Guilherme Belido escreve - O silêncio dos omissos
16/02/2019 16:50 - Atualizado em 18/02/2019 15:18
Divulgação
Numa rápida reflexão sobre as recentes tragédias provocadas pelo temporal no Rio, que vitimou seis pessoas, e pelo incêndio no alojamento do Flamengo, matando 10 garotos – ambos os assuntos focalizados aqui no domingo passado – cabe observar que não obstante sejam gritantes a falta de prevenção e a negligência – ampla e maciçamente mostrados pelos órgãos de comunicação ao longo da semana – o silêncio daqueles que têm a possibilidade e os meios para lançar alertas antes de concretizadas as tragédias – mas não o fazem – é, mais que o silêncio dos inocentes, o silêncio dos omissos.
Bem entendido, não se trata aqui daqueles que por força do ofício, dos cargos que ocupam, têm a obrigação de baixar as normas preventivas de segurança e fiscalizar os respectivos cumprimentos. Não. Trata-se dos que tendo voz e tribuna – face à atividade que exercem – dão de ombros ao que se pode chamar de catástrofe previsível, delas só cuidando quando de previsível passam à consumada.
O jornalista, por exemplo, tem por natureza... por vocação, o olhar clínico e crítico acerca de tudo que vê e que não esteja catalogado como de alta qualificação. Criticar um projeto da NASA, convenhamos, não é tarefa para um profissional de imprensa, senão especializado no assunto.
Por outro lado, quem não enxerga que aquelas construções ‘penduradas’ nas encostas da Av. Niemeyer estão sob risco permanente de desabarem? Ou que barrancos podem cair na pista a qualquer chuva mais intensa e soterrar carros? Ou, ainda, que um deslizamento severo de terra seja capaz de provocar tragédias?
Não se discorre da ciclovia Tim Maia, cuja fragilidade salta aos olhos mesmo que tivesse sido bem feita – o que passa longe da realidade –, mas da própria Niemeyer, cujo traçado segue o ‘pé do morro’ de fora a fora, sendo o único escape lançar-se no lado oposto, no mar.
Como o profissional de comunicação traz no íntimo a observação atenta do que se passa e está a seu redor – seja andando pela rua, assistindo um filme, vendo o futebol, jantando num restaurante, viajando... enfim, em tudo que faz, a característica de observar é um instinto natural que surge como espécie de reflexo e, se não tiver isso no cerne, melhor que procure outra coisa para fazer – é indesculpável que não se manifeste de forma veemente ante as muitas ‘Niemeyers’ que se alastram Rio afora, em todas os bairros e áreas, onde não raro a morte é o desfecho final, consequência da incompetência dos gestores públicos e dos “profissionais” que projetam, executam e fiscalizam obras dos mais diferentes locais e matizes.
Por isso se mencionou, no início do texto, ‘voz’ e ‘tribuna’, posto que o cidadão comum não dispõe dos canais para debater e advertir as inúmeras questões de risco, tendo em vista que cada pedacinho do Brasil tem seu Brumadinho em potencial.
Resta dizer, não bastam as grandes coberturas e as análises mais completas sobre tragédias quando se pode cobrar medidas preventivas para evitá-las. Via de regra, os analistas, os especialistas disso e daquilo e os estudiosos aparecem aos montes na mídia depois da porta arrombada para apresentar seus pareceres-pós, quando deveriam ser pré.
Já é hora do jornalismo e de outros setores da sociedade, quer da capital ou do interior, tomarem consciência da prerrogativa de suas profissões e transformar a possibilidade em responsabilidade de agir.
Ajudar o Rio a evitar as frequentes catástrofes é ajudar o Brasil. Missão de todos que moram e trabalham na cidade mais importante do País e daqueles que, como tantos e tantos, a tem como segunda cidade.
Folha da Manhã
Aos 66 anos, no auge
Escrever apenas uma vez por semana gera lacunas enervantes para quem se habituou à tarefa diária, como é o caso do signatário. Muita coisa passa em branco e outras acabam sendo focalizadas fora do tempo ideal. É o caso da morte do jornalista Ricardo Boechat, ocorrida na segunda-feira, 11.
Sobre a carreira do jornalista, o que pouco se disse – ou sequer foi mencionado – é que aos 66 anos atravessava o auge da carreira e se mantinha na curva ascendente, indicando que conquistaria ainda muito mais.
Interessante registrar, ainda, que egresso do Diário de Notícias, começou com o lendário Ibrahim Sued e revolucionou o colunismo social do Brasil, introduzindo notas políticas e econômicas nos espaços até então reservados a cobrir festas de casamento, bodas e a descrever o modelo do vestido usado pela socialite tal.
Com passagem pelo Estadão, O Dia, Isto É e JB, Boechat ganhou prestígio com a coluna do Swann, de O Globo, e, depois, com a que levava seu nome.
Na década de 80, ocupou por apenas seis meses a Secretaria de Comunicação do governo Moreira Franco. O tempo curtíssimo diz muito dele: jornalista na acepção da palavra, não combinava com o estilo ‘chapa branca’.
Avesso a acomodações, há pouco mais de 10 anos Boechat se reinventou no rádio, na Band News FM, onde deu uma reviravolta em sua carreira, logo se tornando a voz mais popular do Brasil e que melhor expressava o sentimento do povo. Crítico ferrenho das redes sociais, que chamava de ‘anti-sociais’, paralelamente cumpria o papel de âncora do Jornal da Band e apresentador do Canal Livre.
No calor das eleições de 2018, esta página registrou o que considerou comportamento inadequado de jornalistas da Globo, com perguntas inquisitórias no programação Central das Eleições e colocações quase acusatórias, em especial às dirigidas a Bolsonaro. Da mesma forma, o quase interrogatório de Bonner e Renata Vasconcellos, no JN, igualmente dirigido ao candidato do PSL.
Mas, na página de 14 de outubro (fac-simile), reproduziu-se falas de Boechat, enaltecendo o trabalho impecável do jornalista na cobertura da sucessão presidencial: “Não existe um Brasil às portas da guerra campal. O País tem 207 milhões que acordam todos os dias tendo o que fazer, seja trabalhar, estudar, etc. – e ao fim do dia retornam para casa”.
“É lamentável que ambos os lados estejam usando a violência como pauta de campanha, situando-a apenas no campo do adversário, como se fosse possível que somente um lado gerasse intolerância e conflito.
O que aumentou e vem se agravando é a violência colocada nas redes sociais como fato estatístico – o que causa perplexidade, intimida e assusta.”
Foi – penso eu – sua última grande contribuição ao Brasil. A contribuição do jornalista, do comunicador combativo, emotivo, independente, destemido, brilhante e humilde, – que não deixa substituto.
Perdem a imprensa e o Brasil. Perde, o simples do povo, um legítimo defensor de seus ideais e interesses.

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