vai gerar um relatório de inconformidades. Os itens avaliados na fiscalização são os básicos para o funcionamento de uma emergência de acordo com portarias e resolução federais. Corrigindo as inconformidades as condições de trabalho ficam perto da ideal. A situação caótica da saúde vem de vários governos. Será difícil uma solução mágica para o caos. Porém certas coisas precisam ser corrigidas de imediato. Por exemplo soube que no HFM não possui prótese para cirurgia vascular. Um cirurgião vascular sem prótese para cirurgia é como pedir para um policial subir a comunidade a noite sem colete e sem fuzil. Situação inacreditável. Só que nesse caso quem morre é o paciente. 
Blog - O problema se arrasta por vários governos, como o senhor mesmo disse. Mas o agravamento da crise poderia ser evitado pelo governo atual? A “herança maldita” é impossível de ser contornada? Há recursos municipais - e de outras fontes - para resolver a situação?
Rogério Bicalho - Essa pergunta vou responder como médico. Não como coordenador da seccional do CREMERJ, pois não cabe ao CREMERJ emitir juízo de valor sobre culpados. O governo atual pegou a saúde um caos e não soube administrar o caos. Cada dia vai ficando mais difícil devido a crise financeira relatada a todo momento pelo prefeito. Não acho impossível, será difícil. Ficará difícil se a prefeitura não dialogar com o médico. Pois só quem pode trazer sugestões de mudança são os guerreiros da linha de frente. Incluo aí os enfermeiros. Esses sofrem ainda mais. Vi nesses dias vários médicos com cargos técnicos e com ótimas ideias e intenções pedirem afastamento. O isolamento do gestor pode piorar ainda mais a situação. Não sei informar sobre recursos. Mas se a qualquer momento o prefeito perceber que não há condições de manter uma unidade deve fecha-la ( no caso de UPH ou UBS ) ou pedir ajuda estadual ou federal ( no caso do HGG e HFM). Se tivesse que dar uma sugestão ao prefeito era pra montar um grupo técnico pra gerir a saúde. Dificilmente uma pessoa sozinha vai conseguir.
Blog - O senhor citou que os médicos estão insatisfeitos com a cobertura da Folha no caso. Disse que a matéria apresenta alguns equívocos e que ouviu apenas um lado. Quais seriam esses equívocos? As exigências de cumprimento de carga horária, mesmo após flexibilizações da prefeitura, mas ainda exigindo controle maior, não foram determinantes para o movimento?
Rogério Bicalho - Isso deixou os médicos chateados. Participei de duas reuniões com médicos.  A todo momento reclamaram do atraso do pagamento e das condições de trabalho.  Em relação ao ponto biométrico o secretário já havia informado que foi um equívoco a publicação de 6 em 6 horas. Que seria na entrada e na saída como qualquer trabalhador. O ponto já existe não começou essa semana. Já foi colocado em gestões anteriores. Imagina um médico parar uma cirurgia no meio porque está no hora de de bater o ponto. Imagina o médico do CTI interromper uma reanimação cardíaca para ir bater o ponto? O médico que fica 12 horas operando um baleado, não pode descansar por que falta 1 hora pra bater o ponto. Isso não tem cabimento. E não sabemos que isso ocorra em outro lugar.
 
 

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    Edmundo Siqueira