"O Estranho que Nós Amamos"
23/08/2017 17:38 - Atualizado em 25/08/2017 15:37
Cena de
Cena de "O Estranho que Nós Amamos" / Divulgação
Entre as estreias desta sexta-feira (24) nos cinemas de Campos dos Goytacazes, a indicação recai sobre “O Estranho que Nós Amamos”, de Sofia Coppola. Trata-se de uma remake do clássico do diretor Don Siegel, de 1971, com o ator Clint Eastwood.
A diretora da atual versão, Sofia Coppola, tem apenas 46 anos e muito a fazer pela frente. Em 1999, lançou o psicodélico “As Virgens Suicidas”. De lá para cá, foram mais cinco filmes, e nesse tempo é fato que as recepções de uns já tiveram algumas baixas, embora nenhum deles tenha sido unanimemente reprovado. E, por outro lado, é dela “Encontros e Desencontros”, belissimamente escrito e inegavelmente reconhecido.
Com este currículo, chegamos ao seu mais recente filme, “O Estranho que Nós Amamos”, inspirado no romance de Thomas Cullinan, escrito em 1966. Conta a história de uma escola para meninas no sul dos EUA que, durante a Guerra de Secessão, abandonada e isolada da sociedade (servindo, praticamente, como um refúgio da guerra para suas moradoras), resgata secretamente um soldado que lutava pelo Norte gravemente ferido e clamante por socorro. Disso surgirá uma erótica e atormentadora relação entre as mulheres adultas do convento e o “estranho”.
A primeira questão que chama a atenção no filme foi a leve saída de Coppola de alguns temas recorrentemente abordados na sua filmografia. Ela, filha de um diretor consagrado de Hollywood, teve a maioria dos seus filmes com o plano de fundo da elite ou alta classe média branca estadunidense — no caso de “Um Lugar Qualquer”, “Bling Ring” e “Encontros e Desencontros” tendo em vista justamente esse universo da fama midiática de Bervelly Hills —, denunciando em partes a futilidade e a personalidade massificada da juventude narcisista e vaidosa desse contexto, em partes o tédio e a solidão de um cotidiano repetitivo — e da resignação sobre este — e de relações pessoais frias pautadas por um jogo de egos típicos de uma elite irresponsável, mesquinha e vazia. “O Estranho que Nós Amamos” não vemos isto, até mesmo porque o cenário seria totalmente impróprio para tanto.
O centro do longa é o jogo subjetivo de ódio, inveja e erotismo que atinge níveis psicodélicos enquanto é vivido pelo enigmático quadrado amoroso Nicole Kidman, Kirsten Dunst (a atriz que já protagonizou dois filmes da diretora), Elle Fanning (que já havia feito “Um Lugar Qualquer” com Sofia) e Colin Farrell — este último, o soldado resgatado. Em meio a um ambiente ultraconservador, em que a castidade dos modos ditos religiosos e as regras patriarcais do “bela e recatada” sob o comportamento feminino são impostas, a presença do soldado irá envolver a sexualidade das três mulheres protagonistas a tal ponto que atingiremos uma alucinada e macabra situação de psicodelia entre os quatro.
Coppola filma bem tudo isso, e sabe usar do visual do longa para ditar o tom da narrativa: um ambiente claustrofóbico, gótico e intimidador, cínica e belamente fotografado por Philippe Le Sourd no melhor estilo “Gustave Courbet”. Coppola sabe também usar do silêncio para tornar a atmosfera mais atordoante ainda. O estilo estético do longa é agradável.
Contudo, não é certo que sua habilidade narrativa tenha, de fato, agradado a todos. E a recepção ambígua do longa no Festival de Cannes desse ano comprova a hipótese: impressões positivas e mornas se revezaram — mesmo com o título de Melhor Direção que este levou da competição. Há que se ressaltar é que “O Estranho que Nós Amamos” tem um desfecho muito bem realizado mas que, contudo, tem um desenvolvimento da história com alguns pontos não tão altos assim. É nítido que as mulheres do convento se sentem atraídas sexualmente pelo desconhecido, e que existe uma rixa entre elas para tê-lo. Mas talvez o roteiro tenha ficado muito tempo, repetitivamente, estagnado neste ponto já muito bem estabelecido na trama e que, por assim ser feito, não desenvolve a história mas a estagna em um ponto de tal forma que desperdiça parte do decorrer de “O Estranho que Nós Amamos”.
A intenção do roteiro era a de, gradualmente, transitar da sobriedade inicial em que se encontravam aquela comunidade de mulheres para a alucinação viciante e doentia — a ponto deste efeito alucinógeno ser sentido pelo público. Esta passagem se realiza, e o clímax é muito bem realizado tendo em vista esse desfecho. Contudo, parte do miolo da história não consegue justificar esta transição, fazendo com que lá pela metade do filme este perca um pouco do seu significado: a exploração e o estabelecimento, na narrativa, do sentimento de culpa e medo, da relação entre a castidade e a vivência do prazer carnal que marcam esta psique humana levada a um estado de irracionalidade e delírio — que é retratada no filme — lá pela metade da obra acaba soando sem muita verossimilhança e redundante.
Também entram em cartaz nesta quinta-feira os filmes “João, O Maestro”, “A Torre Negra” e “Bingo — O Rei das Manhãs”. Permanecem em exibição “Annabelle 2: A Criação do Mal” e “Planeta dos Macacos: A Guerra”. (A.N.) (C.C.F.)

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