Morre o jornalista Martinho Santafé
Matheus Berriel 05/02/2019 16:25 - Atualizado em 07/02/2019 14:41
Morreu na tarde desta terça-feira (5), aos 67 anos, no Hospital Geral de Guarus (HGG), em Campos, o jornalista, poeta e artista plástico Martinho Santafé, ex-editor-geral da Folha da Manhã. O falecimento foi divulgado em nota pelo Coletivo de Jornalistas de Macaé e Região. Mesmo lutando contra o câncer no pulmão e cérebro, Martinho seguia como diretor da Revista Visão Sócio Ambiental. O velório acontece na Capela da Santa Casa, em frente ao Cemitério do Caju, onde será realizado o sepultamento, nesta quarta (6), às 14h.
Em postagem no Facebook, a filha de Martinho, Maíra Santafé, escreveu uma mensagem sobre o pai, que também teve atuação no Carnaval de Campos, uma vez que seu pai, Herval Santafé, foi o fundador do tradicional Bloco Os Caveiras.
— Sorte eu ter tido tempo de me despedir. Sorte eu ter tanta coisa dele... Sua musicalidade, sua poesia, sua alegria e sociabilidade. Papai sempre foi muito carismático. Foi a pessoa mais sociável que conheci. E um coruja confesso. Sorte eu ter tanto dele em mim. Sorte termos tido o privilégio de aprendermos tanto um com o outro. Sorte eu ter ele para me fazer amar o carnaval, e com ele passei os melhores carnavais da minha vida. Sorte ter tanta lembrança bonita de sua passagem por esse plano. Obrigada, papai. Por tudo. Que sorte eu ter tido a oportunidade de me despedir de você. Amo você, papai coruja. Que dor não conseguir ter chegado a tempo para falar isso de novo — publicou Maíra, que reside em Niterói e estava a caminho de Campos quando recebeu a triste notícia.
Martinho Santafé ingressou no jornalismo em 1970. No início da década, passou quatro anos em exílio “voluntário e sugerido” pela América Latina, como definiu em artigo escrito para a ocasião do 40º aniversário da Folha da Manhã, em janeiro do ano passado. Em 1974 e 1975, trabalhou no extinto jornal A Cidade, em Campos, interrompendo em seguida a carreira jornalística. Retornou à profissão em maio de 1977, como chefe da sucursal de O Fluminense, ao lado de sua primeira esposa, Fátima Lacerda, e de Giannino Sossai. Convidado pelos diretores Aluysio Cardoso Barbosa (in memorian) e Diva Abreu Barbosa, participou de reuniões no período do surgimento da Folha, em 1978, dois anos antes de assumir a função de editor-geral, tendo passado ainda por A Notícia. Também trabalhou em O Debate, jornal de Macaé, cidade onde escolheu para morar desde 1981 e chegou a ser correspondente da Folha.
A última postagem no Facebook de Martinho, grande defensor das causas ambientais, foi uma crítica à falta de punição severa para os responsáveis pelo rompimento da barragem em Mariana/MG, que matou 19 pessoas em novembro de 2015: “A tragédia de Mariana mostrou que a legislação para barragens de rejeitos está defasada, mas o Brasil custa a entender e aprender as lições que recebe. As consequências são terríveis, como estamos vendo hoje”, afirmou Martinho, fazendo referência à tragédia mais recente, em Brumadinho/MG, onde 142 mortes já foram confirmadas e 194 pessoas seguem desaparecidas.
Em nota, o presidente da Associação de Imprensa Campista, Wellington Cordeiro, lembrou que Martinho Santafé venceu o III FestCampos de Poesia Falada, em 2001, com “Manual Para Assassinar Frangos”: “Mas, certamente foi no jornalismo que deixou sua grande contribuição pelo brilhantismo de sua atuação, entrando, desta forma para a imortalidade na memória da imprensa regional”.
DEPOIMENTOS
Diva Abreu Barbosa, diretora-presidente do Grupo Folha
“Era competente, contundente, inteligente... Tinha sensibilidade. Um pouco revolucionário, poeta. Deixou marcas importantes. Vi Martinho pela última vez em 2015. Sempre era muito bom vê-lo. São reminiscências que ficam gravadas na Folha. Ele vai fazer falta ao jornalismo fluminense”.
Esdras Pereira, jornalista
“Quando o Martinho foi editor da Folha, eu trabalhava como fotógrafo. Cheguei a fazer muitas matérias com ele, tanto na Folha quanto para O Fluminense. Um camarada gente boa. A gente não tinha contato pessoal há algum tempo, mas eu sempre me comunicava com ele pelas redes sociais. Ficou na história do jornalismo,”.
Aristides Soffiati, historiador e ambientalista
“Eu era muito amigo de Martinho. Foi um grande jornalista, muito competente, consciente e lutador. Fez parte do Centro Norte Fluminense para a Conservação da Natureza. Enquanto a gente lutava com o DNOS, ele escrevia artigos de combate muito claros e incisivos, sempre com delicadeza”.
Giannino Sossai, jornalista
“Martinho foi um exemplo de jornalista, ultimamente dedicado às coisas da natureza. Era um excelente repórter. Sempre foi um parceiro jornalístico que não aceitava papo furado. Correto. De certa forma, aprendi muito trabalhando com ele. Lamento muito sua morte. Tenho certeza que deixa um legado para o jornalismo”.
Beth Araújo, professora
“Eu via o Martinho como um jornalista de muito talento, muito inteligente. Sabia suavizar a vida com humor. Uma pessoa que me passava um calor humano muito grande. Muito talentoso. Ressalto o talento dele como jornalista. E eu convivi com o Martinho como amiga. Foi uma pessoa muito especial”.
Aluysio Abreu Barbosa, diretor de redação da Folha da Manhã
“Martinho navegou sua vida e sua obra na confluência das águas entre os rios Paraíba do Sul e o Macaé, sempre ‘embriagado de mistérios’. Na busca desse ‘cobertor/ que afasta os nossos frios’, me despeço com afeto desse amigo do meu pai que a vida tornaria meu também”.
Celso Cordeiro Filho, jornalista
“Sempre muito bem articulado, Martinho transitava em todas as áreas e exercia a profissão com extrema competência. Desenvolvia bons textos sobre os mais variados assuntos, mostrando a sua enorme versatilidade. Cultivava a boemia e estava sempre cercado de amigos. Um profissional digno e, acima de tudo, afável”.
Silvia Salgado, jornalista
“Tive o privilégio de trabalhar com Martinho. Foi um jornalista ético, um companheiro boa praça, alegre. Ele só acrescentou à minha carreira. Peço a Deus que papai (Hervé Salgado Rodrigues), Aluysio Barbosa, Prata Tavares, Ângela Bastos e outros o recebam no grande jornal que devem estar fazendo em outro plano”.
Adriano Moura, poeta
“Martinho foi poeta, artista plástico, jornalista ativista e, sobretudo, um cidadão de visão preocupada com os problemas de seu tempo. Perde-se mais um poeta que se juntará a tantos outros que continuarão nos inspirando numa outra estrada, quem sabe de caminhos menos espinhosos que os nossos por aqui”. 
José Cunha Filho, jornalista e escritor
“Martinho era um bom jornalista. Eu o conheci pouco, sei que ele era um excelente repórter, mas não tenho muito a dizer. Ele se fixou em Macaé e a gente perdeu o contato, mas é uma pena, lamento a morte dele. É mais uma perda importante para a imprensa regional”.
Histórias de Kapi e Bolinha
Por Martinho Santafé (*)
Iniciei no jornalismo em 1970, em Niterói, no auge dos “anos de chumbo”. Em janeiro de 1974, quatro anos antes da primeira edição da Folha da Manhã, e semanas depois de retornar ao Brasil após um exílio “voluntário e sugerido” pela América Latina, comecei a trabalhar no jornal A Cidade, de Vivaldo Belido. Por pouco tempo, pois recebi convite para montar um atelier de artesanato em Duas Barras com um companheiro de viagem. Dois anos depois estava novamente nas trincheiras do jornalismo.
O retorno a Campos ocorreu em maio de 1977 para chefiar a sucursal de O Fluminense, com Fátima Lacerda e Giannino Sossai. Meses depois, soubemos que um novo jornal seria criado e fomos convidados por Aluysio Barbosa e Diva Abreu para participar de algumas reuniões. Com a experiência e o prestígio de muitos anos como correspondente do Jornal do Brasil e já em negociações para adquirir uma offset. Incentivado por Diva, Aluysio estava arriscando em uma aposta que iria ganhar.
A Folha da Manhã nasceu em um período economicamente singular para Campos, justamente durante a transição da agroindústria açucareira para a indústria do petróleo. Embora atividades produtivas tão distintas, o jornal soube conviver bem com elas graças à credibilidade de sua linha editorial definida pelo mestre Aluysio.
No início de 1980 fui convidado para ser o editor da Folha. Das muitas recordações desse período, certa tarde, Kapi apareceu na redação com um novo poema: “Canção Amiga”. Li, passei ao Celso Cordeiro, que era colunista social, e sugeri: “Publica”. Foi, talvez, a primeira e a última vez que um poema ocupou todo o espaço de uma coluna social em Campos.
Também naquele ano o marginal “Luiz Gordo”, nascido em Campos e “amadurecido” nas favelas do Rio, aterrorizou a cidade com o seu bando, assassinando em Grussaí um rapaz conhecido e sequestrando sua namorada. Já libertada, a jovem foi prestar depoimento na delegacia. A cidade só falava do caso. No meio do fechamento da edição, Antônio Carlos Paes chega com a matéria, mas não tínhamos a foto. Quase surtei…
No mesmo dia, véspera de Finados, havia pautado para um estagiário e radialista conhecido como “Bolinha”, uma matéria sobre os preparativos no Cemitério do Caju. O texto era bom e as fotos excelentes. O que fazer para a primeira página? Escolhi uma foto vertical em quatro colunas, com forte carga emotiva — na lápide de mármore, um anjo erguia os longos braços em direção ao céu —. a chamada de Finados sob a foto e a seguinte manchete na parte superior da capa: “Fulana de Tal depõe em prantos”. A edição esgotou e teve que ser reimpressa várias vezes.
“Bolinha”, então um estagiário bastante promissor, virou Garotinho e deu ruim.
(*) Jornalista e ex-editor-geral da Folha
Texto publicado no caderno especial de 40 anos da Folha da Manhã, em 7 de janeiro de 2018

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